sábado, 3 de agosto de 2013

BRASIL III - BRASILIA III - BRAZIL III

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«O beijo atravez do oceano» Mora - Capa da Ilustração Portugueza (4 de Novembro de 1922, 2.ª série n.º 872)  http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1922/N872/N872_item1/index.html:
primeira travessia aérea no Atlântico Sul, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, em 1922 por Gago Coutinho e Sacadura Cabral (foi também capa da Revista da Semana do Rio de Janeiro)

"Graças a Deus fomos colonizados pelos portugueses" Entrevista a Ivan Lins Por Tiago Salazar (Notícias Magazine 28-07-2013 http://www.jn.pt/revistas/nm/interior.aspx?content_id=3345411)

«(...) Está praticamente a viver em Portugal. O que o move num momento crítico como este (...)?
_ (...) Tem mais que ver com o povo. Com as cidades, a terra. O país é muito bonito. Tem uma história lindíssima. É incansável. Um país que tem uma diversidade histórica e arquitetónica espantosa, que se descobre percorrendo pequenas distâncias. Não sentimos o peso da distância quando estamos aqui. De sessenta em sessenta quilómetros a paisagem muda. Eu sou daqueles que dão graças a Deus por termos sido colonizados pelos portugueses, ao contrário de preferir uma colonização francesa ou inglesa, como fala o Caetano Veloso. Foi a melhor coisa que podia ter acontecido a este país. Se o Brasil é o que é hoje, diferenciado e universalista, deve-o a Portugal. Temos as tragédias de todos os outros e os problemas não nasceram da colonização. Historicamente somos uma grande mistura valiosa mas mal contada. É injusto que se falem certas coisas como se a colonização espanhola na Bolívia, no Peru ou no Chile tenha sido mais bem conseguida.
(...) Gosto muito das vilas e aldeias portuguesas. Tem muito que ver com o meu tipo de personalidade. Apesar de ser um homem urbano, nascido e criado no Rio de Janeiro, e ter vivido quase a vida toda aqui, sou um apaixonado por lugares pequenos. Tenho uma casa em Teresópolis, onde já fui morar duas vezes, e acabei voltando. Morei nos Estados Unidos um ano, em Los Angeles, e detestei. Tenho uma relação que vem da minha infância e talvez possa explicar. Morei em Boston dos 2 aos 5 anos. O meu pai era engenheiro naval e fez um curso de pós-graduação no MIT. Quando voltámos ao Rio, fui parar ao lugar onde os portugueses mais se concentravam, na região do Andaraí e da Tijuca. Peguei eles de caras! Fui morar na xácara do meu avô materno, cujo pai era de Guimarães, o Dr. Avelino, que eu não conheci. Era uma coisa toda portuguesa, com azulejos e essas coisas. O homem era «getulista» [partidário de Getúlio Vargas] e adorava fados. Só dava Amália. Certamente eu pensei que aquilo era música brasileira. A Amália era uma diva ao nível da Callas, da Piaff, da Yma Sumac, da Caterina Valente. Aqui tinha a Ângela Maria, uma voz maravilhosa, tinha a Carmen Miranda. Eram tratadas como deusas. Eu chego nesse clima e vou morar numa xácara portuguesa, na Rua Leopoldo, no Andaraí. Até aos 2 anos, não lembro de nada. As minhas memórias começam nos EUA, logo eu me considero um americano que chegou ao Brasil aos 5 anos e conhece Portugal [ risos ]. Adorei aquilo. Era o máximo.
E quando foi a primeira vez a Portugal, ver os parentes?
_Em 1981, à Festa do Avante!. Fiz um concerto inesquecível. Conheci o Cunhal, o Ruben de Carvalho, o Adriano Correia de Oliveira, que se tornou quase um protetor meu. Ele me adorava e protegia, contra o mal e o perigo. Era o meu guarda-costas. Tive a oportunidade de conhecer bem o Paulo de Carvalho. Conheci o Zeca Afonso, que já era um cara faladíssimo aqui no Brasil. Uma figura mítica, muito por causa do Chico, que o introduziu. Havia o Sérgio Godinho, que tinha o aval do Milton e do Caetano. (...) anos 1970, Portugal era olhado com ciúme. Porque se tinham libertado. As festas do 25 de Abril aqui eram ilhas de liberdade. Quando vinham os portugueses os teatros lotavam, tudo sob a proteção da embaixada portuguesa. Os militares não podiam falar nada, ficavam caladinhos. Costumavam cercar os teatros onde tinham as festas, mas muito subtilmente.
O Chico cantou o Grândola, Vila Morena numa dessas festas.
_Lá dentro cantávamos o que queríamos. E havia uma admiração enorme por vocês terem brigado e conseguido a liberdade.
Por outro lado, há da nossa parte uma outra fascinação: como se vocês conseguissem fazer da língua o que nós não conseguimos, soltá-la.
_Isso foi porque vocês pegaram uma ditadura o dobro do tempo e com um cara chato p"ra cacete, que até mudou a maneira de falar e de pensar. O Salazar virou Portugal de costas para o mundo. O Brasil até que resistiu. Mas a minha geração não tinha ideia do que se passava em Portugal. Só soube o que era Portugal depois do 25 de Abril.
O Brasil está a viver a quimera do ouro?
_Acho que sim. Nunca se roubou tanto. Eu diria, com quase certeza absoluta, que 25 por cento do nosso PIB vai pelo ralo só com corrupção. É um momento interessante no sentido em que as instituições estão começando a descobrir os golpes que já vêm sendo aplicados no país há muitos e muitos anos.
Podemos dizer que você é um compositor de combate?
_Eu costumo dizer que faço música de interferência [ risos ].
Quem ouve o seu Amorágio [o último disco, em tournée] vê ali uma espécie de conclusão de que a revolução e a linguagem do amor são as mais poderosas.
_O amor é a linguagem mais poderosa porque mexe com o sentimento de identidade entre as pessoas. É o que as move. Amor e paixão. As pessoas mantêm-se vivas através desse sentimento. Pode ser por um ideal, um sonho, uma pessoa, um animal, um objeto. O amor visto aqui de uma forma realista e não fantasiosa. A realidade interfere profundamente no amor. Quantas relações acabaram porque a realidade foi dura com um ou com os dois? Tem uma canção que eu canto que diz que se não fosse a nossa consciência, a gente teria mais tempo de se envolver nos mistérios de nosso amor tão sincero. Não fosse a tamanha injustiça que se alastra por todo o país a gente teria mais chance de estar juntos e sermos felizes. Não fosse a luta diária que mal dá para ver os filhos, não fosse o bem desgovernado teimando em sair dos trilhos, a gente estaria mais juntos, um bem dentro do outro, vivendo no corpo do outro, como devem ser os casais, sonhando com coisas reais, e cantando e dançando.
Revê-se no poema A Invenção do Amor, de Daniel Filipe?
_Muito, gosto muito dele. A língua portuguesa é a mais plástica que tem. É um idioma água. Assume qualquer forma de onde se coloca, de qualquer conteúdo. O brasileiro inventa muito. Todo o ano o dicionário cresce.
A palavra troika é a que mais se ouve por estes dias em Portugal. Por outro lado, a palavra cultura parece estar ameaçada de extinção.
_ Troika soa a qualquer coisa de tortura medieval. A Cultura [ e ponha com C maiúsculo ] na visão de administradores e governantes é um bem supérfluo e perigoso. Logo a abater. Pode derrubar governos e acabar com regimes se bem dirigida. Se existirem métodos de Educação [ pode colocar com E maiúsculo ] sérios e intensos, naturalmente a Cultura se manifesta, porque a própria Educação empurra para ela. Qualquer investimento em Educação vai levar a pessoa naturalmente a procurar conhecimento. Cria um sentimento de curiosidade que é fundamental para se consumir e procurar Cultura. Tem de se estimular a curiosidade e a Educação é o melhor remédio para isso.
Quem são os seus interlocutores em Portugal?
_Falo muito com o Carlos do Carmo e o Paulo de Carvalho, e o Zambujo também.
São conversas preocupadas?
_Sim, mas equilibradas. Vocês têm uma coisa maravilhosa, as tertúlias. Participei de várias. Aqui não temos isso. Daí nascem coisas, nasce a força das ideias. Temos saraus musicais. Há um programa de TV feito pelo Jorge Vercillo. Ele fazia parte de um grupo, de que meu filho e o filho do Gonzaguinha também participavam, chamado Compositores Unidos , o CU. Eles estão voltando, eles falam que o CU está voltando. De repente eu faço o CU lá em Portugal. A dinâmica é de se trocar um papo bom enquanto se brinca fazendo música. Eu faço parte de um grupo chamado GAP, Grupo de Articulação Parlamentar.
A política ativa nunca o tentou?
_Não. Ainda não tenho coragem. Obrigava a apertar mão de gente que você não gosta. Ou sentar e comer na mesma mesa. Se bem que já apertei mão de quem eu não gosto para conseguir coisas para a minha classe.
Sobre estas comemorações do Ano de Portugal e do Brasil, acha que há muito mais divulgação em Portugal das coisas brasileiras do que das portuguesas no Brasil?
_É uma grande verdade lamentável. Primeiro porque o Brasil tem o problema da dimensão, e há uma produção imensa. Tem um mercado que não abraça sequer toda a música brasileira. O mercado é menor do que a nossa música. E de entre todos os países do mundo, talvez excluindo Cuba, tem a música anglo-saxónica tomando uma grande fatia do mercado. Então, para um país que tem um mercado menor do que a música que produz, e que tem por cima um consumo de alto impacte de música sobretudo americana, o que resta não dá espaço para outros países. Depois tem o monopólio da Rede Globo. Setenta por cento da fatia. É estúpido mas é assim mesmo. Como pode uma empresa dizer para o país inteiro o que é bom e o que não é, o que pode tocar ou não? Tem ainda o domínio da música brega que na verdade são três: a baiana, também conhecida por axé, o pagode, que é um desvio do samba e ocupa um nicho bem popular, e a sertaneja. E agora apareceu a música religiosa e evangélica, dos padres, que também quer o seu quinhão.
E onde entram os grandes compositores como o Ivan, o Chico, o Milton, o Gilberto...?
_Eu falo que estamos em processo de extermínio. Que daqui a trinta anos estaremos no submundo, que um acorde de décima primeira é razão para fuzilamento sumário [ risos ].
É muito difícil, senão impossível, um artista português ter aqui o estatuto que o Ivan, um Chico ou um Caetano têm em Portugal?
_A razão é que eles só chegam aqui apresentados por uma elite, logo ficam de imediato presos a esse círculo. É preciso fazer o processo de apresentação dessas figuras para o povão. O sucesso depende da forma como se apresenta. Em 1980 Egberto Gismonti teve uma música numa novela. Vendeu mais de cinquenta mil cópias de uma música até que bem complicada, o Pavão Misterioso , que estava no lixo. O sucesso nasceu de essa música estar associada a um sentimento do momento que a novela explorava muito bem. Dizem que a minha música é sofisticada mas vêm dez mil pessoas ver o show em praça pública. Boto todas as décimas primeiras aumentadas que eu posso e acho que ainda não corro risco de fuzilamento.
Um fenómeno como Amália só se imporia hoje se fosse reverente aos ritmos sertanejos?
_A Amália foi além do fado. O fado fez muito sucesso nos anos 1960 graças ao Francisco José. O último disco dele ficou semanas na frente do Roberto Carlos.
Já que a palavra amor foi das mais faladas, pergunto a terminar o que é para si o amor.

 _Você é muito maldoso. O amor é quando você... (...), que pergunta - é quando você tem luz própria.»

Ivan Lins, álbum «Somos Todos Iguais Nesta Noite», 1977 (http://www.youtube.com/watch?v=gA70QJHOPto&list=PLQ0xxWPwGPlH55xh0hAc0ZkoW-Czg1Fyw)

«Quadras de Roda» (Ivan Lins):

 «PASSARINHO CANTOU DE DENTRO DE UMA GAIOLA 
 
CANTARIA MELHOR SE FOSSE DO LADO DE FORA 
 
       O MARINHEIRO ACORDOU E TINHA QUE ESPANTAR 
                       
ALGUEM LEVANTOU MAIS CEDO E ROUBOU O CEU E O MAR 
 
 
              
MEU AMOR NAO SABIA PORQUE NUNCA AMANHECIA 
                  
E QUE EXISTIA UM VIGIA NA PORTA DE CADA DIA 
 
 
 
MEU AMOR NAO SABIA PORQUE NUNCA AMANHECIA 
             
EXISTIA UM VIGIA NA PORTA DE CADA DIA 
              
MUITA GENTE CHAMOU URUBU DE MEU LOURO 
                   
PELO QUE EU VEJO AGORA, LE LE VAI CHAMAR DE NOVO 
             
MUITA AGUA ROLOU DOS OLHOS DO POVO 
                 
PELO QUE VEJO AGORA, LE LE VAI ROLAR DE NOVO»

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