AO REAGIR AO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O (DES)GOVERNO TÃO, TÃO MAL
VIU APROVADO PELO REBANHO DEPUTACIONAL
UM ORÇAMENTO SOBRENATURAL
QUE AINDA SUFOCOU MAIS PORTUGAL
INCITADO REAGIU DE NOVO O TRIBUNAL
COM UMA VISÃO INCONSTITUCIONAL
DE IGUALIZAR O QUE NÃO É IGUAL
DE PROPORCIONAR O QUE NÃO É PROPORCIONAL
DE EXCEPCIONAR O QUE NÃO É EXCEPCIONAL
MUITO LONGE DO INTERESSE NACIONAL
REAGIRÁ DE NOVO O (DES)GOVERNO DE MODO TAL
QUE O ESTADO VAI SER REDUZIDO DE UM MODO BRUTAL
A MERO COBRADOR DE IMPOSTOS PARA PAGAR
UMA SOCIEDADE POLÍTICA E TODO O SEU SÉQUITO A PARASITAR
DE MAIORES OU MENORES PENSÕES E SALÁRIOS
DE MENORES OU MAIORES SERVIÇOS E HONORÁRIOS
E ASSIM SE HARMONIZARÁ O TRIBUNAL
COM O (DES)GOVERNO INCONSTITUCIONAL
- INCRÍVEL A PERSPECTIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA SOBRE A DESIGUALDADE PERANTE O EMPREGO DE EMPREGADOS DO SECTOR PRIVADO E DO SECTOR PÚBLICO!
- EXTRAORDINÁRIA A POSIÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL SOBRE TRIBUTAÇÃO EXTRAORDINÁRIA NÃO PROPORCIONAL E NÃO PROGRESSIVA: PARECE SER POSSÍVEL AOS LEGISLADORES FISCAIS CRIAR TODOS ANOS FACTORES EXTRAORDINÁRIOS DE IMPOSIÇÃO SOBRE AS PESSOAS (SOCIEDADE CIVIL) DE CARGAS, SÓ PORQUE A SOCIEDADE POLÍTICA NÃO QUER PÔR EM CAUSA O STATUS QUO QUE REPRODUZIU AO LONGO DE DÉCADAS E QUE SE EVIDENCIAM EM DESPESA PÚBLICA EXCESSIVA QUE BENEFICIOU E BENEFICIA OS SEUS MEMBROS E GRUPOS DE INTERESSES NACIONAIS OU ESTRANGEIROS, LIGADOS A SITUAÇÕES DE JOGOS DE SOMA NULA OU NEGATIVA DE OLIGARQUIAS, CARTÉIS, ELITES, ...
- O RESULTADO DE TUDO ISSO, COMO TODOS SABEMOS TEM SIDO MAIS DESEMPREGO DO QUE AQUELE QUE SEMPRE EXISTIRIA NO ÂMBITO DE UMA POLÍTICA MAIS JUSTA E MAIS EFICAZ PARA A NAÇÃO PORTUGUESA!
- NENHUMA INSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE POLÍTICA ESTÁ A IR AO FUNDO DA QUESTÃO: AS LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE PORTUGAL EVIDENCIARAM TODAS AS VULNERABILIDADES DAS OPÇÕES DO PASSADO E DO PRESENTE REALIZADAS PELOS GOVERNOS, PARLAMENTOS, INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, ... E QUE SE MANIFESTAM EM CUSTOS DE OPORTUNIDADE BRUTAIS LIGADOS A CONFLITOS («TRADE-OFFS) ENTRE O SE IR POR CERTOS CAMINHOS OU OUTROS, CUJA RESULTANTE CONDICIONA FORTEMENTE A CRIAÇÃO DE VALOR PELA NAÇÃO, BASE PARA SE REALIZAR A BRUTAL TRIBUTAÇÃO DESFASADA DA MESMA, NUM CONTEXTO HISTÓRICO DE PROFUNDA CRISE DO SISTEMA INTERNACIONAL. É EXTREMAMENTE INJUSTO E INDUTOR DE AINDA MAIORES CÍRCULOS VICIOSOS QUE SEJAM AS EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS E AS FAMÍLIAS A PAGAR OS ERROS E PRIVILÉGIOS DELIBERADAMENTE CONCEDIDOS NO PASSADO E NO PRESENTE A UM AMPLO CONJUNTO DE GRUPOS DE INTERESSES DESFASADOS DO INTERESSE NACIONAL. DEVERIA TER SIDO A BANCA, O ESTADO E AS INSTITUIÇÕES BENEFICIADAS COM ESSAS OPÇÕES A SUPORTAR OS ACTUAIS PROBLEMAS, MAS SÃO PRECISAMENTE ESSAS INSTITUIÇÕES QUE MAIS INFLUÊNCIA TÊM SOBRE AS RESULTANTES DECISÕES, BASEADAS NAS DIALÉCTICAS DESSES GRUPOS DE INTERESSES, DIRECTA E INDIRECTAMENTE, SOB A PRESSÃO DE UMA EUROPA DIRIGIDA POR DIRIGENTES ALEMÃES QUE NÃO REPRESENTAM TODA A COMPLEXIDADE DA ALEMANHA E DOS SEUS INTERESSES, QUE OBVIAMENTE, NÃO SE CONFUNDEM COM A PROFUNDÍSSIMA DESVALORIZAÇÃO DA PRÓPRIA EUROPA QUE A VALORIZA E APESAR DO GRANDE TRAUMA DA MOEDA FRACA, QUE CONDICIONA FORTEMENTE A FEDERAÇÃO DE ESTADOS QUE REPRESENTAM A ANTIGA GERMÂNIA. ESPEREMOS QUE AS ELEIÇÕES NA ALEMANHA MELHOREM A SUA RELAÇÃO CONSIGO PRÓPRIA, COM A EUROPA E COM O MUNDO.
In him New York Times blog «The Conscience of a Liberal» Paul Krugman said in 2011, January, 10:
«Portugal? O Nao!»
«It’s looking as if Portugal is the next eurodomino. I was hoping not (...), but (...) it’s by far the blurriest of the troubled peripheral countries.
What I mean by that is that the Portuguese macro story is harder to tell than those of Greece, Spain, and Ireland. Greece was excessive government borrowing; Ireland and Spain, housing bubbles. Portugal, by contrast, wasn’t all that bad fiscally — debt/GDP on the eve of the crisis roughly comparable to Germany. But it also didn’t have surging house prices. There was a lot of private-sector borrowing, but it’s not that easy to explain exactly why.
What’s clear, however, is that at this point Portugal faces adjustment problems similar to those of Spain, and possibly worse. Prices and labor costs are out of line with the rest of the eurozone; getting them back in line will require painful internal devaluation, aka deflation; and given the high levels of private debt, deflation will have nasty side effects. Tolstoy was wrong: many unhappy countries, at least in Europe right now, are pretty much alike.» (http://krugman.blogs.nytimes.com/2011/01/10/portugal-o-nao/)
Before (2010, May, 17) he said:
«(...) With a unified currency, adjustment to differential shocks requires adjustments in relative wages — and because the nations of the European periphery have gone from boom to bust, their adjustment must be downward. At this point, wages in Greece/Spain/Portugal/Latvia/Estonia etc. need to fall something like 20-30 percent relative to wages in Germany. Let me repeat that:
WAGES IN THE PERIPHERY NEED TO FALL 20-30 PERCENT RELATIVE TO GERMANY.» (http://krugman.blogs.nytimes.com/2010/05/17/et-tu-wolfgang/)
Recently in 2013, April, 7 said:
«Just say Nao»
«(...) the moving finger of instability has now reached Portugal, with the government, of course, proposing to cure matters with More Austerity.» (http://krugman.blogs.nytimes.com/2013/04/07/just-say-nao/)
In the meantime (2012, February, 25) said:
«(...) What we’re basically looking at, then, is a balance of payments problem, in which capital flooded south after the creation of the euro, leading to overvaluation in southern Europe. It’s not a perfect fit — Italy managed to have relatively high inflation without large trade deficits. But it’s the main way you should think about where we are.
And the key point is that the two false diagnoses lead to policies that don’t address the real problem. You can slash the welfare state all you want (and the right wants to slash it down to bathtub-drowning size), but this has very little to do with export competitiveness. You can pursue crippling fiscal austerity, but this improves the external balance only by driving down the economy and hence import demand, with maybe, maybe, a gradual “internal devaluation” caused by high unemployment.
Now, if you’re running a peripheral nation, and the troika demands austerity, you have no choice except the nuclear option of leaving the euro, coming soon to a Balkan nation near you. But non-GIPSI European leaders should realize that what the GIPSIs really need is a general European reflation. So let’s hope that they get this, and also give each of us a pony.» (http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/02/25/european-crisis-realities/)
This is an example of a macroeconomist with a badly model of economic representation of the reality, like the others point of views that wrongly influence Troika, Portuguese Government and a lot of Economists: them simplification of the reality by the bias of them different ideological assumptions (higher or lower state action, when the real problem was always good and better action of State to improve creation of Value) create big problems to the countries of Europe! We need another kind of vision much more complex and much more correct to Europe, to Italy, Romania, Spain, France, Portugal, German, Greece, ...
SUPPORT COMPETITIVE ADVANTAGES BY «INTERNAL DEVALUATION» (PRICES) WAS A DRUG THAT INVADED EUROPE (HERE WE HAVE LIKE KRUGMAN MANY ECONOMISTS WITH THAT DISEASE)! WE NEED DEVALUATE WHAT DON´T HAS-HAVE-WILL HAVE VALUE AND VALUATE WHAT HAS-HAVE-WILL HAVE VALUE (FOR EXAMPLE ALL KIND OF REVENUES SUPPORTED IN NON VALUE CREATION)
YES WE NEED ANOTHER KIND OF MONETARY POLICY MUCH MORE NEUTRAL (NOT OVERDOSE OF VALUATION OR DEVALUATION, GERMAN CAN DO IT, DESPITE INFLATION DRAMA), BUT WE NEED MUCH MORE A SUPPORT TO COMPETITIVE ADVANTAGES BY DIFFERENTIATION WITH LOWER COSTS, WITHOUT A HIGH WEIGHT OF VICIOUS FROM POLITICAL SOCIETIES AND IT VICIOUS DECISIONS, THE BETTER OF LIBERAL AND SOCIALIST IDEAS (STOP CARTELS, OLIGOPOLIES; OLIGARQUIES, STOP STATE EXPENSES THAT DON´T CREATE VALUE, PUT THE GOALS IN THE PERSONS, FAMILIES AND NOT FINANCIAL COMPANIES), NOT THE WORST OF THEM.
LOWER COSTS HAVE LIMITS (WHEN COMPANIES GO TO CHINA AND PURCHASE FOOD COMPONENTS WITHOUT QUALITY THAT PREJUDICE HEALTH AND INCREASE IT EXPENSES WHERE WE ARE EUROPEAN UNION?!), QUANTITY HAVE LIMITS! WE NEED MUCH MORE QUALITY. BUT THE VICIOUS LOBBIES NEEDED MORE AND MORE QUANTITY, MATERIALISM FOR THEM CAPITAL ACCUMULATION BY INDEBTEDNESS BOOM. CRISIS STOP THAT.
WE NEED IMPROVE THE QUALITY OF OUR CIVILIZATION, THE WELFARE AND THE WELL BEING OF THE PERSONS! THAT CREATE VALUE AND EMPLOYMENTS IN EUROPE IN A VIRTUOUS CIRCLE! EUROPEAN CIVILIZATION CAN GIVE MUCH MORE TO THE WORLD WITH IT DEEP RESPECT TO THE PERSON (LIBERAL AND SOCIALIST COMPLEMENTARY AND BETTER POINT OF VIEWS)!
Eis o acordão do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade de algumas normas da Lei do Orçamento de Estado de 2013 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130187.html):
«ACÓRDÃO N.º 187/2013
Processo n.º 2/2013,
5/2013, 8/2013 e 11/2013
Plenário
Relator: Conselheiro
Carlos Fernandes Cadilha
Acordam,
em Plenário, no Tribunal Constitucional
I
– Relatório
1. Pedido formulado no processo n.º 2/2013
No âmbito
do processo n.º 2/2013, foi pedida, pelo Presidente da República, a apreciação
e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade:
a)
Das normas constantes dos n.ºs 1 a 9 do artigo 29.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31
de dezembro de 2012 (Lei do Orçamento do Estado para 2013, adiante LOE2013), e,
a título consequente, das restantes normas constantes do mesmo preceito, por
eventual violação, no plano tributário, do princípio da igualdade na sua
dimensão de proporcionalidade, resultante da conjugação das disposições
normativas do artigo 13.º e do n.º 1 do artigo 104.º com a norma do n.º 2 do
artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa República (CRP);
b)
Das normas constantes dos números 1 e 2 e, a título consequencial, das restantes
normas do artigo 77.° da mesma lei, por violação, no plano tributário, do
princípio da igualdade na sua dimensão de proporcionalidade (artigos 13.º e
104.º, n.º 1, conjugados com o artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e por violação do
princípio da proteção da confiança, contido no artigo 2.º da CRP;
c)
Das normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 78.º da mesma lei e, a
título consequente, das restantes normas do mesmo artigo, com fundamento na
violação do princípio da unidade do imposto sobre o rendimento pessoal, (artigo
104.º, n.º 1, da CRP), dos princípios da igualdade e da proporcionalidade
(artigo 104.º, n.º 1, conjugado com os artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP), do
princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da CRP), do direito a uma sobrevivência
com um mínimo de qualidade (artigos 1.º e 63.º, n.ºs 1 e 3, da CRP) e do núcleo
essencial de direitos patrimoniais de propriedade, na sua dimensão
“societário-pensionista”, garantidos pelo n.º 1 do artigo 62.º, nos termos do
n.º 2 do artigo 18.º, ambos da CRP.
É a
seguinte a fundamentação do pedido:
“1º
As
normas que são objeto do presente pedido de fiscalização da constitucionalidade
constam da Lei da Assembleia da República que aprova o Orçamento de Estado para
2013 e suscitam as dúvidas de constitucionalidade que se passa seguidamente a
mencionar.
I -
Suspensão do subsídio de férias aos trabalhadores ativos do setor público
2º
O
artigo 29° da Lei indicada dispõe o seguinte:
Artigo 29.º
Suspensão
do pagamento de subsídio de férias ou equivalente
1-
Durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental é
suspenso o pagamento do subsídio de férias ou quaisquer prestações
correspondentes ao 14.º mês às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 27.º
cuja remuneração base mensal seja superior a €1100.
2-
As pessoas a que se refere o n. º 9 do artigo 27.º cuja remuneração base mensal
seja igual ou superior a €600 e não exceda o valor de €1 100 ficam sujeitas a
uma redução no subsídio de férias ou nas prestações correspondentes ao 14. o
mês, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídio/prestações =
1320 - 1,2 x remuneração base mensal.
3-
O disposto nos números anteriores abrange todas as prestações,
independentemente da sua designação formal, que, direta ou indiretamente, se
reconduzam ao pagamento do subsídio de férias a que se referem aqueles números,
designadamente a título de adicionais à remuneração mensal.
4-
O disposto nos n.ºs 1 e 2 abrange ainda os contratos de prestação de serviços
celebrados com pessoas singulares ou coletivas, na modalidade de avença, com
pagamentos mensais ao longo do ano, acrescidos de duas prestações de igual
montante.
5-
O disposto no presente artigo aplica-se após terem sido efetuadas as reduções
remuneratórias previstas no artigo 27. º bem como as constantes do artigo 31.º
6-
O disposto nos números anteriores aplica-se ao subsídio de férias que as
pessoas abrangidas teriam direito a receber, incluindo pagamentos de
proporcionais por cessação ou suspensão da relação jurídica de emprego.
7-
O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente ao pessoal na reserva ou
equiparado, quer esteja em efetividade de funções quer esteja fora de
efetividade.
8-
O Banco de Portugal, no quadro das garantias de independência estabelecidas nos
tratados que regem a União Europeia, toma em conta o esforço de contenção
global de custos no setor público refletido na presente lei, ficando habilitado
pelo presente artigo a decidir, em alternativa a medidas de efeito equivalente
já decididas, suspender o pagamento do subsídio de férias ou quaisquer
prestações correspondentes ao 14.º mês aos seus trabalhadores durante o ano de
2013, em derrogação das obrigações decorrentes da lei laboral e dos
instrumentos de regulamentação coletiva relevantes.
9-
O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional,
prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em
contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e
contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.
"
3°
Cumpre
assinalar que as normas contidas nos números 1 e 2 do artigo 29º:
a)
Se aplicam, por força da remissão feita para a norma do n° 9 do artigo 27° do
mesmo diploma, quer a titulares de órgãos de soberania e pessoas que
desempenhem cargos públicos nos diversos setores da Administração, quer a
trabalhadores com qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público,
sendo todos eles, para os efeitos deste requerimento, designados por
trabalhadores ativos do setor público;
b)
Na medida em que determinam a suspensão do subsídio de férias ou de quaisquer
prestações correspondentes ao 14° mês aos referidos trabalhadores, mantêm uma
medida equivalente à que constava das normas do artigo 21° da Lei do Orçamento
de Estado para 2012(1), importando, todavia, assinalar uma diferença entre os
dois regimes: enquanto as duas disposições impugnadas neste requerimento
determinam, apenas, a suspensão do 14° mês, já as normas do artigo 21° do
Orçamento de Estado de 2012 impunham cumulativamente com idêntica medida,
também a suspensão do 13° mês (subsídio de Natal).
4º
Importa
recordar, como premissa pré-compreensiva da presente argumentação, o contexto
jurídico que envolveu por parte do Tribunal Constitucional, com os fundamentos
constantes o Acórdão n° 353/2012, a declaração da inconstitucionalidade, com
força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 21° e também do artigo
25° da Lei n.º 64-B/2011 que aprovou o Orçamento do Estado para 2012.
5º
O
Tribunal Constitucional apreciou, então, a suscitação de um problema de
constitucionalidade fundado na repartição desigual de encargos públicos com o
equilíbrio financeiro do Estado entre, por um lado, trabalhadores ativos do setor
público (artigo 21°) e reformados e pensionistas (artigo 25°), a quem foi
determinada a suspensão dos subsídios de férias e de Natal e, por outro, os
trabalhadores ativos do setor privado, a quem não foi exigido um sacrifício
idêntico.
6º
O Tribunal,
no aresto mencionado no n.º 4 deste requerimento e de, algum modo, na linha do
Ac. n° 396/2011, admitiu como legítima alguma diferenciação entre "quem
recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia, não se
podendo considerar, no atual contexto económico e financeiro,
injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução de rendimento
dirigida apenas aos primeiros".
7º
Contudo,
o mesmo órgão não deixou de considerar que a liberdade do legislador em
recorrer ao corte de remunerações e pensões que auferem por verbas públicas,
tendo em vista atingir o equilíbrio orçamental, não seria ilimitada, pelo que
"a diferença entre o grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por
esta medida e para os que não são não pode deixar de ter limites",
importando ter em conta que "a dimensão da desigualdade do tratamento tem
de ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não
podendo revelar-se excessiva ".
8°
Atenta
a fundamentação exposta, o Tribunal Constitucional declarou a
inconstitucionalidade das normas do artigo 21 ° e do artigo 25° da Lei do
Orçamento para 2012, com fundamento na violação do princípio da igualdade,
conjugado com o princípio da proporcionalidade, tendo-o feito nos seguintes
termos:
“A
diferença de tratamento é de tal modo acentuada e significativa que as razões
de eficácia da medida adotada na prossecução do objetivo da redução do défice
público para os valores apontados nos memorandos de entendimento não tem uma
valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença, tanto mais que
poderia configurar-se o recurso a soluções alternativas para a diminuição do
défice quer do lado da despesa ( .. .) quer do lado da receita (. .. ). Daí que
seja evidente que o diferente tratamento imposto a quem aufere remunerações e
pensões por verbas públicas ultrapassa os limites da proibição do excesso em
termos de igualdade proporcional”.
9º
O
artigo 29° da Lei que é objeto do presente pedido de fiscalização de
constitucionalidade, em articulação com outras disposições de natureza fiscal
em sede de IRS constantes do mesmo diploma, mantém um tratamento tributário
diferenciado para certas categorias de cidadãos, como os trabalhadores do setor
público, do qual resulta um esforço acrescido face àquele que é exigido aos
restantes trabalhadores no ativo.
10º
Sucede
que, em matéria fiscal, o critério de diferenciação constitucionalmente
admitido na tributação do rendimento pessoal é o critério da capacidade
contributiva (n.º 1 do artigo 104° da Constituição), o qual corporiza
operativamente o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos
entre os cidadãos, não podendo a aplicabilidade do mesmo critério cingir-se aos
impostos, já que se impõe a quaisquer tributos de caráter parafiscal, em nome
dos princípios constitucionais da universalidade e da igualdade, bem como do
princípio da prevalência da substância sobre a forma que inere ao Estado
material de direito.
Assim,
11º
Embora
do ponto de vista contabilístico se possa dizer que a suspensão do subsídio de
férias consistirá numa medida que incide sobre a despesa pública, enquanto um
agravamento fiscal constituirá uma medida do lado da receita, verifica-se que
essa distinção é contabilística e formal pois, de um ponto de vista substantivo
e jurídico-constitucional, a suspensão do pagamento do subsídio de férias aos
funcionários públicos e pensionistas traduz-se num esforço contributivo
acrescido que lhes é unilateralmente exigido para o financiamento do Estado e
que envolve uma ablação do seu rendimento anual, pelo que consistirá num
verdadeiro imposto.
12º
A
desigualdade que subsiste na tributação entre trabalhadores do setor público e
do setor privado, em detrimento dos primeiros, terá de ancorar, por
conseguinte, em fundamentos materiais adequados, e não tanto em argumentos de
maior fragilidade como os que constavam do Relatório relativo à lei do
Orçamento de 2012, de acordo com os quais:
i)
Os trabalhadores ativos do setor público beneficiariam, em média, de
retribuições superiores às do setor privado;
ii)
Os mesmos trabalhadores teriam uma maior garantia de subsistência do vínculo
laboral.
13º
Quanto
ao primeiro argumento, importa esclarecer que ele contraria o sentido dos
princípios jurídico-constitucionais da "capacidade contributiva" e da
"unidade do imposto", acolhidos na norma constante do n.º 1 do artigo
104º da Constituição, já que a fixação do imposto sobre o rendimento não é
aferida em função de médias de retribuição de distintas categorias
profissionais, mas sim em razão dos rendimentos e das necessidades de cada
sujeito ou agregado familiar.
14º
No
que concerne ao segundo argumento, parece evidente que a capacidade económica
para pagar impostos não é determinada pela maior ou menor estabilidade do
vínculo laboral, já que:
a)
Um determinado sujeito passivo pode beneficiar de uma menor garantia de
subsistência do vínculo e ter uma capacidade económica substancialmente
superior a outro com um vínculo laboral mais estável (como é o caso,
exemplificativo, de profissionais famosos das artes e espetáculos e do desporto
que podem auferir, com um contrato de um só ano, um rendimento que um
funcionário público poderá não receber em muitos anos);
b)
As reduções salariais no setor público têm afetado mesmo aqueles funcionários
com vínculos precários e a termo certo (como será o caso dos professores
contratados).
O
acolhimento deste argumento obrigaria a uma tributação que examinasse, setor a
setor e empresa a empresa, o nível de estabilidade e de precariedade do vínculo
laboral dos diferentes trabalhadores, antes de graduar em conformidade as
diferentes taxas de imposto, o que se afiguraria não apenas ilógico mas também
impraticável.
Dito
isto,
15º
Sem
embargo de o artigo 29° da Lei que aprova o Orçamento de Estado para o ano de 2013
ter mantido um regime tributário diferenciado entre trabalhadores do setor
público e do setor privado, diferença que o Tribunal Constitucional admite, em
tese, poder ocorrer em razão do critério do "recebimento por verbas
públicas", importa registar que o mesmo preceito legal reduziu, também, a
desproporção entre as duas categorias de trabalhadores na repartição de
sacrifícios destinados a garantir o equilíbrio orçamental.
16º
Poderá
mesmo afirmar-se que, na norma mencionada no número anterior, a desigualdade
que subsiste, quando comparada com o regime julgado inconstitucional constante
do artigo 21 ° da Lei de Orçamento de Estado para 2012, deixou de assumir o
nível de desproporção previamente existente, passando por exemplo a
diferenciar-se quantitativamente, a partir do valor de 1.100 euros, na base da
suspensão do montante equivalente a um salário mensal para a função pública.
Contudo,
17º
Se
é um facto que as opções normativas constantes do diploma que é objeto deste
pedido de fiscalização traduzem um esforço de aproximação em relação à
orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional ínsita no Ac. n.º
353/2012, a qual admite uma desigualdade de tratamento tributário entre
categorias de trabalhadores nos limites da razoabilidade, cumpre contudo
interpelar o órgão máximo de Justiça Constitucional sobre se essa aproximação
terá sido suficiente e adequada, à luz do princípio constitucional da igualdade
conjugado com o princípio da proporcionalidade.
18º
No
juízo de proporcionalidade sobre a conformidade das normas sindicadas com a
Constituição não podem deixar de ser tidas em conta, a par do esforço de
redução quantitativa da desproporção pré-existente na distribuição de
sacrifícios entre as duas categorias de trabalhadores, outros fatores tais como:
a)
A equidade e justiça na repartição desses sacrifícios;
b)
A proibição do excesso na diferenciação dos sacrifícios entre categorias de
trabalhadores.
19º
Sendo
o próprio Tribunal Constitucional, no já citado Acórdão n.º 353/2012, que
recorda que "(…) quanto maior é o grau de sacrifício imposto aos cidadãos
para a satisfação de interesses públicos, maiores são as exigências de equidade
e justiça na repartição desses sacrifícios" cumpre destacar, tal como se
observou nos números 10° e 13° deste requerimento e atento o disposto no n° 1
do artigo 104° da Constituição, que a capacidade contributiva respeitante ao
imposto sobre o rendimento pessoal é aferida por cada sujeito ou agregado
familiar em razão do seu rendimento e necessidades.
20º
Uma
menor consideração do princípio da capacidade contributiva pessoal pela norma
impugnada pode conduzir, em diversos casos e ao arrepio do n.º 1 do disposto no
artigo 104° da Constituição, a situações de tributação regressiva do rendimento
das pessoas singulares na medida em que, quem tenha um nível de rendimento
menor pode vir a ser obrigado, em razão do seu estatuto de funcionário público,
a fazer um esforço contributivo sensivelmente maior do que quem tenha um nível
de rendimento superior, importando aferir se, nesses cenários de desigualdade,
o referido esforço contributivo é ou não excessivo, o que envolve a submissão
da mesma norma a um teste de proporcionalidade.
21º
Idêntico
teste, por uma aproximada ordem de razões, deve ser feito à norma do n.º 2 do
artigo 29° que opera uma redução no valor do subsídio de férias aos
trabalhadores do setor público, cuja remuneração de base mensal seja igual ou
superior a 600 euros e não exceda o valor de 1.100 euros.
Nestes
termos,
22º
Impõe-se
a suscitação do controlo da constitucionalidade das normas dos números 1 e 2 do
artigo 29° da Lei n° 66-B/2012 e, a título consequente, das restantes normas do
mesmo preceito legal, na medida em que subsistem dúvidas sobre se as referidas
normas observam "os limites da proibição do excesso em termos de igualdade
proporcional" (Acº n° 353/2012 do Tribunal Constitucional) extraídos da
conjugação das normas do artigo 13° e do n° 1 do artigo 104° da Constituição,
com a norma do n.º 2 do artigo 18°, da mesma Constituição.
II.
A tributação de reformados e pensionistas
23º
As
normas dos artigos 77° e 78° da Lei n.º 66-B/2012, relativas à tributação dos
reformados e pensionistas suscitam três ordens de dúvidas em matéria de
constitucionalidade que se passa seguidamente a referir.
A.
Da inobservância pela norma do artigo 77° do critério da "igualdade
proporcional" na tributação de reformados.
24º
Reza
o seguinte o artigo 77° da Lei em apreciação:
"Artigo 77.º
Suspensão
do pagamento do subsídio de férias ou equivalentes de aposentados e reformados
1-
Durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental,
é suspenso o pagamento de 90% do subsídio de férias ou quaisquer prestações
correspondentes ao 14.º mês, pagas pela CGA, IP., pelo Centro Nacional de
Pensões e, diretamente ou por intermédio de fundos de pensões, por quaisquer
entidades públicas, independentemente da respetiva natureza e grau de
independência ou autonomia, nomeadamente as suportadas por institutos públicos,
entidades reguladoras, de supervisão ou controlo, e empresas públicas, de
âmbito nacional, regional ou municipal, aos aposentados, reformados,
pré-aposentados ou equiparados cuja pensão mensal seja superior a e 1 100.
2-Para
efeitos do disposto no número anterior, considera-se a soma de todas as pensões
devidas a qualquer título percebidas por um mesmo titular e com a mesma
natureza, nomeadamente pensões de sobrevivência, subvenções e prestações
pecuniárias equivalentes que não estejam expressamente excluídas por disposição
legal, e pagas pela CGA, IP., pelo Centro Nacional de Pensões e, diretamente ou
por intermédio de fundos de pensões, por quaisquer entidades públicas,
independentemente da respetiva natureza e grau de independência ou autonomia,
nomeadamente as suportadas por institutos públicos, entidades reguladoras, de
supervisão ou controlo, e empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou
municipal.
3-
Para efeitos do disposto nos números anteriores, considera-se que têm a mesma
natureza, por um lado, as pensões, subvenções e prestações atribuídas por morte
e, por outro, todas as restantes, independentemente do ato, facto ou fundamento
subjacente à sua concessão.
4-
Os aposentados cuja pensão mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o
valor de € 1100 ficam sujeitos a uma redução no subsídio ou prestações
previstos no n.º 1, auferindo o montante calculado nos seguintes termos:
subsídio/prestações = 1188 - 0,98 x pensão mensal.
5-
Durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental,
o valor mensal das subvenções mensais vitalícias, depois de atualizado por
indexação às remunerações dos cargos políticos considerados no seu cálculo, é
reduzido na percentagem que resultar da aplicação dos números anteriores às
pensões de idêntico valor anual.
6-
O disposto no presente artigo aplica-se cumulativamente com a contribuição
extraordinária prevista no artigo seguinte.
7-
No caso das pensões ou subvenções pagas, diretamente ou por intermédio de
fundos de pensões, por quaisquer entidades públicas, independentemente da
respetiva natureza e grau de independência ou autonomia, nomeadamente as
suportadas por institutos públicos, entidades reguladoras, de supervisão ou
controlo, e empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, o
montante relativo ao subsídio cujo pagamento é suspenso nos termos dos números
anteriores deve ser entregue por aquelas entidades na CGA, IP., não sendo
objeto de qualquer desconto ou tributação.
8-
O disposto no presente artigo abrange todos os aposentados, reformados,
pré-aposentados ou equiparados que recebam as pensões e ou os subsídios de
férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14. º mês, pagos pelas
entidades referidas no n.º 1, independentemente da natureza pública ou privada
da entidade patronal ao serviço da qual efetuaram os respetivos descontos ou
contribuições ou de estes descontos ou contribuições resultarem de atividade
por conta própria, com exceção dos reformados e pensionistas abrangidos pelo
Decreto-Lei n.º 127/2011, de 31 de dezembro, alterado pela Lei n.º 20/2012, de
14 de maio, e das prestações indemnizatórias correspondentes atribuídas aos
militares com deficiência abrangidos, respetivamente, pelo Decreto-Lei n.º
43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 93/83, de 17 de fevereiro,
203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio, e 259/93,
de 22 de julho, e pelas Leis n.ºs 46/99, de 16 de junho, e 26/2009, de 18 de
junho, pelo Decreto-Lei n. ° 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos
Decretos-Leis n. ºs 146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e pelo
Decreto-Lei n. ° 250/99, de 7 de julho.
9-
O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional,
prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em
contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e
contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.
25º
A
argumentação expendida nos n.ºs 3 a 22 deste requerimento relativa à suspensão
do pagamento do subsídio de férias aos trabalhadores ativos do setor público é
extensível, com adaptações, à questão de suspensão do pagamento de 90% do
subsídio de férias, ou de quaisquer prestações correspondentes ao 14° mês, a
reformados e pensionistas, determinada pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 77° do
diploma em apreciação, acrescendo ainda a essa dúvida de constitucionalidade,
uma outra sobre a conformidade das mesmas normas com o princípio da proteção da
confiança.
26º
No
que concerne às pessoas cuja pensão seja superior a 1.100 euros, a suspensão de
90% do subsídio de férias prevista no n.º 1 do artigo 77° implica um tratamento
diferenciado em matéria de tributação de rendimento dos reformados e
pensionistas em relação aos demais cidadãos que não sejam trabalhadores ativos
do setor público, e que se traduz numa redução de 6,43% do rendimento anual dos
primeiros, a qual se associa numa pluralidade de casos, à eventual diminuição
de rendimento resultante da alteração dos escalões e das taxas do IRS.
Ora,
27º
Se,
de acordo com o n.º 1 do artigo 104° da Constituição, a capacidade contributiva
respeitante ao imposto sobre o rendimento pessoal é aferida por cada sujeito ou
agregado familiar em razão do seu rendimento e necessidades, e integrando a
suspensão do valor de 90% do subsídio de férias o conceito material de
tributação fiscal sobre o rendimento pessoal dos reformados, regista-se que
estes, sem fundamento material razoável, são discriminados negativamente em
termos de esforço tributário em face de outras categorias de cidadãos,
nomeadamente dos trabalhadores no ativo do setor privado.
28º
Se
no caso dos trabalhadores do setor público a desigualdade de tratamento
tributário em relação aos trabalhadores do setor privado pode ter, de acordo
com a jurisprudência constitucional, uma justificação dentro de certos limites,
centrada no critério do "recebimento por verbas públicas" por parte
dos primeiros, no caso dos reformados, cuja situação específica o Tribunal
Constitucional reconhece no Ac. n.º 353/2012, o referido critério justificante
não vale exatamente da mesma forma, já que as pensões recebidas de instâncias
públicas tiveram, como contrapartida, as contribuições que os mesmos e as
entidades empregadoras efetuaram para a segurança social durante a sua vida de trabalho.
29º
A
desconsideração do princípio da capacidade contributiva pelos preceitos
sindicados (articulados com outras disposições de agravamento fiscal constantes
do diploma), na medida em que não toma em conta os rendimentos e necessidades
do agregado familiar, é suscetível de gerar situações de tributação regressiva
do rendimento de reformados em termos pelo menos idênticos em relação à
situação problemática referida no n.º 20 deste requerimento, importando
aferir-se:
a)
Existe fundamento para essa situação de desigualdade em que o reformado
pensionista é sujeito a um esforço contributivo específico em razão da sua
condição;
b)
Se esse esforço viola, ou não, o princípio da proibição do excesso.
30º
Cumpre,
assim:
a)
Por identidade de razão com o questionamento da constitucionalidade do artigo
29°, promover a fiscalização da constitucionalidade da norma contida no número
1, e, a título consequencial, das restantes normas do artigo 77° da Lei em
exame, na medida em que as mesmas inobservem "os limites da proibição do
excesso em termos de igualdade proporcional" extraídos da conjugação das
normas do artigo 13° e do n.º 1 do artigo 104°, com a norma do n.º 2 do artigo
18° da Constituição da República;
b)Por
força da aplicação, com adaptações, da argumentação constante dos números 46° a
53° deste requerimento, suscitar o controlo da conformidade das normas
referidas na alínea anterior com o princípio da proteção da confiança, previsto
no artigo 2° da Constituição.
B.
Da suscetibilidade de violação do princípio da igualdade pelas normas contidas
no artigo 78°, por força de criação de um "imposto de classe"
destinado a tributar agravadamente pensionistas e sujeitos a eles equiparados
31°
O
artigo 78° da Lei n.º 66-B/2012 dispõe o seguinte:
“Artigo 78.º
Contribuição extraordinária de solidariedade
1-
As pensões pagas a um único titular são sujeitas a uma contribuição
extraordinária de solidariedade (CES), nos seguintes termos:
a)
3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre € 1 350 e € 1 800;
b)
3,5% sobre o valor de €1 800 e 16% sobre o remanescente das pensões de valor
mensal entre €1 800,01 e €3 750, perfazendo uma taxa global que varia entre
3,5% e 10%;
c)
10% sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a 3 750.
2 -
Quando as pensões tiverem valor superior a €3 750 são aplicadas, em acumulação
com a referida na alínea c) do número anterior, as seguintes percentagens:
a)
15% sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS mas que não ultrapasse
18 vezes aquele valor;
b)
40% sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS.
3 -
O disposto nos números anteriores abrange, além das pensões, todas as
prestações pecuniárias vitalícias devidas a qualquer título a aposentados,
reformados, pré-aposentados ou equiparados que não estejam expressamente
excluídas por disposição legal, incluindo as atribuídas no âmbito do sistema
complementar, designadamente no regime público de capitalização e nos regimes
complementares de iniciativa coletiva, independentemente:
a)
Da designação das mesmas, nomeadamente pensões, subvenções, subsídios, rendas,
seguros, indemnizações por cessação de atividade, prestações atribuídas no
âmbito de fundos coletivos de reforma ou outras, e da forma que revistam
designadamente, pensões de reforma de regimes profissionais complementares;
b)
Da natureza pública, privada, cooperativa ou outra, e do grau de independência
ou autonomia da entidade processadora, nomeadamente as suportadas por
institutos públicos, entidades reguladoras, de supervisão ou controlo, empresas
públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, caixas de previdência de
ordens profissionais e por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo,
designadamente:
i)
Centro Nacional de Pensões (CNP), no quadro do regime geral de segurança
social;
ii)
Caixa Geral de Aposentações (CGA), com exceção das pensões e subvenções
automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no
ativo, que ficam sujeitas às medidas previstas na presente lei para essas
remunerações;
iii)
Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS);
iv)
Instituições de crédito, através dos respetivos fundos de pensões, por força do
regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho vigente no setor bancário;
v)
Companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de pensões.
c)
Da natureza pública, privada ou outra, da entidade patronal ao serviço da qual
efetuaram os respetivos descontos ou contribuições ou de estes descontos ou
contribuições resultarem de atividade por conta própria, bem como de serem
obrigatórios ou facultativos;
d)
Do tipo de regime, legal, convencional ou contratual subjacente à sua
atribuição, e da proteção conferida, de base ou complementar.
4-
O disposto nos números anteriores não é aplicável à componente de reembolso de
capital, exclusivamente na parte relativa às contribuições do beneficiário, das
prestações pecuniárias vitalícias devidas por companhias de seguros.
5-
Para efeitos de aplicação do disposto nos n.ºs 1 a 3, considera-se a soma de
todas as prestações da mesma natureza e percebidas pelo mesmo titular,
considerando-se que têm a mesma natureza, por um lado, as prestações atribuídas
por morte e, por outro, todas as restantes, independentemente do ato, facto ou
fundamento subjacente à sua concessão.
6-
Nos casos em que, da aplicação do disposto no presente artigo, resulte uma
prestação mensal total ilíquida inferior a €1 350 o valor da contribuição
devida é apenas o necessário para assegurar a perceção do referido valor.
7-
Na determinação da taxa da CES, o 14. ° mês ou equivalente e o subsídio de
Natal são considerados mensalidades autónomas.
8-
A CES reverte a favor do IGFSS, IP., no caso das pensões atribuídas pelo
sistema de segurança social e pela Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores, e a favor da CGA, IP., nas restantes situações, competindo às
entidades processadoras proceder à dedução da contribuição e entregá-la à CGA,
IP., até ao dia 15 do mês seguinte àquele em que sejam devidas as prestações em
causa.
9-
Todas as entidades abrangidas pelo n.° 3 são obrigadas a comunicar à CGA, IP.,
até ao dia 20 de cada mês, os montantes abonados por beneficiário nesse mês,
independentemente de os mesmos atingirem ou não, isoladamente, o valor mínimo
de incidência da CES.
10-
O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior
constitui o responsável máximo da entidade, pessoal e solidariamente
responsável, juntamente com o beneficiário, pela entrega à CGA e ao CNP da CES
que estas instituições deixem de receber e pelo reembolso às entidades
processadoras de prestações sujeitas a incidência daquela contribuição das
importâncias por estas indevidamente abonadas em consequência daquela omissão.
11-
O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre
quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, de base legal, convencional
ou contratual, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de
trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos
mesmos, com exceção das prestações indemnizatórias correspondentes, atribuídas
aos deficientes militares abrangidos, respetivamente pelo Decreto-Lei n.º
43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 93/83, de 17 de
fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de
maio, e 259/93, de 22 de julho, pelas Leis n.ºs 46/99, de 16 de junho, e
26/2009, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.° 314/90, de 13 de outubro, na
redação dada pelo Decreto-Lei n.° 248/98, de 11 de agosto, e 250/99, de 7 de
julho.”
32º
Em
síntese:
a)
As normas contidas nas alíneas do número 1 do artigo 78° do diploma que é
objeto do presente pedido preveem que as pensões de valor mensal situado entre
1.350 e 3.750 euros fiquem sujeitas a uma contribuição extraordinária de
solidariedade, fixada entre taxas de 3,5% e de 10%;
b)
As normas constantes das alíneas do n.º 2 do preceito legal referido na alínea
anterior estipulam que, em acumulação com a taxa de 10% acabada de referir, o
montante das pensões que exceda 12 vezes o valor do IAS e que não ultrapasse 18
vezes aquele valor fique sujeito a uma taxa de 15%, enquanto o montante das
pensões que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS seja tributado com uma taxa de
40%.
33º
A
contribuição extraordinária de solidariedade assume a natureza de um imposto
sobre rendimento pessoal que resulta ser distinto do IRS, na medida em que:
a) Atinge
apenas uma "classe" ou categoria de pessoas, os reformados e
pensionistas, pré-aposentados e equiparados e não a universalidade dos
cidadãos;
b)
Aparenta apresentar características não apenas de imposto sobre o rendimento
pessoal, mas também de imposto sobre o património mobiliário;
c)
Incide sobre rendimentos brutos, enquanto o IRS incide sobre rendimentos
líquidos após se proceder às deduções específicas previstas no artigo 53° do
CIRS;
d)
A progressividade da contribuição extraordinária de solidariedade é distinta da
progressividade dos escalões do IRS;
e)
Apresenta-se como um imposto real que não toma em conta as necessidades e os
rendimentos do agregado familiar, enquanto no IRS os rendimentos de pensões são
englobados e sobre eles são feitas deduções à coleta, que espelham a
pessoalidade do imposto.
34º
Em
razão destes atributos específicos, a taxa de solidariedade determinada pelas
normas constantes dos números 1 e 2 do artigo 78° reflete uma fragmentação da
tributação do rendimento das pessoas singulares com agravamentos fiscais
seletivos em razão de critérios de classe, o que colide com a exigência
constitucional de unidade de tributação do rendimento das pessoas singulares,
prevista no n.º 1 artigo 104° da Constituição.
35º
Paralelamente,
a contribuição extraordinária de solidariedade que impende sobre os reformados
e pensionistas envolve um esforço fiscal muito intenso e desproporcionado para
os sujeitos passivos aos quais se aplica, do que resultam situações
objetivamente discriminatórias e excessivas como a que resulta do seguinte
exemplo:
a)
Conjugando a Contribuição Extraordinária de Solidariedade com a nova tabela do
IRS, com a taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 186° e com a
sobretaxa prevista no artigo 187°, verifica-se que um reformado que aufira uma
pensão com o valor mensal de 1.350 euros fica sujeito à taxa marginal de
tributação de 34, a qual se eleva com o valor da pensão, atingindo 77% para um
montante de 18 vezes o valor do IAS;
b)
Em contraposição com a situação acabada de descrever, para um contribuinte não
pensionista, com idêntico rendimento, as taxas marginais de tributação são de
32% e 54%, respetivamente, devendo, em comparação com os trabalhadores ativos
do setor privado, acrescer, ainda, a diferenciação que resulta da suspensão do
pagamento de 90% do subsídio de férias a reformados e pensionistas.
Do
exposto, parece evidente que,
36º
A
medida fiscal prevista no artigo 78° ao incidir, como se antecipou, sobre uma categoria
específica de cidadãos, reforça a desigualdade na repartição do esforço fiscal,
já que não assenta no critério da capacidade contributiva, constituindo uma
medida com características potencialmente arbitrárias e discriminatórias que
penaliza uma classe ou categoria social determinada, em violação do artigo 13°
da Constituição.
37º
De
acordo com a norma do n.º 1 do artigo 104° da Constituição, os cidadãos são
tributados no seu rendimento pessoal através de um imposto único e progressivo
que deve ter “em conta” “as necessidades e os rendimentos do agregado
familiar”, o que exclui a possibilidade de uma tributação assente em critérios
subjetivos, como o das categorias sociais ou funcionais em que o sujeito
passivo se insere.
Por
conseguinte,
38º
Na
medida em que o imposto sobre o rendimento pessoal não está concebido na ordem
jurídica portuguesa como um "imposto de classe", assente na divisão
dos cidadãos em diferentes categorias sociais e profissionais, ocupações e
modos de vida, parece resultar que:
a)
Por imposição constitucional, o legislador não pode modelar o imposto sobre o
rendimento das pessoas singulares desconsiderando o critério da capacidade
contributiva e substituindo-o por outro, à margem da legitimação
constitucional;
b) A
tributação sobre o rendimento pessoal dificilmente poderá ter outras razões de
agravamento que não as decorrentes dos critérios objetivos do princípio da
capacidade contributiva, não parecendo admissível, à luz da teleologia que
inere à listagem exemplificativa constante da norma do n.º 2 do artigo 13° da Constituição, a
criação de benefícios ou discriminações tributárias fixadas em razão da origem,
condição social ou, acrescenta-se aqui, da condição ou estatuto de atividade ou
de inatividade laboral dos cidadãos.
Nestes
termos,
39º
A
contribuição extraordinária de solidariedade, na medida em que predica,
progressivamente, valores elevados e crescentemente desproporcionados na
discriminação tributária negativa do rendimento dos pensionistas em face dos
trabalhadores no ativo, carece de fundamento constitucional e de cabal
justificação em termos de razoabilidade e de lógica redistributiva.
É
que, quanto a esse défice justificativo, cumpre assinalar que
40º
Os
reformados e pensionistas, quando comparados com os trabalhadores ativos,
encontram-se numa situação de maior carência e vulnerabilidade material já que:
não podem progredir em nenhuma carreira e aumentar o seu rendimento, não podem
em muitos casos acumular a pensão com rendimentos de trabalho e são objeto de
um aumento crescente com encargos no domínio da saúde, pelo que, a ser
admissível um critério de discriminação positiva, o mesmo poderia em tese
operar justificadamente em favor dos pensionistas, mas já não em favor dos
trabalhadores ativos em face dos primeiros.
41º
É
certo que a situação de emergência financeira a que o Estado português se
encontra sujeito obriga à convocação de uma ponderação proporcional de bens,
podendo essa exigência de proporcionalidade justificar a compressão de determinados
direitos de natureza remuneratória, em nome de interesses públicos de alto
relevo jurídico-constitucional.
Contudo,
42º
Um
qualquer "estado de necessidade" financeiro ou fiscal não parece
autorizar:
a)
A criação de “impostos de classe” portadores de um esforço fiscal
desigualitário e excessivo em face das demais categorias de cidadãos e, mesmo
que por hipótese fosse tida como admissível semelhante opção, importaria então,
por razões lógicas, que o legislador estabelecesse a identificação das classes
e categorias especificamente a onerar atendendo, a título prévio, quer a
critérios de capacidade económica, quer a critérios de justiça material, o que
manifestamente não sucedeu no caso “sub iuditto”;
b)
Que as pensões de nível médio ou superior, por se reportarem a uma minoria
(embora expressiva) de pensionistas, possam ser submetidas a um agravamento
tributário profundamente desigual e até exorbitante, já que os direitos
fundamentais, com relevo para os direitos, liberdades e garantias, valem
universalmente para todos os cidadãos nos termos do n.º 1 do art.º 12° da
Constituição e são, tal como sustenta Dworkin, "trunfos" contra as
maiorias passíveis de legítima invocação em juízo, em benefício de setores
minoritários da sociedade.
43º
Não
se diga, por outro lado, que o propósito da contribuição seria o de aproximar
os reformados e pensionistas do regime aplicável aos funcionários ativos,
designadamente no que respeita a contribuições obrigatórias para a segurança
social, carecendo em absoluto semelhante tipo de fundamento de sustentação
lógica e jurídica, na medida em que:
a)
A carreira contributiva de reformados e pensionistas, em vista de um direito em
formação, já se concluiu, tendo aquele direito sido constituído, de forma
plena, na respetiva esfera jurídica;
b)
Enfermaria de um vício lógico, a pretensão de pensionistas e reformados virem a
contribuir para um sistema previdencial sobre os benefícios que auferem desse
mesmo sistema, pelo fato de se terem já tomado - por direito próprio -
beneficiários do mesmo sistema;
c)
Uma contribuição que tivesse por objetivo compensar um eventual desfasamento
entre a pensão auferida e as contribuições do trabalhador e do empregador efetuadas
no passado teria sempre de respeitar, em virtude dos princípios da igualdade e
da proporcionalidade, o histórico contributivo de cada beneficiário e não a
pensão presentemente recebida;
d)
Essa contribuição, por se referir a rendimentos passados que produziram todos
os seus efeitos contributivos, seria sempre inconstitucional, por violação da
proibição da retroatividade da lei fiscal agravadora, nos termos do n.º 3 do
artigo 103º da Constituição.
44º
Estima-se,
em conclusão, que as normas contidas nos números 1 e 2 do artigo 78º, e a
título consequente, as restantes normas do mesmo artigo, enfermam de
inconstitucionalidade, radicada nos seguintes fundamentos:
a)
A contribuição extraordinária de solidariedade criada pelas mencionadas normas
pode, atentas as suas características fiscais autónomas ou próprias, ser
definida como um imposto diverso do IRS, pelo que ao refletir uma fragmentação
da tributação do rendimento das pessoas singulares, com agravamentos fiscais
ditados para certas categorias de cidadãos, viola o princípio da unidade do
imposto sobre o rendimento pessoal, previsto no n.º 1 artigo 104º da
Constituição;
b)
A mesma contribuição, na medida em que tributa, em acumulação com os
agravamentos parafiscais previstos no artigo 77º e com os agravamentos
orçamentais em sede de IRS, uma categoria específica de pessoas em razão de
critérios ligados à sua condição ou estatuto de inatividade laboral e não do
critério constitucional da capacidade contributiva, descrimina negativamente,
de forma desproporcionada e sem justificação constitucional, os pensionistas,
em relação aos trabalhadores no ativo, do que resulta a violação dos princípios
da igualdade e da proporcionalidade, garantidos pelas disposições normativas do
n.º 1 do artigo 104° da Constituição conjugadas com as normas do artigo 13° e
com as do n.º 2 do artigo 18° da mesma Constituição.
C.
A desconformidade das normas sindicadas com os princípios da proteção de
confiança, da proporcionalidade e da garantia de direitos patrimoniais associados
à propriedade privada na afetação desfavorável do rendimento de pensionistas e
aposentados
45º
O
Tribunal Constitucional reconhecera já no Ac. n° 353/2012 que a “situação específica
dos reformados e aposentados se diferencia da dos trabalhadores da
Administração Pública no ativo, sendo possível quanto aos primeiros convocar
diferentes ordens de considerações no plano da constitucionalidade”.
46º
A
par da discriminação factual de que os reformados foram objeto em termos de
esforço fiscal em relação a trabalhadores ativos por força das leis do
Orçamento de Estado para 2012 e 2013, a especificidade do seu estatuto jurídico
pode ancorar-se nas seguintes premissas:
a)
A ordem jurídica portuguesa reconhece a existência de uma relação sinalagmática
entre o sistema previdenciário e os contribuintes da segurança social, no marco
da qual os pensionistas fizeram um investimento de confiança e que garante que
todo o tempo de trabalho releve para o cálculo das pensões;
b)
Essa relação permite distinguir a diferente natureza das taxas pagas pelos
trabalhadores no ativo à segurança social, através de descontos no seu
vencimento, relativamente aos impostos que, no quadro de uma relação unilateral,
são pelo mesmo trabalhador pagos ao Estado;
c)
A mesma ordem jurídica, embora aceite a redutibilidade (por via tributária ou
inclusivamente por força de outros atos como a penhora) das pensões que por
virtude dessa relação sinalagmática são devidas aos reformados e aposentados,
não deixa de reconhecer um domínio de intangibilidade a essas prestações (cujo
valor é variável em função do rendimento) e que se encontra salvaguardado por
força da aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana
e da garantia do núcleo de direitos patrimoniais conexos com o direito de
propriedade privada.
i)
Da inobservância do princípio da proteção de confiança
No
que concerne à primeira questão, a norma do n° 4 do artigo 63° da Constituição
estabelece que "todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei,
para o cálculo das pensões de velhice e invalidez independentemente do setor de
atividade em que tiver sido prestado ", não assumindo este princípio
normativo o caráter de uma norma programática, mas uma natureza precetiva na
medida em que é qualificado pela doutrina de referência como um direito social
de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (-), sendo
inconstitucional toda a lei que desconsidere no cálculo das pensões parcelas do
tempo de trabalho ou que opere, nestas últimas, reduções arbitrárias que
equivalham a essa desconsideração.
48º
O
princípio acabado de expor deve ser conjugado com a relação sinalagmática
estabelecida entre o sistema previdenciário e os contribuintes da segurança
social e que é reconhecida no artigo 54º da Lei de Bases da Segurança Social
(-), sendo nessa relação direta "entre a obrigação de contribuir e os
direitos a prestações" que se funda o investimento de confiança dos
cidadãos, assente no postulado de que as suas contribuições para a segurança
social durante todo o tempo de trabalho se traduzirão no valor de uma pensão,
calculada de acordo com a lei aplicável no momento da aposentação, valor que
não poderá ser abrupta e drasticamente reduzido pelo Estado.
49º
O
princípio ínsito no n.º 4 do artigo 63° da Constituição deve ainda ser
conjugado com a proteção devida a direitos adquiridos dos pensionistas,
expressamente reconhecida pelo artigo 66º e pelo artigo 100º da referida Lei de
Bases da Segurança Social, determinando este último preceito que "o
desenvolvimento e a regulamentação da presente lei não prejudicam os direitos
adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior,
nem os quantitativos de pensões que resultem de remunerações registadas na
vigência daquela legislação ".
Ora,
50º
As
normas do artigo 78° da Lei impugnada afrontam o princípio da proteção da
confiança (deduzido do artigo 2° da Constituição), na medida em que a aplicação
das taxas nele previstas, quando acumuladas com as medidas parafiscais
previstas no artigo 77° do mesmo diploma e com o aumento da tributação referido
no n° 35° deste requerimento, frustram de forma súbita, em muitos casos
exorbitante e carente de fundamento constitucional, as legítimas expectativas
dos pensionistas em auferirem uma pensão cujo valor efetivo, depois de sujeito
a tributação, se não afaste excessivamente do valor esperado e calculado nos
termos da lei aplicável no momento da aposentação, atentas as contribuições
efetuadas e a salvaguarda do seus direitos adquiridos.
51º
Cumpre,
a este propósito, enfatizar com muita clareza que, no tocante a pensionistas e
reformados se está, efetivamente, perante autênticos direitos adquiridos tal
como se encontram definidos nos termos dos artigos 66º e 100º da Lei de Bases
da Segurança Social, e não apenas perante direitos em formação.
52º
A
lesão ao princípio da proteção da confiança ainda se pode tomar mais evidente
em dois tipos de situações que se passa seguidamente a mencionar.
53º
As
medidas previstas nos n.ºs 1 e 2 artigo 78º ao incidirem, de acordo com o n.º 3
deste artigo, sobre certificados de reforma da segurança social e outras
prestações pecuniárias que operem como pensões complementares e cuja subscrição
voluntária pelos cidadãos tenha sido incentivada pelo Estado, vulneram o
investimento de confiança que estes fizeram na sua subscrição, por força da
desproporcionada e desnecessária tributação que comportam, já que os mesmos
cidadãos, ao abdicarem de outro tipo de poupanças, descontaram valores da sua
retribuição para obterem um complemento de reforma que passa a ficar
severamente comprometido através de um esforço fiscal equiparado ao das
pensões.
Por
outro lado,
54º
A
redação do n.º 4 do artigo 78°, quando conjugada com o disposto no n.º 3,
revela a incidência deste imposto sobre os juros de aplicações puramente
privadas bem como sobre o respetivo capital quando não resultem,
exclusivamente, de contribuições do beneficiário, o que se mostra desconforme
com o princípio da proteção da confiança e com a proteção constitucional da
propriedade, tal como consagrada no artigo 62º da Constituição já que:
a)
A realização daquelas aplicações foi incentivada pelo legislador,
designadamente através da concessão de benefícios fiscais, pelo que a alteração
legislativa agora operada assume uma natureza gravosa e contraditória com as
expectativas criadas pelo mesmo legislador;
b)
Ao incidir de forma muito significativa sobre o capital, o imposto é confiscatório
e expropriativo, na medida em que representa uma descapitalização notória,
arbitrária e desigual de aplicações financeiras realizadas por reformados, até
em comparação com aplicações de outra natureza.
ii)
Da afetação desproporcionada do direito a uma sobrevivência com um mínimo de
qualidade
55º
Tal
como foi antecipado no n.º 46 deste requerimento, existem no ordenamento
português disposições legais que admitem a redutibilidade das pensões, mormente
em caso de penhora, o que significa que, independentemente dos descontos
feitos, o sistema admite a ablação parcial do seu valor quando esteja em causa
a prevalência de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos,
embora essas reduções se encontrem sujeitas à observância de uma parcela
intangível.
56º
A
título de exemplo, a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 824° do Código de
Processo Civil veda a penhora de dois terços das pensões de aposentação,
regalia social, seguro, renda vitalícia ou qualquer pensão dessa natureza.
57º
O
Tribunal Constitucional sobre esta matéria tem entendido que o direito do
credor em realizar o seu crédito fundamenta-se no direito de propriedade o qual
pode colidir com o direito do pensionista a receber uma pensão que lhe garanta
"uma sobrevivência condigna" (artigos 1° e 63° na Constituição), pelo
que o sacrifício do direito do credor em não satisfazer o seu crédito na
totalidade à custa do valor das pensões do devedor "será
constitucionalmente legítimo se for necessário e adequado à salvaguarda do
direito fundamental do devedor a uma sobrevivência com um mínimo de
qualidade" impondo-se que o legislador adote "um critério de
proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito" (Ac. n.º
349/91).
58º
Limites
de natureza análoga ditados por exigências de proporcionalidade na redução do
valor das pensões por via tributária, tendo em vista a salvaguarda de uma
existência condigna dos pensionistas, devem igualmente impor-se no esforço
fiscal que recai sobre os reformados e pensionistas.
59º
Sucede
que a carga de esforço crescentemente desproporcionada que impende sobre as
pensões, e que é claramente exemplificada na alínea a) do n.º 35º deste
requerimento pode ter comprimido, para além do admissível, nas pensões a partir
de 1350 euros, dimensões constitucionalmente protegidas pelo artigo 1º em
conjugação com as normas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63° da Constituição, atento o
facto dessas normas, ignorando o princípio da capacidade contributiva, terem a
potencialidade de afetar as condições de "sobrevivência com um mínimo de
qualidade" de muitos pensionistas e respetivos agregados.
iii)
Diminuição do núcleo essencial de direitos patrimoniais conexos com o direito
de propriedade privada
60º
A
carga de esforço tributário que é potenciada em termos excessivos pelo disposto
no artigo 78º do diploma ora sindicado pode, igualmente, pôr em causa direitos
patrimoniais conexos com o direito de propriedade privada, ou se se quiser, da
propriedade societário-pensionista que se reconduz à norma do n.º 1 do artigo
620 da Constituição e que beneficia, com adaptações, do regime garantístico dos
direitos, liberdades e garantias contido no artigo 18° da mesma Constituição.
61º
Existem,
na verdade, tal como se demonstra no n.º 35 deste requerimento, cargas de
esforço fiscal relativas a uma pluralidade de níveis de rendimento que, por
efeito da aplicação da contribuição extraordinária de solidariedade, podem
revestir, pela sua desnecessidade, desproporção quantitativa e falta de fundamento
num critério constitucional aceitável como o da capacidade contributiva, um
caráter expropriatório ou confiscatório que atinge o núcleo essencial de
direitos patrimoniais conexos ao direito de propriedade privada, impedindo
nomeadamente que os rendimentos líquidos dos pensionistas lhes proporcionem uma
existência condigna e com um mínimo de qualidade.
62º
Em
conclusão, cumpre também suscitar o controlo da constitucionalidade das normas
dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78° do diploma em apreciação, com fundamento na
eventual violação do núcleo essencial de direitos patrimoniais de propriedade,
garantidos pelo n.º 1 do artigo 62° da Constituição e de acordo com o disposto
no n.º 2 do artigo 18° da Constituição.”
2. Pedido formulado no processo n.º 5/2013
No
âmbito do processo n.º 5/2013, foi pedida, por um Grupo de Deputados (do PS) à
Assembleia da República, a apreciação e declaração, com força obrigatória
geral, da inconstitucionalidade:
a) Das
normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.° da LOE 2013, com fundamento na
violação dos princípios da proteção da confiança, decorrente do princípio do
Estado de Direito contemplado no artigo 2.º da CRP, da igualdade perante a
repartição dos encargos públicos, coberto pelo artigo 13.º, n.º 1, da CRP, da
proporcionalidade, decorrente, designadamente, do princípio da dignidade da
pessoa humana, tutelado pelo artigo 1.º da CRP e do princípio do Estado de
Direito, bem como os artigos 62.º, 63.º, 105.º e 106.º, n.º1, todos da CRP;
b)
Da norma constante do artigo 78º da mesma lei, por violação do artigo 104.º da
CRP, dos princípios da proteção da confiança, da igualdade perante os encargos
públicos e ainda dos artigos 62.º e 63.º da CRP, e por violação do princípio da
igualdade (artigoº 13.º da CRP) na medida em que se pretenda impôr um adicional
de sacrífico assumidamente equivalente entre funcionários e pensionistas,
ex-funcionários e não, o que consiste em tratar de modo idêntico destinatários
em situação diferente.
c)
Das normas constantes do artigo 29.° da mesma lei, por violação dos princípios
da proteção da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito
contemplado no artigo 2.º da CRP, da igualdade face à repartição dos encargos
públicos, coberto pelo artigo 13.º, n.º 1, da CRP, bem como da
proporcionalidade, nos seus segmentos da adequação e necessidade, em termos
equivalentes aos aduzidos a propósito das normas do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2,
para além dos artigos 106.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, a), ambos da CRP.
É a seguinte a fundamentação do pedido:
“Inconstitucionalidade
das normas do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LOE 2013.
Alcance
1.
As normas supra citadas impõem aos pensionistas - que tinham visto amputado
pela LOE 2012 o valor anual das suas reformas, a título de “suspensão de
pagamentos de subsídios, até mais de 14,2% - um novo programa plurianual de
amputações, indo até mais de 6,4% em cada ano, que pretende aplicar-se, como o
anterior se propunha, durante a vigência do PAEF”. Como nas normas orçamentais
que as precederam, a amputação inicia-se a partir da pensão mensal de 600
euros, e atinge o nível máximo a partir da pensão mensal de 1100 euros.
2.
Com o programa agora reformulado, alcançar-se-á em três anos (2012, 2013, 2014)
uma ablação efetiva, só a este título de suspensão de pagamento de subsídios,
de até mais de um quarto do valor anual das suas pensões (27%), em termos
nominais.
3.
Esta medida entra em vigor fazendo corpo com outra (artigo 77.º, n.º 6) que,
adicionalmente, retira aos pensionistas 3,5% a 10% do montante anual das
pensões na faixa situada entre as pensões de 1350 e de 3750 euros mensais,
aplicando-se, a partir desse montante, ablações mais severas (v. art.º77.º da
LOE 2013). Tal significa, em dois exercícios orçamentais, uma desapropriação
cumulativa de mais 7 a 20%, que eleva, na prática, o valor acima indicado de
27% para 34%, no caso de uma pensão de 1350 euros (e para 47%, no caso de uma
pensão de 3750 euros, para não argumentar com os impactos mais drásticos sobre
as pensões a partir daí).
4.
Em relação a um pensionista com um valor de pensão como o indicado (1350 euros)
-e a partir daí com expressão bem mais elevada-, só o programa cumulativo (v.
art.º 77.º, n.º 6, da LOE 2013), que se poderia denominar “suspensão/redução de
subsídios mais contribuição extraordinária (pressupondo que esta cumulação
ablativa pretende aplicar-se, no mínimo, neste e no próximo ano orçamental),
completaria, no período em referência, a ablação de mais de um terço do
montante anual, nominal, da pensão - em adição à punção fiscal.
5.
Acresce que as duas medidas vêm a luz num quadro caracterizado por um drástico
agravamento fiscal, decorrente da redução do número de escalões e da aplicação
de uma sobretaxa de 3,5% no âmbito do IRS - um quadro que é, por igual,
aplicado aos pensionistas. Prescindindo de entrar em linha de conta com todo o
edifício do IRS e do efeito que lhe é acrescentado pela redução de escalões e
outras alterações, e considerando apenas o efeito, isolado, da “sobretaxa”, a
percentagem do montante anual da pensão perdida, no período em causa, passaria,
num dos casos indicados, para 41%, e no outro para 54 %, sempre em termos
nominais (e sem argumentar com o caso das pensões de valor superior a 4250
euros).
6.
No ordenamento orçamental instituído para 2013, nenhuma norma prevê qualquer
efeito compensatório específico para o facto dos destinatários de normas
orçamentais plurianuais que se sucederam transitarem da alçada do artigo 27.º
da LOE 2112 - que só por ter sido declarado inconstitucional deu espaço, doutro
modo inexistente, para a solução aqui em causa - para a do artigo 75.º da LOE
2013 já amputados, por via de desapropriação ilegítima (suspensão de pagamento
de subsídios), de 7,1 % a 14,2% do valor anual da pensão.
Normas
e princípios constitucionais violados
7.
São violados os princípios da proteção da confiança, decorrente do princípio do
Estado de Direito contemplado no artigo 2.º da Constituição, da igualdade
perante a repartição dos encargos públicos, coberto pelo artigo 13.º, n.º 1, da
Constituição, da proporcionalidade, decorrente, designadamente, do princípio da
dignidade da pessoa humana, tutelado pelo artigo 1.º da Constituição e do
princípio do Estado de Direito, bem como os artigos 62.º e 63.º da Constituição
e ainda o artigo 105.º da Constituição
8.
Amputar, com os efeitos referidos, pensões alcançadas com base em vidas de
trabalho e de carreiras contributivas nos termos fixados pela lei, esforço dos
próprios e, com essa estrita finalidade, de terceiros - quando a própria lei
reconhece como relação sinalagmática direta a relação entre contribuição e
prestação (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da
Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009,de 16 de setembro, art.º 112,
n.º 3) - é ferir gravemente a confiança no Estado de Direito. 0s cidadãos têm
direito a esperar que o Estado honre os seus compromissos, em especial quando
já cumpriram os seus. A comunidade deixa de ter razões para confiar no Estado e
na lei, se estes não sustentam a sua promessa perante os mais velhos - em
particular quando estes já satisfizeram, em tempo oportuno, tudo o que lhes era
pedido em contrapartida pela lei.
9.
Fazer isso em relação a pessoas que, para além de terem cumprido a sua parte,
já não podem alterar os seus planos de vida face ao incumprimento público, é
uma ofensa qualificada ao princípio da proteção da confiança, praticada sobre
expectativas que são, entre todas, merecedoras de uma proteção reforçada.
10.
Quer quanto aos pensionistas que nunca foram servidores públicos, quer quanto
aos que o foram, a muito significativa diferença de tratamento que é instituída
em seu desfavor, no contexto orçamental em que ocorre, não só se afasta de
qualquer justificação atendível (o critério da eficácia resultante da
facilidade na execução não pode ser invocado em anos consecutivos - no que
aliás se desautoriza a si próprio) como, utilizando o critério introduzido pelo
TC, e para mais constando de novo de normas orçamentais plurianuais, exorbita
de qualquer tolerável limiar de sacrifício.
11.
Se se atentar que a posição dos pensionistas, comparada com as demais posições
de proveniência de receita/redução de despesa, carrega aos ombros o peso das
medidas, declaradas inconstitucionais, já suportadas, encontrando-se assim em
desigual ponto de partida criado ilegitimamente pelo legislador, ressalta o
caráter desproporcionado e excessivo da diferenciação reformulada. E não é
admissível que um décimo de um catorze avos do valor anual da pensão (0,07%)
compense neste plano qualquer diferença, ou seja expressão séria de uma
consideração da situação específica dos pensionistas (como no Relatório se faz
crer).
12.
As medidas legislativas até aqui analisadas ofendem o princípio da
proporcionalidade em pelo menos dois dos seus segmentos, adequação e
necessidade.
13.
Essas medidas não são adequadas para atingir ou fomentar o fim que visam, isto
é o fim (imediato) da consolidação orçamental. Mesmo que o Tribunal deva
atender à perspetiva ex ante do legislador, baseando o seu juízo na apreciação
dos factos, nos conhecimentos técnicos e de ciência - particularmente da
ciência económica - e nas prognoses que o legislador poderia e deveria fazer
tendo em conta a experiência, é evidente que as medidas que agora se repetem não
permitem atingir nem fomentar o fim visado, antes se mostram até
contraproducentes.
14.
O legislador devia ter tido em conta a experiência de 2011 e 2012 e os
ensinamentos da ciência económica no momento da produção das normas referidas,
não podendo deixar de concluir pela sua inadequação, como não pode agora o
Tribunal, fazendo o juízo que o legislador deveria ter evidentemente feito,
deixar de concluir pela inadequação e consequente violação do princípio da
proporcionalidade.
15.
Do mesmo modo, e tal como no ano transato, as medidas analisadas não se
afiguram as menos drásticas, ou as menos restritivas, dentro de um espetro
alargado de alternativas, antes se configurando como as mais fáceis e as que
menos esforços envolvem da parte do Estado. Os repetidos anúncios por parte do
Governo de que é possível reduzir a despesa do Estado em vários milhares de
milhões de euros dá força a esta convicção de que as medidas em causa são
inconstitucionais por violação do segmento da necessidade do princípio da proporcionalidade.
16.
Como o evidenciam anteriores abordagens desenvolvidas no TC, a imposição de
diferenciação de tratamento como esta não poderia ser objeto de “medida
plurianual”— por um lado por ser a ultra atividade incompatível com a
Constituição, por outro por a necessidade e justificação da medida não poderem
verificar-se senão em relação ao horizonte de um orçamento (artigo 106.º n.º 1
da Constituição).
17.
As pensões, de específico valor, atribuídas a pessoas, em resultado de contribuições,
próprias e alheias, e em concretização, já subjetivada, do direito
constitucional à segurança social, prevista no artigo 63.º da Constituição,
devem ser havidas como bens privados, isto é, propriedade para os efeitos da proteção
constante do artigo 62.º da Constituição, nomeadamente do seu n.º 2. Não seria
compreensível que na ordem constitucional portuguesa o direito a uma pensão,
fixado em certo valor nos termos da lei e atribuído a uma pessoa, com os
pressupostos dela constantes, tivesse uma proteção inferior à propriedade (no
sentido constitucional) e a sua sustentação, nessa esfera, ficasse apenas
entregue aos cuidados do princípio da proteção da confiança. Quando se amputa
uma pensão de velhice, seja em que contexto for, não é só de confiança - mas de
mais do que isso - que devemos falar.
18.
As ablações em causa, operando a título definitivo e desacompanhadas, como são,
de compensação adequada, até mesmo quando reconhecidas inconstitucionais,
revestem caráter confiscatório (cf. Meneses Leitão, «Anotação», in Revista da
Ordem dos Advogados, 2012, pág. 415ss), também em consonância com doutrina e
jurisprudência de vários países europeus, a começar pela Alemanha, e de
tribunais internacionais (cf., por todos, J. C. Loureiro, «Adeus ao Estado
Social», pág. 115ss). Em síntese: pensões resultantes da contribuição e do
esforço individual, pressupondo prestações não irrelevantes do próprio e de
terceiros e servindo de fundamento a planeamento individual de existência, em
especial na velhice, constituem ou, consoante a ordem jurídica concreta, são
créditos privados que equivalem a propriedade, para o efeito de beneficiarem de
proteção constitucional não menor da que é atribuída a este direito (entre nós,
art.º 62, n.º2, da Constituição).
19.
As normas em causa, diferentemente dos chamados “chevaliers budgétaires”,
constituem típicas normas orçamentais, pelo que sujeitas ao princípio da
anualidade, a que constitucionalmente está submetido o orçamento. Em sede
orçamental, a ultra atividade é incompatível com a Constituição (cf. Moura
Ramos, declaração de voto, Ac. n.º 353/2012). É infringida a norma que consta
do artigo 106, n.º 1, da Constituição.
Inconstitucionalidade
do artigo 78.º da LOE 2013
Alcance
20.
Estabelece-se aqui um imposto a que se dá o nome de contribuição extraordinária
de solidariedade: um imposto sobre o tipo de rendimento pensão (ou para este
efeito assim considerado) que é, declaradamente, moldado por forma a infligir
um sacrifício equiparável (esta medida visa alcançar um efeito equivalente à
medida de redução salarial, lê-se no Relatório 0E2013, pág. 51) ao das
“reduções remuneratórias” aplicadas os funcionários públicos em 2011 e
anualmente renovadas até agora. Também neste sentido é claro o Relatório cit.,
onde se lê que o aumento da despesa que resulta das alterações no regime dos
subsídios, vencimentos e pensões, alegadamente decorrentes do Acórdão do TC,
será compensado por medidas de caráter fiscal (pág.47).
21.
Na verdade, o que é exigido de quem já concluiu a sua carreira contributiva, e
com base nela formou o seu direito a uma específica pensão como é aqui o caso,
não pode ser equiparado, ou sequer aproximado, às “participações patrimoniais”
a que se reconduzem as contribuições e quotizações próprias do sistema de
segurança social. Falta aí, de todo, a “relação sinalagmática” que a própria
ordem jurídica a reconhece (cf. Código e Lei citados). O regime traçado
facilita a conclusão ao consagrar uma completa indiferença à diferente natureza
das “pensões”, de origem contributiva e não contributiva, e prestações e
rendimentos análogos abrangidos.
22.
Tendo presente a referência do Relatório do 0E2013 às reduções remuneratórias,
a alternativa à qualificação fiscal é ver-se aqui uma pura redução de pensões
escondida sob a designação de contribuição, já que as entidades a quem é
consignado o produto dela (ISS, I.P. e CGA, I.P.) são afinal as que deveriam
colocar o seu valor nas mãos dos titulares das pensões e os próprios
proponentes da solução usam abertamente o modelo sacrificial e legal das
“reduções remuneratórias” (cf. OE2013 Relatório ).
Normas
e princípios constitucionais violados
23.
Vista a contribuição como imposiç5o de natureza fiscal, é violado o artigo
104.º da Constituição, que prevê um imposto sobre o rendimento “único” e
personalizado (“tendo em conta as necessidades e rendimentos do agregado
familiar”), o que nesta construção é infringido.
24.
A interpretar-se este sacrifício adicional como redução de tipo análogo que é
mantida para funcionários - ou seja, outra pura amputação de pensão - estão
então em causa os princípios da proteção da confiança, da igualdade perante os
encargos públicos e os artigos 62.º e 63.º da Constituição, sendo inteiramente
aplicáveis, e correlativamente agravados, os juízos e conclusões formulados a
propósito da suspensão de subsídio de férias.
25.
Acresce que se está fora do âmbito pessoal versado no Acórdão do TC n.º
396/2011 (“servidores públicos”, “ vencendo por verbas públicas”, “com especial
vínculo à prossecução do interesse público”) - para além de se exceder, no
concreto regime instituído, o “limiar de sacrifício” a que aí se faz referência
— pelo que a imposição de um adicional de sacrifício assumidamente equivalente
entre funcionários e pensionistas, ex-funcionários e não, consistindo em tratar
de modo idêntico destinatários em situação diferente, representa violação,
noutra dimensão, do princípio da igualdade ( art.º 13.º da Constituição ).
Inconstitucionalidade
dos artigos 29.º da LOE 2013
Alcance
26.
Impõe-se aqui ao grupo que, por comodidade de expresso, se designará
genericamente de trabalhadores da função pública, que tinham visto, pela LOE de
2012, amputado, até mais de 14,2%, o valor anual da sua remuneração -
sacrifício já efetivamente suportado com que, também eles, transitam para a
esfera do presente normativo orçamental - um programa plurianual específico de
novas amputações, que pretende vigorar, como o anterior, “durante a vigência do
PAEF”, indo até 7,1% em cada ano (“suspensão/redução do subsídio”). Alcança-se
assim, em três anos (2012, 2013, 2014), uma ablação, só a este título, de mais
de um quarto do valor anual do seu vencimento (28,4%). Tomando em consideração
a “redução remuneratória”, logo no vencimento de 1500 euros mensais, a “perda”,
no período (e sem tomar em consideração a esfera fiscal), eleva-se para 38,9%
do valor da remuneração anual (sendo a partir daí os números bem mais
elevados).
27.
A presente medida sacrificial ocorre no quadro, já referido, de um acentuado
agravamento fiscal, decorrente da redução do número de escalões e da aplicação
de uma sobretaxa de 3,5% no IRS, em que é tudo, por igual, aplicado aos
trabalhadores da função pública.
28.
Com efeito, no ordenamento orçamental instituído, como ocorre com os pensionistas
atingidos, nenhuma norma atribui qualquer efeito útil ao facto dos
destinatários das normas orçamentais plurianuais que se sucederam transitarem
da alçada dos artigos sacrificiais da LOE 2012 - interrompidos pelo acórdão do
TC na sua pretensão de vigência plurianual - para a das presentes normas da LOE
2013 já amputados, por via de ilegítima apropriação, de 7% a 14% do valor anual
da remuneração.
29.
Assim, o “programa de diferenciação/ablação” em subsídio que subjazia à norma
de 2012 visava retirar aos trabalhadores da função pública, nos anos de 2012,
2013, 2014, até 42,8% (3x14,2) a mais que aos outros destinatários não
abrangidos por este tipo de sacrifícios. Com o novo dispositivo, a
diferenciação sacrificial imposta, a este título, fica ainda em 28,5% (ou seja,
sobrevivem dois terços do programa diferenciador original, em ambiente bem mais
agravado para todos, e também, e ao mesmo nível, para os destinatários do
“programa”).
30.
Cumulando com a redução remuneratória, que continua a operar, o diferencial em
desfavor dos trabalhadores da função pública, naquele período, ascende a 39,5%
do valor da remuneração anual, logo a partir dum vencimento de 1500 euros.
Normas
e princípios constitucionais violados
31.
A solução imposta viola o princípio da proteção da confiança, o princípio da
igualdade face à repartição dos encargos públicos e o art.º 106, n.º 1, da Constituição
(anualidade).
32.
Viola, além disso, o princípio da proporcionalidade, nos seus segmentos da
adequação e necessidade, em termos equivalentes aos acima aduzidos a propósito
das normas do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, que se dão aqui por reproduzidos.
33.
Ao já aduzido, acresce que o Estado não sustenta o seu compromisso em termos de
retribuição, mas sustenta o mesmo grau exigência em matéria de duração e
qualidade na prestação do trabalho, o que acarreta, para lá da violação do
art.º 59.º n.º 1 a) da Constituição, como apontado por Meneses Leitão (ROA,
cit) - violação que também aqui se invoca - ofensa ao princípio da confiança.
34.
A diferença de tratamento, na dimensão, “muito significativa”, que é instituída
em desfavor dos trabalhadores da função pública, a partir dos que apenas ganham
600 euros mensais, no contexto orçamental em que agora ocorre, não só se afasta
de qualquer justificação atendível (o critério da eficácia não pode ser
invocado em vista de orçamentos futuros em anos consecutivos), como ultrapassa
o limiar de sacrifício, utilizando o critério que foi introduzido pelo TC.
Neste rumo, constitucionalmente desautorizado, releva ainda a ultra atividade
da norma (pretensão a vigorar para lá do ano em causa), incompatível com a
Constituição.
35.
Deve também frisar-se que o sacrifício extrafiscal dos trabalhadores da função
pública “compara” agora com o tratamento, em primeiro lugar em sede
extrafiscal, dado às demais proveniências de receita/redução de despesa,
elegíveis para a partilha do sacrifício, levando às costas todo o peso das
medidas declaradas inconstitucionais que já suportaram - o que faz ressaltar o
caráter excessivo, e excessivamente diferenciado, do tratamento que lhes é
aplicado.
36.
A violação do princípio da igualdade avulta, em particular, se se notar que em
relação a outros contratos, ou outros vínculos sinalagmáticos de que emergem
posições devedoras e mesmo pagamentos regulares da parte do Estado, não foi
aplicada ablação idêntica - como se só em relação a “trabalho” e “pensões” as
regras e princípios da Constituição; fora do âmbito fiscal, permitissem
amputações e cortes por via legal deste tipo e dimensão, o que não pode
aceitar-se.
37.
A regra orçamental em causa pretende-se de efeito plurianual, e de âmbito de
vigência reportado à vigência do PAEF, pelo que, conforme já invocado, viola o
art.º 106 n.º 1 da Constituição ”.
3.
Pedido formulado no processo n.º 8/2013
No âmbito do processo n.º 8/2013, foi pedida, por um
Grupo de Deputados (do PCP, do BE e do PEV) à Assembleia da República, a
apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade:
a) Das normas constantes dos artigos 27.º, 29.º e
consequentemente do artigo 31.º, e 45.º, da LOE2013, por violação do princípio
da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.º da CRP, do princípio da
confiança enquanto elemento estruturante do Estado de direito democrático
consagrado no artigo 2.º, do princípio da proibição do excesso em termos de
igualdade proporcional consagrado no artigo 13.º, do direito à contratação
coletiva consagrado no artigo 56.º, n.º 3, do direito ao salário consagrado no artigo
59.º, n.º 1, a), bem como das obrigações decorrentes de contrato na elaboração
do Orçamento do Estado nos termos do artigo 105.º, n.º 2, todos da CRP, para
além do caso julgado formado pelo Acórdão n.º 353/2012;
b) Das normas constantes do artigo 77.° da referida
lei, por violação do princípio da confiança enquanto elemento estruturante do
Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP, bem como do
direito à segurança social previsto no artigo 63.º, n.ºs 1, 3 e 4 ambos da CRP;
c) Das normas constantes do artigo 78.º da mesma lei,
por violação do princípio da confiança enquanto elemento estruturante do Estado
de direito democrático consagrado no artigo 2.º, bem como do princípio da
proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrada no artigo
13.º, ambos da CRP.
d) Do artigo 117.º, n.º 1, da mesma lei, por violação
do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, dos direitos dos
trabalhadores em situação de desemprego e de doença consagrados no artigo 59.º,
n.º 1, alíneas e) e f), e do direito à segurança social consagrado no artigo
63.º, n.º 3, todos da CRP.
e) Do artigo 186.º (na parte em que altera os artigos
68.º, 71.º, 72.º, 78.º, 85.º e adita o artigo 68.º-A ao Código do IRS da mesma
lei), por violação da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional
consagrada no artigo 13.º da CRP e por violação da progressividade e do
princípio da capacidade contributiva do imposto sobre o rendimento consagrados
no artigo 104.º, n.º 1, ambos da CRP;
f) Do artigo 187.º da mesma lei, por violação da
proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrada no artigo
13.º, por violação da unidade e progressividade do imposto sobre o rendimento
previsto no artigo 104.º n.º 1, ambos da CRP e por violação de caso julgado
pelo Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional.
É a seguinte a fundamentação do pedido:
“Da
inconstitucionalidade dos artigos 27.º, 29.º, 31.º e 45.º
1. O
artigo 27.º da LOE 2013 mantém as reduções das remunerações totais ilíquidas
mensais dos cidadãos elencados no n.º 9 desse artigo, bem como no artigo 31.º,
que têm em comum o facto de auferirem remunerações suportadas diretamente pelo
Estado ou por entidades públicas, reduções que oscilam entre os 3,5%, no caso
dos cidadãos com remuneração superior a 1500 euros mensais, e 10% no caso das
remunerações de valor superior a 4.165 euros.
2.
Esta disposição é idêntica à já consagrada nos Orçamentos do Estado para 2011 e
para 2012, sendo assim aplicada pelo terceiro ano consecutivo.
3.
Acresce que o artigo 29.º da LOE 2013 suspende o pagamento do subsídio de
férias ou quaisquer outras prestações correspondentes ao 14.º mês, na
totalidade, para os mesmos cidadãos, mas vai mais longe, ao prever a redução
desse mesmo subsídio a todos os cidadãos previstos no n.º 9 do artigo 27.º e no
artigo 31.º, desde que as respetivas remunerações excedam os 600 euros mensais.
4.
Por seu lado, o artigo 45.º da LOE 2013 determina que todos os acréscimos ao
valor da retribuição horária referentes a pagamento de trabalho extraordinário
prestado em dia normal de trabalho, pelos mesmos cidadãos elencados no n.º 9 do
artigo 27.º, cujo período normal de trabalho não exceda sete horas por dia nem
35 horas por semana sofram um corte de 12,5% da remuneração na primeira hora, e
de 18,75% da remuneração nas horas ou frações subsequentes.
5.
O que está em causa é portanto a admissibilidade constitucional das reduções
salariais, pela prestação de trabalho normal ou extraordinário, e da suspensão
dos subsídios de férias, conjugadamente, nos exatos termos previstos na LOE
2013.
6.
Trata-se pois de saber em que medida é constitucionalmente admissível que o
legislador determine o corte das remunerações dos trabalhadores que exercem
funções públicas ou equiparadas, pondo em causa o seu direito à retribuição.
7.
Esta questão foi já objeto de decisão do Tribunal Constitucional, através do
Acórdão n.º 396/2011, que apreciou o corte das remunerações previstas no
Orçamento do Estado para 2011, idênticas às previstas no artigo 27.º da LOE
2013, não se pronunciando pela sua inconstitucionalidade.
8.
Importa porém lembrar que o citado acórdão assentou o seu juízo no pressuposto
de que tal redução seria uma “medida idónea para fazer face à situação de
défice orçamental”. Dando como adquirido que “só a diminuição de vencimentos
garantia eficácia certa e imediata” para garantir “resultados a curto prazo” na
consolidação orçamental. Por não haver “razões de evidência em sentido
contrário”, o Tribunal considerou que a medida prevista para 2011 se incluía
ainda “dentro dos limites do sacrifício que a transitoriedade e os montantes
das reduções ainda salvaguardavam”.
9.
Como é sabido porém, chamado a decidir sobre idênticos cortes salariais
contidos no Orçamento do Estado para 2012, conjugados com a suspensão dos
subsídios de férias e de Natal dos cidadãos que auferem remunerações públicas,
o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 353/2012, considerou que a
conjugação entre o congelamento de salários e pensões do setor público vigente
desde 2010, os cortes salariais vigentes desde 2011 e o corte dos subsídios de
férias e de Natal de 2012 aplicáveis aos trabalhadores e pensionistas do setor
público, ultrapassavam de forma evidente os limites do sacrifício a que aludia
o Acórdão n.º 396/2011.
10.
Assim, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o corte dos
subsídios de férias e de Natal dos funcionários e pensionistas do setor
público, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de igualdade
proporcional, consagrado no artigo 13.º da
Constituição.
11.
Vemos assim que, ainda que o Tribunal Constitucional tenha admitido a
constitucionalidade de cortes salariais até um certo limite, a proteção do
direito dos trabalhadores à remuneração, o cumprimento pontual dos contratos e
a proporcionalidade na imposição de sacrifícios aos cidadãos por parte do
Estado, não são valores alheios à ordem constitucional portuguesa. E todos eles
estão em causa na LOE 2013.
12.
Com efeito, diversas disposições constitucionais, com projeção em diplomas
legislativos, revelam não ter sido intenção do legislador constituinte dar o
aval a reduções salariais.
13.
Tal resulta do artigo 1.º que se refere à dignidade da pessoa humana e ao
empenhamento do Estado na construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
do artigo 9.º, d) que considera tarefa fundamental do Estado a promoção do
bem-estar e da qualidade de vida do povo; do artigo 59.º, n.º 1, a) que
consagra o direito à retribuição do trabalho de modo a garantir uma existência
condigna; do artigo 59.º, n.º 2, d) que estabelece a incumbência do Estado de
estabelecer e atualizar o salário mínimo nacional; do artigo 59.º, n.º 3,
segundo o qual os salários gozam de garantias especiais nos termos da lei; ou o
artigo 81.º, a) que estabelece como incumbência prioritária do Estado promover
o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas,
em especial das mais desfavorecidas.
14.
Mais: o artigo 16.º da Constituição dispõe que os direitos fundamentais
consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e
das regras aplicáveis de Direito Internacional. É o caso do Pacto Internacional
dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 16 de dezembro de 1966,
ratificado sem reservas através da Lei n.º 45/78, de 11 de julho, que reconhece
no artigo 7.º o direito a uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos
os trabalhadores um salário equitativo e uma existência decente para eles e
para as suas famílias.
15.
Decisivo porém, é o facto do direito à retribuição do trabalho constituir um
direito fundamental, consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da
Constituição, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias
(conforme Acórdãos n.ºs 373/91 e 498/2003 do Tribunal Constitucional),
sendo-lhe aplicável o mesmo regime garantístico.
16.
Assim, as restrições salariais impostas pelo legislador, incluindo tanto as
reduções remuneratórias como a suspensão do subsídio de férias, não sendo
expressamente autorizadas pela Constituição, só seriam admissíveis para resolver
problemas de ponderação de conflitos entre bens ou direitos constitucionais, ou
seja, para salvaguarda de um interesse constitucionalmente protegido (neste
sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 4. edição, 2007, pág. 393).
17.
Mesmo admitindo, como mera hipótese de raciocínio que o chamado PAEF (Plano de
Assistência Económica e Financeira) assinado entre o Governo Português e a
“troika” formada pelo FMI, BCE e CE, ou que a redução do défice das contas
públicas, correspondam a interesses constitucionalmente protegidos, sempre
haverá que verificar se os cortes nas remunerações previstos respeitam o princípio
da proporcionalidade, enquanto pressuposto decisivo do respeito pelo princípio
constitucional da igualdade.
18.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, o respeito pelo princípio da
proporcionalidade impõe a proibição do excesso, em três diferentes dimensões: a
adequação ou idoneidade (as medidas devem revelar-se como um meio adequado para
a prossecução dos fins visados); a exigibilidade, necessidade ou
indispensabilidade (as medidas devem revelar-se necessárias porque os fins
visados não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos,
liberdades e garantias); e finalmente a proporcionalidade em sentido estrito
(os meios devem situar-se na justa medida).
19.
Entendem os requerentes que nenhum destes pressupostos é respeitado na LOE
2013. Senão vejamos:
20.
Quanto à adequação aos fins visados, ao contrário do que acontecia em 2011,
existem hoje evidências de que tal não se verifica. Com efeito, tendo sido as
reduções salariais, e o corte dos subsídios de férias e de Natal, apresentadas
como as medidas mais eficazes para a redução do défice das contas públicas no
imediato, os dados disponíveis, relativos à execução orçamental de 2012,
revelam a ineficácia dessas medidas, devido ao efeito recessivo que delas
decorrem. Os cortes salariais não são, portanto, medidas adequadas para a
redução do défice público.
21.
Aliás, essa redução foi anunciada para que se obtivesse um valor de 4,5% do
défice público, quando é já hoje reconhecido pelo próprio Governo que esse
valor será, quando muito, de 5%, e mesmo este valor só será atingido através de
medidas extraordinárias não previstas inicialmente no Orçamento do Estado para
2013.
22.
Quanto à indispensabilidade dessas medidas, sustentam os requerentes idêntica
conclusão. Tais medidas não são indispensáveis, podendo e devendo os objetivos
por elas, alegadamente, visados, ser obtidos de outro modo, designadamente com
a renegociação de parcerias público-privadas que constituem pesadíssimos
encargos para o Estado, com o recurso a uma justa tributação dos rendimentos de
capital (matéria que adiante será autonomamente abordada), ou com a
renegociação dos encargos da dívida soberana portuguesa perante os credores
internacionais.
23.
Registe-se, aliás, que a previsão de despesa com pessoal para 2013 representa
apenas 20,46% do total da despesa corrente do Estado (cfr. Quadro III.1.2 na
página 95 do Relatório do Orçamento do Estado para 2013 que acompanhou a
Proposta de Lei n.º 103/XII).
24.
Dir-se-á que as alternativas acima referidas, a título meramente
exemplificativo, decorreriam de opções políticas, não desejadas pelo Governo em
funções. É certo. Mas não se diga que tais medidas seriam impossíveis, ao ponto
tornar inevitáveis os cortes nos salários e nas pensões previstos na LOE 2013.
25.
Aliás, quando se trata de avaliar sacrifícios impostos aos rendimentos do
trabalho e das pensões, com base na sua suposta inevitabilidade, tendo em conta
uma situação de grave crise financeira, ninguém de boa-fé pode abstrair das
causas dessa crise e das respetivas responsabilidades.
26.
Todos convirão que a situação de crise financeira que o país atravessa não foi
da responsabilidade dos trabalhadores por conta de outrem, ou dos reformados,
sejam do setor público ou do setor privado. As responsabilidades da crise
financeira decorrem, entre outras causas, - todos o sabem - de desmandos
cometidos pelo setor financeiro, muitos deles com relevância criminal, da
própria natureza das operações especulativas, e da ausência de regulação e de
supervisão que os permitiram.
27.
E a crise das dívidas soberanas decorre - também todos o sabem - da opção
política tomada pelos Governos, de evitar a falência dos bancos à custa dos
contribuintes.
28.
No caso português, só para citar o caso mais conhecido do Banco Português de Negócios,
o Estado assumiu já um encargo estimado em 3.405,2 milhões de euros, entre 2010
e 2012, que pode chegar, no limite, aos 6.509 milhões, mais juros e
contingências, caso não se venha a verificar qualquer tipo de recuperação de
ativos transferidos do BPN para o Estado, segundo as conclusões aprovadas pela
Comissão Parlamentar de Inquérito ao Processo de Nacionalização, Gestão e
Alienação do BPN em 16 de novembro de 2012.
29.
Acresce que na LOE 2013 se verifica uma disparidade entre a tributação dos rendimentos
do trabalho, com taxas que chegam aos 48%, no caso de rendimentos coletáveis
superiores a 80.000 euros anuais, a que se acrescentam contribuições adicionais
de solidariedade com taxas de 2,5% e 5%, conforme os rendimentos se situem,
respetivamente, entre 80.000 e 250.000 euros e acima deste valor, em flagrante
disparidade com taxas liberatórias e especiais de 28% aplicáveis aos
rendimentos de capital, juros, dividendos e mais valias. Esta matéria será
adiante abordada, mas fica desde já assinalada, como elemento decisivo na
consideração da violação do princípio da igualdade de que enfermam os pesados
sacrifícios impostos sobre os rendimentos do trabalho (cortes de salários,
pensões, subsídios e aumento enorme de impostos) em contraste com a leveza dos
encargos impostos sobre os rendimentos de capital.
30.
No caso das parcerias público-privadas, segundo dados da Direção Geral o
Orçamento, os custos para o erário público foram de 987 milhões de euros em
2012, serão de 884 milhões em 2013 e admite-se que aumentem para 1.581 milhões
em 2014.
31.
Como se pode então afirmar que o corte nos salários e nas pensões se afigura
como o único meio idóneo, indispensável, e proporcional, para garantir a
estabilização das contas públicas?
32.
Há porém, outro aspeto a considerar quanto à proibição do excesso e aos limites
exigíveis dos sacrifícios, que tem que ver com a conjugação entre os cortes
salariais e a sobrecarga fiscal, sobretudo em sede de IRS.
33.
É que os artigos 27.º, 29.º e 45.º não são as únicas disposições constantes da
LOE 2013 que representam cortes nos salários dos trabalhadores que exercem
funções públicas.
34.
Para além dos cortes nos salários, entre 3,5% e 10% previstos no artigo 27.º, a
suspensão do subsídio de férias previsto no artigo 29.º, e a redução dos
valores da retribuição horária referentes ao pagamento de trabalho
extraordinário previstas no artigo 45.º, são reduzidos entre 35% e 40% valores
de ajudas de custo referidas nos artigos 42º. e 44.º.
35.
Mas muito mais significativa é a introdução de uma sobretaxa de 3,5% no IRS
(prevista no artigo 187.º da LOE 2013, e cuja inconstitucionalidade será
adiante advogada), a redução do número de escalões desse imposto, a eliminação
ou redução das deduções de despesas com saúde, educação e habitação, que, em
conjugação com os cortes nos salários e nas pensões e com a suspensão dos
subsídios de férias, corresponde a um verdadeiro confisco de grande parte dos
rendimentos do trabalho, de proporções intoleráveis.
36.
A conjugação dos cortes nos salários e nas pensões, com o agravamento da carga
fiscal, conduz a que muitos trabalhadores ou reformados, que vivem
exclusivamente dos rendimentos do seu trabalho, presente ou passado, se vejam
privados de meios de subsistência por uma decisão do legislador, que revela
pouco respeito pela dignidade do ser humano, valor primeiro em que assenta a
ordem constitucional portuguesa.
37.
É posta assim em crise a garantia constitucional de direito ao salário de forma
a garantir uma existência condigna [artigo 59.º, n.º 2, alínea a)].
38.
Os artigos 27.º, 29.º, 31.º e 45.º da LOE 2013 violam também o artigo 105.º da
Constituição e o princípio da confiança, na medida em que se traduzem num
incumprimento contratual por parte do Estado.
39.
De facto, o n.º 2 do artigo 105.º da Constituição determina que o Orçamento do
Estado é elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de
contrato.
40.
Ora, a relação existente entre os trabalhadores que exercem funções públicas e
o Estado, é, indubitavelmente, uma relação contratual, regulada através do
vínculo público de nomeação e do Regime do Contrato de Trabalho em Funções
Públicas (Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, alterado pela Lei n.º 3-B/2010,
de 28 de abril).
41.
Desse contrato, resulta o valor da remuneração como elemento essencial [artigos
68.º, n.º 1, h) e 214.º].
42.
Assim, na relação jurídica de emprego público, em que, em matéria de
retribuição, o Estado é o devedor e o trabalhador o credor, o cumprimento do
contrato exige o pagamento pontual e integral da prestação a que o Estado se
encontra juridicamente obrigado.
43.
E o Estado não tem o direito de escolher entre os credores a quem paga e
aqueles a quem decide não pagar. Não há qualquer fundamento constitucional ou
legal para que o Estado trate de forma diferente os trabalhadores do setor
público com quem assumiu obrigações contratuais e os credores internacionais ou
os grupos económicos beneficiários de parcerias público-privadas, pagando
pontualmente as prestações destes negócios com que se comprometeu (com os mais
fortes), e arrogando-se o direito de não cumprir as obrigações remuneratórias
contratualmente assumidas com os trabalhadores (os mais fracos).
44.
Se se invoca a credibilidade do Estado português perante os credores
internacionais ou perante grupos económicos, não será igualmente invocável, por
maioria de razão, a credibilidade do Estado perante os cidadãos que têm como
único meio de subsistência o cumprimento das obrigações a que o Estado se
obrigou para com eles?
45.
Se no primeiro caso está em causa a credibilidade e a responsabilidade
contratual do Estado, no que se refere aos trabalhadores, está em causa tudo
isso, mas também, fundamentalmente, o respeito pela dignidade do ser humano que
vive exclusivamente do seu trabalho.
46.
Acresce que tanto o n.º 15 do artigo 27.º, como o n.º 9 do artigo 29.º, como o
n.º 3 do artigo 45.º referem que os regimes de redução remuneratória neles
previstos têm natureza imperativa, prevalecendo sobre instrumentos de regulação
coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastados ou
modificados pelos mesmos.
47.
Estas disposições violam de forma flagrante o disposto no n.º 3 do artigo 56.º
da Constituição,
que confere às associações sindicais o direito e a competência de exercer o
direito de contratação coletiva, o qual é garantido nos termos da lei.
48.
O direito à contratação coletiva insere-se no título II da Constituição,
relativo aos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe diretamente aplicável
o regime do artigo 18.º.
49.
O direito à contratação coletiva vincula as entidades públicas e privadas e só
pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo
as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.
50.
As leis restritivas da contratação coletiva não podem ter efeito retroativo nem
diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos
constitucionais.
51.
As disposições acima citadas da LOE 2013 violam, não apenas obrigações
contratuais assumidas pelo Estado, como restringem inconstitucionalmente o
direito das associações sindicais à contratação coletiva, ao dispor que
prevalecem sobre instrumentos de regulação coletiva de trabalho.
52.
Foi já demonstrada pelos requerentes, a inexistência de direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos que possam justificar a restrição do direito
fundamental à retribuição do trabalho nos termos em que a LOE 2013 o pretende
fazer. Esse raciocínio aplica-se mutatis mutandis às restrições impostas
ao direito de contratação coletiva.
53.
Com a agravante decisiva das restrições impostas pretenderem ter eficácia
retroativa - constitucionalmente vedada - prevalecendo sobre quaisquer normas,
especiais ou excecionais em contrário, e sobre instrumentos de regulação
coletiva de trabalho.
54.
E diminuem a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito
constitucional relativo à contratação coletiva.
55.
O direito à contratação coletiva é conferido às associações sindicais para
defesa e promoção da defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que
representam (artigo 56.º, n.º 1). Entre esses direitos está seguramente o
direito à retribuição [artigo 59.º, a)].
56.
Se o legislador pretende legitimar a prevalência absoluta, já que é disso que
se trata, de disposições legais restritivas do direito à retribuição sobre
quaisquer instrumentos de regulação coletiva de trabalho, está posto em causa o
conteúdo essencial do direito fundamental à contratação coletiva.
57.
Os artigos 27.º, 29.º, 31.º e 45.º da LOE 2013, violam portanto o disposto nos
artigos 1.º, 2.º, 13.º, 56.º, n.º 3, 59.º, n.º 1, a) e 105.º, n.º 2 da
Constituição.
58.
Mas no caso vertente existe ainda uma clara violação do caso julgado pelo
Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 353/2012.
59.
O referido Acórdão declarou inconstitucionais as normas constantes da Lei do
Orçamento do Estado para 2012 que suspendiam o pagamento dos subsídios de
férias e de Natal dos trabalhadores com funções públicas e dos reformados,
ressalvando apenas os efeitos produzidos em 2012. O que obviamente proíbe a
adoção de medidas idênticas para 2013.
60.
Acontece porém que a LOE 2013 mantém integralmente a suspensão do pagamento do
subsídio de férias, não obstante a declaração de inconstitucionalidade.
61.
E incorreu num artifício destinado a defraudar os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, que consiste em subtrair o valor correspondente ao
subsídio de Natal através da criação de uma taxa adicional de 3,5% sobre a
remuneração anual, em sede de IRS.
62.
O argumento de que o princípio da igualdade não seria violado pela LOE 2013
pelo facto de também os trabalhadores do setor privado serem privados de um dos
subsídios, não colhe.
63.
Não colhe desde logo, porque a ultrapassagem “dos limites da proibição do
excesso em termos de igualdade proporcional” declarada em 2012 não é eliminada,
nos seus efeitos, pelo mal dos outros. Se assim fosse, não haveria limites para
a imposição de sacrifícios. Todos os excessos poderiam ser cometidos, desde que
todos fossem sacrificados por igual.
64.
Mas também porque nos próprios termos do Acórdão n.º 353/2012, a violação do
princípio da igualdade proporcional também se refere ao facto de nenhuma das
imposições de sacrifícios (no OE 2012) ter equivalente para a generalidade dos
outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes. E na
declaração pública em que anunciou a decisão, o Presidente do Tribunal
Constitucional (ao tempo em funções) referiu-se explicitamente à comparação com
os cidadãos que auferem rendimentos de capital.
65.
Ora, neste caso, a situação não mudou para melhor. A um aumento enorme dos
impostos sobre os rendimentos do trabalho e das pensões (que ultrapassa em
certos casos taxas da ordem dos 50%), corresponde um quase inexpressivo aumento
da tributação dos rendimentos do capital (de 25% para 28%).
66.
Donde, em conclusão, se requer a declaração de inconstitucionalidade dos
artigos 27.º, 29.º e 31.º da LOE 2013 por violação do respeito pelo princípio
da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.º; por violação do
princípio da confiança enquanto elemento estruturante do Estado de direito
democrático consagrado no artigo 2.º; por violação do princípio da proibição do
excesso em termos de igualdade proporcional consagrada no artigo 13.º; por
violação do direito à contratação coletiva consagrado no art.º 56.º, n.º 1; por
violação do direito ao salário consagrado no artigo 59.º, n.º 1, a); por violação
das obrigações decorrentes de contrato na elaboração do Orçamento do Estado nos
termos do artigo 105, n.º 2, todos da Constituição, e ainda por violação do caso julgado no
Acórdão n.º 353/2012.
Da
inconstitucionalidade do artigo 77.º da LOE 2013
67.
O artigo 77.º da LOE 2013 suspende o pagamento de 90% do subsídio de férias ou
equivalentes de aposentados e reformados, por parte da Caixa Geral de
Aposentações, do Centro Nacional de Pensões e, diretamente ou por intermédio de
fundos de pensões, por quaisquer entidades públicas, desde que o valor da
pensão seja superior a 1.100 euros mensais.
68.
Caso o valor da pensão seja entre 600 e 1.100 euros mensais, aplica-se uma
redução menor, nos termos referidos no n.º 4 do artigo 77.º da LOE 2013.
69.
Afigura-se aos requerentes que os cortes nas reformas e pensões violam
manifestamente o princípio da proteção da confiança como “exigência
indeclinável de realização do princípio do Estado de direito democrático”
consagrado no artigo 2.º da Constituição.
70.
Esta questão da proteção da confiança foi circunstanciadamente abordada no
Acórdão n.º 396/2011 do Tribunal Constitucional a propósito dos cortes
salariais previstos no Orçamento do Estado para 2011. Aí se refere a
densificação dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a aplicação desse
princípio, efetuada no Acórdão n.º 287/90.
71.
Aí se considera que a frustração das expetativas dos cidadãos provocada pelas
medidas em causa será inadmissível, nomeadamente, à luz dos seguintes critérios:
a) quando a afetação de expetativas constitua uma mutação da ordem jurídica com
que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam
contar; b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se
prevalecentes, recorrendo-se aqui ao princípio da proporcionalidade.
72.
Tudo o que foi invocado acima, acerca da violação do princípio da
proporcionalidade nos cortes dos subsídios de férias aos trabalhadores que
exercem funções públicas, é inteiramente aplicável no caso vertente.
73.
Com efeito, a medida de suspensão do subsídio de férias aos reformados e
pensionistas não é uma medida adequada ou idónea para garantir a consolidação
orçamental, não é uma medida indispensável para esse objetivo, nem é uma medida
que, pela sua onerosidade, se contenha na justa medida.
74.
Porém, no que se refere aos reformados e pensionistas, acrescem outras razões
adicionais que concorrem para a inconstitucionalidade da suspensão dos
respetivos subsídios.
75.
Os reformados e pensionistas auferem prestações pagas pelo Estado, que decorrem
das respetivas carreiras contributivas. Ou seja, enquanto trabalhadores do
ativo efetuaram descontos nos respetivos salários, tendo como contrapartida
futura, após a reforma ou aposentação, os montantes das respetivas reformas ou
pensões.
76.
As reformas e pensões auferidas pelos reformados e pensionistas não podem pois
ser qualificadas como “dinheiros públicos” tout court, na medida em que são
suportadas pelos descontos entregues ao Estado pelos próprios beneficiários,
enquanto trabalhadores no ativo.
77.
Sendo que o Estado cumpre o dever constitucional de garantir o direito de todos
à segurança social, tal como determina o artigo 63.º da Constituição,
devendo todo o tempo de trabalho contribuir, nos termos da lei, para o cálculo
das pensões de velhice e invalidez.
78.
A partir da reforma ou da aposentação, os cidadãos aposentados ou reformados
deixaram de ser cidadãos no ativo, profissionalmente falando. Deixaram de poder
depender do seu trabalho para obter meios de subsistência e passaram a ter de
viver exclusivamente das suas reformas e pensões.
79.
Acresce ainda que, com o avanço inevitável da idade, a situação dos reformados
e pensionistas torna-se mais frágil e vulnerável, dado que aumentam as
situações de dependência e as situações de doença, com os consequentes aumentos
de encargos.
80.
Uma alteração substancial dos montantes das reformas e pensões por decisão unilateral
do Estado, como ocorre por força da LOE 2013, em que à suspensão, de 90 do
subsídio de férias acresce um enorme aumento da carga fiscal em sede de IRS,
põe irremediavelmente em crise o princípio constitucional da proteção da
confiança, sendo certo que os reformados e pensionistas não têm nenhuma
possibilidade de aumentar os seus proventos e de refazer os seus planos de
vida.
81.
A proteção da confiança no caso dos reformados e pensionistas exige portanto
uma tutela reforçada.
82.
Assim, tal como acontece com a suspensão dos subsídios de férias prevista nos
artigos 29.º e 31.º da LOE 2013, também a suspensão dos subsídios de férias dos
reformados e pensionistas previstas no artigo 77.º deve ser declarada
inconstitucional por violação dó princípio da proteção da confiança que decorre
do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Da
inconstitucionalidade do artigo 78.º da LEO 2013 83.
O
artigo 78.º da LOE 2013 vem criar a designada “contribuição extraordinária de
solidariedade”.
Trata-se
de uma contribuição extraordinária, imposta aos reformados e pensionistas que
auferem montantes de reformas e pensões superiores a 1.350 euros, nos seguintes
termos: 3,5% no caso das pensões de valor mensal entre 1.350 e 1.800 euros;
3,5% sobre o valor de 1.800 e 16% sobre o remanescente das pensões de valor
mensal entre 1.800,01 e 3.750 euros; 10% sobre a totalidade das pensões de
valor mensal superior a 3.750 euros; e neste último caso, haverá ainda um
acréscimo da contribuição no valor de 15% sobre o montante que exceda o valor
do IAS mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor, ou no valor de 40% sobre o
montante que exceda 18 vezes o valor do IAS.
84.
Tal contribuição extraordinária tem suscitado intenso debate na sociedade
portuguesa, envolvendo inclusivamente reputados constitucionalistas que põem em
causa a sua constitucionalidade.
85.
Pode legitimamente questionar-se se considerar as pensões acima de 1.350 euros
como suficientemente elevadas para justificar uma contribuição que acresce aos
cortes já efetuados por via dos artigos 27.º e 77.º da LOE 2013, não incorre em
violação do princípio da proibição do excesso, por ser uma medida
desproporcionada.
86.
Mas mesmo que tal não se considere, o que parece inequívoco é que os argumentos
invocados acima, acerca da inconstitucionalidade dos artigos 27.º e 77.º da LOE
2013 por violação do princípio da proibição do excesso enquanto pressuposto da
proteção da confiança, têm, no caso da contribuição extraordinária prevista no
artigo 78.º, inteiro cabimento.
87.
Porém, pode e deve questionar-se se a “contribuição extraordinária de
solidariedade” não viola autonomamente o princípio constitucional da igualdade
constante do artigo 13.º da Constituição.
88.
Na verdade, esta contribuição impende unicamente sobre uma determinada
categoria de cidadãos: os reformados e pensionistas. Trata-se obviamente de uma
discriminação. Resta a questão de saber se essa discriminação é
constitucionalmente legítima.
89.
Segundo o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital Moreira (op. cit. pág. 340),
as diferenciações só podem ser legítimas quando se baseiem numa distinção
objetiva de situações, tenham um fim legítimo segundo o ordenamento
constitucional, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à
satisfação do seu objetivo.
90.
Não parece que tais pressupostos se verifiquem.
91.
A distinção objetiva de situações nunca poderá conduzir à consideração de que
os reformados e pensionistas devem ser discriminados negativamente em relação
aos trabalhadores no ativo.
92.
Tal não significa que a imposição de uma contribuição semelhante aos
trabalhadores no ativo fosse constitucionalmente admissível. No entender dos
requerentes, nunca o seria, pelas razões já explicitadas acima quanto à
inconstitucionalidade dos cortes salariais. Porém, não se vislumbra qualquer
razão plausível que confira legitimidade à imposição de uma contribuição
extraordinária aos reformados e pensionistas, sobretudo se tivermos em conta,
mais uma vez, a disparidade existente na LOE 2013 entre a oneração dos
rendimentos do trabalho e dos rendimentos de capital.
93.
Enquanto alguns reformados e pensionistas chegam a ser privados de mais de
metade dos valores das suas pensões, que não deixam de ser rendimentos do
trabalho, os titulares de rendimentos de capital previstos nos artigos 71.º e
72.º da LOE 2013 são tributados a taxas liberatórias não superiores a 28%.
94.
A ausência de necessidade, adequação e proporcionalidade da "contribuição
extraordinária" consideram os requerentes já suficientemente demonstrada.
Não se trata de uma medida que não pudesse ser evitada, cujos efeitos
financeiros não pudessem ser obtidos de um modo diferente e socialmente mais
justo, e é uma medida desproporcionada, devido ao grau de onerosidade em que se
traduz.
95.
Aliás, quanto à caracterização do fim visado pela medida em causa, a sua
designação, na epígrafe do artigo 78.º da LOE 2013, como contribuição de
"solidariedade", só pode conduzir a equívocos.
96.
A Constituição, no seu artigo 1.º, refere-se à construção de uma sociedade
livre, justa e solidária.
A
solidariedade, enquanto tarefa do Estado, implica obviamente um esforço no
sentido da redução das desigualdades e no apoio às camadas sociais mais
desfavorecidas.
97.
Porém, a "solidariedade" a que alude a epígrafe do artigo 78.º da LOE
2013 é indefinida. E conhecido que é o esforço de austeridade que a LOE 2013
impõe aos portugueses, mesmo aos de mais baixos rendimentos, em nome do
cumprimento dos objetivos do chamado PAEF, somos forçados a concluir que a
solidariedade que é exigida aos reformados e pensionistas não tem como
destinatários os cidadãos que mais necessitariam dela. A
"solidariedade" a que alude o artigo 78.º da LOE 2013 não passa
afinal de uma solidariedade para com a política financeira definida pelo Governo.
Não é título bastante para conferir legitimidade constitucional à medida
imposta.
98.
Nestes termos, consideram os requerentes que a contribuição extraordinária de
solidariedade prevista no artigo 78.º da LOE 2013 é inconstitucional por
violação dos artigos 2.º e 13.º da Constituição.
Da
inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 117.º
99.
Determina o n.º 1 do artigo 117.º, que as prestações do sistema previdencial
concedidas no âmbito de doença e desemprego sejam sujeitas a uma contribuição
de a) 5% sobre o montante dos subsídios concedidos no âmbito da eventualidade
de doença e b) 6% sobre o montante de subsídios de natureza previdencial
concedidos no âmbito da eventualidade de desemprego.
100.
Não se trata evidentemente de uma “contribuição”, Trata-se, isso sim, de uma
redução nas prestações sociais em caso de doença e de desemprego, sem qualquer
consequência na carreira contributiva dos beneficiários.
101.
Os subsídios de desemprego e de doença têm expressa proteção constitucional. O
n.º 1 do artigo 59.º, relativo aos direitos dos trabalhadores, consagra na
alínea e) o direito de todos os trabalhadores à assistência material, quando
involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, e na alínea f) o
direito a assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho
ou de doença profissional. Por seu lado, o artigo 63.º, que consagra o direito
de todos à segurança social (n.º 1), prevê no n.º 3 que o sistema de segurança
social protege os cidadãos na doença ( ... ) bem como no desemprego e' em todas
as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de
capacidade para o trabalho.
102.
Dir-se-á que cortes da ordem de 5% e 6% nas prestações sociais não serão suficientes
para pôr em causa, de forma decisiva, o direito à segurança social e o direito
dos trabalhadores à proteção no desemprego e na doença, e que o conteúdo
essencial desses direitos, apesar de tudo, se mantém.
Não
é esse, porém, o juízo dos requerentes, pelas razões seguintes:
103.
Os direitos sociais à assistência material no desemprego e na doença, apesar de
não se encontrarem sujeitos ao regime de restrições aplicável aos direitos,
liberdades e garantias, possuem uma tutela constitucional clara, acima
explicitada, e não podem ser sujeitos a restrições que ponham em causa a
aplicação do princípio constitucional da igualdade.
104.
O que sucede é que estes direitos sociais têm vindo a ser sucessivamente
restringidos pelo legislador, tanto nos montantes dos apoios concedidos, como
no tempo de concessão, como no universo dos destinatários.
105.
E é evidente que, sendo os rendimentos auferidos por via dos subsídios de
doença e do desemprego rendimentos substitutivos do trabalho, os trabalhadores
que deles beneficiam não se encontram em situação idêntica à dos demais
trabalhadores.
106.
A concessão dos subsídios de desemprego e de doença decorrem de situações em
que os trabalhadores se encontram, involuntariamente, em situações de objetiva
desigualdade em relação aos demais, devido à impossibilidade temporária de
obtenção de meios de subsistência.
107.
Não se trata de benesses, de privilégios, ou de subsídios à inatividade.
Trata-se de prestações sociais destinadas a acorrer, de forma temporária, a situações
em que a ausência de apoio por parte do Estado a trabalhadores temporariamente
inativos seria suscetível de provocar situações de exclusão social violadoras
da dignidade da pessoa humana a que se refere o artigo 1.º da Constituição.
108.
Será pois constitucionalmente admissível que os trabalhadores em situação de
desemprego involuntário, ou incapazes de trabalhar por comprovados motivos de
saúde, sejam penalizados por isso, nas prestações sociais a que têm direito? Os
requerentes entendem que não.
109.
Se o corolário fundamental do princípio constitucional da igualdade é o de que
devem ser tratadas como iguais situações iguais, e como diferentes, situações
diferentes, os beneficiários dos subsídios de desemprego e de doença, que se
encontram em situações de maior vulnerabilidade em relação aos demais cidadãos,
não devem ser prejudicados por parte do Estado, de forma a acentuar ainda mais
a sua situação de vulnerabilidade.
110.
Nestes termos, entendem os requerentes que o n.º 1 do artigo 117.º da LOE 2013
deve ser declarado inconstitucional por violação dos artigos 13.º, 59.º, n.º 1,
alíneas e) e f), e 63.º, n.º 3 da Constituição.
Da
inconstitucionalidade de disposições contidas no artigo 186.º e do artigo 187.º
111.
A LOE 2013 introduz diversas alterações em sede do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Singulares (IRS), das quais se destacam:
No
artigo 186.º, alterações aos seguintes artigos do Código do IRS:
-
Artigo 68.º, que reduz de oito para cinco, os escalões de rendimento coletável;
-
Artigo 68.º-A, que cria uma taxa adicional de solidariedade;
-
Artigo 78.º, que reduz, entre outras, as deduções à coleta relativas às
despesas de saúde, educação e formação;
-
Artigo 85.º, que reduz as deduções à coleta relativas a despesas com imóveis
para habitação própria e permanente, ou com rendas de habitação própria do
arrendatário.
No
artigo 187.º, que cria uma sobretaxa de 3,5% sobre o rendimento coletável dos
sujeitos passivos cujo rendimento exceda o valor anual da retribuição mínima
mensal.
112.
Nos termos do artigo 104.º, n.º 1, da Constituição, o imposto sobre o
rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e
progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado
familiar.
113.
O IRS foi concebido tendo em conta estas características. Adotou um sistema de
progressividade por escalões de rendimentos, de acordo com o qual a matéria
coletável concretamente apurada é dividida em tantas partes quantas as que
correspondem ao leque de taxas em que couber, aplicando-se a taxa mais elevada
apenas à parte que excede o limite máximo do escalão anterior, e institui um
conjunto de deduções à coleta em função da composição e despesas dos agregados
familiares, procurando alcançar uma repartição equitativa da carga fiscal.
114.
As alterações introduzidas na LOE 2013, que o próprio Ministro das Finanças
caracterizou como um "enorme aumento de impostos", que o Conselheiro
de Estado Luís Marques Mendes qualificou de "assalto à mão armada" e
que para o Conselheiro de Estado António Bagão Félix "ultrapassam os
limites da decência fiscal", reduzem a progressividade, desconsideram o
princípio da capacidade contributiva, e põem em causa a unidade do imposto
sobre o rendimento.
115.
Vejamos o caso da alteração dos escalões do IRS à luz do princípio da
progressividade fiscal: a taxa do escalão mínimo de tributação passa de 11,5%
para 14,5% e os rendimentos coletáveis mais baixos são elevados a um escalão
superior; são colocados rendimentos coletáveis com valores muito diferentes no
mesmo escalão (de 7.000 a 20.000, de 20.000 a 40.000, de 40.000 a 80.000); e
são taxados da mesma forma rendimentos coletáveis de valores muito
diferenciados. Todos os rendimentos coletáveis acima de 80.000 euros são taxados
com o mínimo de 48, a que acresce a taxa adicional de solidariedade de, pelo
menos 2,5% que coloca a taxa em valores superiores a 50%.
116.
Não se cumpre o princípio da progressividade simplesmente por haver mais que um
escalão. Por absurdo poderia haver apenas dois. Quando se reduz
significativamente a progressividade, está-se a violar esse princípio
constitucional.
117.
Desta forma, a LOE 2013 abdica da progressividade do imposto e do critério da
capacidade económica na repartição dos impostos.
118.
No caso das deduções à coleta, as alterações verificadas, que eliminam deduções
ou que as colocam em patamares efetivamente simbólicos, não têm em conta as
necessidades dos agregados familiares nem a real capacidade contributiva das
famílias.
119.
Esta questão, do princípio da capacidade contributiva, não é irrelevante como
parâmetro de aferição da constitucionalidade das normas de natureza fiscal.
Segundo o Acórdão n.º 84/2003 do Tribunal Constitucional, o princípio da
capacidade contributiva “exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal
ou tributária na sua vertente de uniformidade - o dever de todos pagarem
impostos segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o
critério unitário de tributação”, critério este, em que a incidência e a
repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica de cada
um.
120.
A criação no artigo 187.º da “sobretaxa em sede de IRS”, assume enorme
gravidade e constitui uma flagrante violação de diversas disposições
constitucionais.
121.
Importa relembrar que esta sobretaxa é criada como uma forma de defraudar a
inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos
'funcionários públicos e reformados, declarada através do Acórdão n.º 353/2012
do Tribunal Constitucional.
122.
Mantendo o corte do subsídio de férias e criando a sobretaxa em sede de IRS, a
LOE 2013 mantém os efeitos das normas declaradas inconstitucionais. Como diz o
povo, pretende fazer entrar pela janela, o que o Tribunal Constitucional não
permitiu que entrasse pela porta.
123.
O artigo 187.º da LOE 2013 configura assim uma violação de caso julgado pelo
Tribunal Constitucional.
124.
Para além disso, esta sobretaxa não tem as características do imposto sobre o
rendimento, tal como a Constituição e o Código do IRS o configuram.
125.
Esta sobretaxa não integra o Código do IRS, tratando-se, de facto, de um novo
imposto sobre o rendimento, sem qualquer progressividade.
126.
A sobretaxa incide na proporção de 3,5% sobre todos os rendimentos. Não
respeita o princípio da progressividade do imposto sobre o rendimento.
127.
As regras de retenção na fonte previstas no artigo 187.º da LOE 2013 diferem
das regras de retenção na fonte do IRS. Existe uma retenção autónoma, existe
uma dedução específica própria e não existe coeficiente conjugal.
128.
Ou seja: estamos perante um novo imposto sobre o rendimento, parcialmente
associado a regras do IRS, mas com outras regras, distintas e autónomas.
Trata-se assim de um novo imposto, que não respeita as regras da unidade e da
progressividade do imposto sobre o rendimento consagradas no artigo 104.º, n.º
1 da Constituição.
129.
Finalmente, a inconstitucionalidade dos artigos 186.º e 187.º da LOE 2013, na
parte em que altera os escalões do IRS e as deduções à coleta e em que cria a
sobretaxa em sede de IRS assume particular evidência quando confrontamos essas
disposições com a tributação dos rendimentos de capital, constantes dos artigos
71.º e 72.º do mesmo Código.
130.
A existência de taxas liberatórias em sede de IRS é contestada pela doutrina
constitucional.
Referem
Gomes Canotilho e Vital Moreira (opág. cit., pág. 1099), que os
requisitos de unicidade e progressividade do imposto sobre o rendimento retiram
base constitucional às taxas liberatórias de determinados rendimentos, e
Eduardo Paz Ferreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada de Jorge
Miranda e Rui Medeiros, refere em anotação ao artigo 104.º da Constituição, que
a existência de taxas liberatórias parece pouco compatível com a natureza
unitária do imposto e com a justiça fiscal.
131.
No entanto, enquanto a tributação dos rendimentos do trabalho e das pensões
assumem níveis confiscatórios, com taxas de IRS superiores a 50% sobre salários
e pensões já substancialmente reduzidos por via de outras disposições da LOE
2013, os rendimentos de capital, juros, dividendos e mais-valias referidos nos
artigos 71.º e 72.º da LOE 2013 são taxados à taxa liberatória única de 28%.
132.
Tendo em atenção o Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional, estamos perante
uma manifesta falta de equidade na repartição dos sacrifícios entre os
rendimentos do trabalho e os rendimentos provenientes de outras fontes, que
contraria o princípio constitucional da igualdade na repartição dos encargos
públicos.
133.
Nestes termos, os signatários requerem a declaração de inconstitucionalidade
dos artigos 186.º (na parte em que altera os artigos 68.º, 71.º, 72.º, 78.º,
85.º e adita o artigo 68.º-A ao Código do IRS) e do artigo 187.º da LOE 2013,
por violação dos artigos 13.º e 104.º. n.º 1 da Constituição e por violação de
caso julgado pelo Tribunal Constitucional.”
4. Pedido
formulado no processo n.º 11/2013
No âmbito do processo n.º 11/2013, foi pedida, pelo
Provedor de Justiça, a apreciação e declaração, com força obrigatória geral,
por violação dos artigos 2.º e 13.º da CRP, da inconstitucionalidade das normas
dos artigos 77.º e 78.º da LOE2013, cujo teor já consta do pedido relativo ao
processo n.º 2/2013.
É a seguinte a fundamentação do pedido:
“1 .°
Pela
Lei n.° 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi aprovado o Orçamento do Estado para o
ano de 2013.
2.°
Na
sistemática desta Lei os preceitos questionados inserem-se no seu Capítulo IIl,
contendo as Disposições relativas a trabalhadores do setor público, aquisição
de serviços, proteção social e aposentação ou reforma, mais concretamente, na
Secção VI, sob a epígrafe “Proteção social e aposentação ou reforma”.
3.º
É o
seguinte o teor das normas impugnadas:
[…]
4.º
O primeiro
preceito citado determina a suspensão do pagamento, ou a redução, conforme os
casos e com o alcance aí fixado, do subsídio de férias ou equivalente de
aposentados e reformados que auferem pensões através do sistema público de
segurança social.
5.º
Repristina
assim para este exercício orçamental, no que à prestação em causa concerne e
ainda que com modelação distinta, uma das medidas consignadas no art.° 25.° da
Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), cujas
normas foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo
Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional.
6.º
Por
seu lado e em cúmulo com a referida medida ablativa (n.° 6 do artigo 77.°
citado), o artigo 78.° sujeita as pensões, bem como outras “prestações
pecuniárias vitalícias devidas a qualquer título” a aposentados e reformados, a
uma contribuição extraordinária de solidariedade, medida de natureza fiscal
que, no plano substantivo, replica, relativamente aos aposentados e reformados
e em razão dessa sua condição, a determinação normativa de redução das
remunerações pagas aos que exercem funções no setor público - artigo 19.° da
Lei n.° 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2011), mantido
em vigor pelos Orçamentos do Estado para 2012 e 2013 (respetivamente, artigos
20.° e 27.° das Leis correspondentes).
7.°
Significa
isto que, sem embargo da referida natureza fiscal (que convoca a aplicação do
princípio da unicidade do imposto sobre o rendimento pessoal), a contribuição
extraordinária de solidariedade, nos moldes ora vigentes, consubstancia uma
autêntica medida de redução de pensões e rendimentos titulados aposentados e
reformados.
8.°
Para
aferição da conformidade constitucional das medidas que dimanam dos preceitos
questionados, estas não podem deixar de ser ponderadas à luz dos princípios da
igualdade, da proteção da confiança dos cidadãos e da proibição do excesso.
9.º
Com
efeito, conforme entendimento que o Tribunal Constitucional teve já ocasião de
expressar, «a proteção dos direitos a prestações sociais já instituídos opera,
no essencial, através dos princípios fundamentais do Estado de Direito
Democrático, tais como a igualdade ou a confiança legítima (...)», tal como
ficou vertido no Acórdão n.º 3/2010 (incidente sobre um conjunto de normas que
tornaram mais exigente o sistema de aposentação dos funcionários públicos,
resultando numa diminuição do nível de proteção anteriormente reconhecido).
10.º
Se
é certo que no Acórdão n.°353/2012 o Tribunal Constitucional declarou a
inconstitucionalidade de medidas análogas por violação do princípio da
igualdade, dispensou-se, por concomitante desnecessidade, de aferir da sua
constitucionalidade face aos princípios da confiança e da proibição do excesso.
Da
violação do princípio da igualdade:
11.°
As
medidas constantes dos preceitos em causa vêm dirigidas a uma categoria bem
determinada de destinatários, a saber, os aposentados e reformados.
12.°
Com
efeito, salvaguardadas em ambas as situações as exceções que legislador autorizou,
as medidas constantes do artigo 77.° têm por destinatários os aposentados e
reformados que auferem pensões através do sistema público de segurança social e
as medidas que dimanam do artigo 78.°, além desse círculo de pessoas, veem o
respetivo âmbito subjetivo enunciado na norma inserta no seu n.º 3, tratando
indistintamente não só pensões de diversa natureza como também outras
“prestações pecuniárias vitalícias” devidas a aposentados e reformados.
13.°
É
sabido que, numa formulação compendiada, de resto bem assente na jurisprudência
do Tribunal Constitucional, o princípio constitucional da igualdade postula que
se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento
diferente para as situações de facto desiguais, não proibindo o mesmo
princípio, em absoluto, as diferenciações, mas apenas aquelas que se afigurem
destituídas de fundamento razoável (proibição do arbítrio).
14.°
Acresce
que, na formulação do Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 353/2012 e
na senda de jurisprudência anterior aí referenciada, «a igualdade jurídica é
sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela
diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A
dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada à razões que
justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva».
15.°
A
esta luz, não se perde de vista o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 396/2011, tendo por objeto normas constantes da Lei do
Orçamento do Estado para 2011 dirigidas aos que exercem funções no setor
público, segundo o qual «quem recebe por verbas públicas não está em posição de
igualdade com os restantes cidadãos, pelo que o sacrifício adicional que é
exigido a essa categoria de pessoas - vinculada que ela está à prossecução do
interesse público - não consubstancia um tratamento injustificadamente
desigual».
16.°
Todavia,
importa não extrapolar o sentido da prossecução do interesse público que recai
sobre «quem recebe por verbas públicas», como habilitação bastante, por
natureza e de per se, para determinadas diferenciações de tratamento, inclusive
num contexto de excecionalidade orçamental como aquele que ora nos afeta.
17.º
Isto
porquanto, sem embargo de a expressão citada não estar necessariamente
confinada ao conceito comum de função pública, se atendermos ao disposto no
artigo 269.°, n.º 1, da Constituição, a subordinação ao interesse público
consubstancia um princípio constitucional que respeita, na sua essência, ao
exercício de determinada função.
18.°
Com
efeito, conforme se expressam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, «a
vinculação exclusiva ao interesse público só afeta os trabalhadores da
Administração pública, quando no exercício das suas funções, não podendo essa
vinculação afetar ou limitar a sua vida privada ou o exercício dos seus
direitos quando fora delas» (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. 11,
4. edição, Coimbra: Wolters Kluwer Portugal, Coimbra Editora, 2010, pág. 840).
19.°
Nesta
linha e com relevo para a matéria a sindicar, atento o tratamento de acentuado
desfavor dado aos aposentados e reformados pelas normas questionadas,
perfila-se, com toda a clarividência, o Acórdão do Tribunal Constitucional n°
72/2002, pronunciado a propósito de norma do Estatuto da Aposentação que
determinava a extinção da situação de aposentado no caso de perda da
nacionalidade portuguesa, quando esta fosse exigida para o exercício do cargo
pelo qual tinha sido concedida a aposentação.
20.°
Assim,
pode ler-se no mencionado aresto o seguinte […]:
No
“estatuto da aposentação” - que é matéria de “função pública” - avulta a sua
dimensão de instrumento e instituto de “segurança social”; o direito à
aposentação é, de algum modo, o direito à segurança social dos funcionários e
agentes da Administração Pública.
E,
nesta perspetiva, deixa de ser decisiva a circunstância de a situação jurídica
dos aposentados incluir elementos do estatuto da função pública, para assumirem
maior relevância outras considerações.
Desde
logo, o facto de o fundamento em que assenta a extinção da situação de
aposentação - deixar o interessado de ser português quando o cargo por ele
exercido e por que adquiriu o estatuto de aposentado exige a nacionalidade
portuguesa não atender à substancial diferença entre a situação de trabalhador
no ativo e a de aposentado.
Com
efeito, no caso, a exigência da nacionalidade portuguesa conexiona-se
intimamente com o efetivo exercício do cargo - é porque neste não predominam
funções técnicas e nele avultam poderes cujo exercício não deve ser atribuído a
não nacionais que a Constituição estabelece a ressalva ao princípio da
equiparação - sendo certo que na situação de aposentado o funcionário fica
definitivamente dispensado do serviço ativo, perdendo, deste modo, sentido que
nela se projetem os condicionamentos impostos ao exercício do cargo e só por
este justificados.
21.°
Resulta,
por conseguinte, em toda a sua clareza, desta passagem do Acórdão n.º 72/2002,
a "substancial diferença entre a situação de trabalhador no ativo e a de
aposentado", não sendo legítimo, sem desvalor para o princípio da
igualdade, confundir-se a situação do servidor público, no plano dos
condicionamentos decorrentes do exercício de funções, com a situação do
aposentado.
22.º
Por
maioria de razão, não pode ser confundida, nesse mesmo plano, a situação do
servidor público com a do reformado do setor privado, este último nunca tendo
detido qualquer vínculo laboral de natureza pública.
23.°
Razão
pela qual, um juízo segundo o qual a vinculação à prossecução do interesse
público de quem recebe por verbas públicas pode, em circunstâncias como as
presentes, justificar quanto a estes - ainda que com limites, como sublinhou o
Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 353/2012 - um esforço adicional, deve
merecer uma ponderação específica no que aos aposentados e reformados concerne,
não lhes sendo aplicável pelos motivos expostos.
24.º
Aliás,
o próprio Tribunal Constitucional não deixou de reconhecer já no Acórdão n.º
353/2012 que «a situação específica dos reformados e aposentados se
diferenci[a] da dos trabalhadores da Administração Pública no ativo, sendo
possível quanto aos primeiros convocar diferentes ordens de considerações no
plano da constitucionalidade (…)»
25.º
Ora,
a esta luz, importa fazer notar que as medidas contestadas denunciam um
"estatuto diminuído" dos aposentados e reformados, acoplando a essa
sua condição - e unicamente em razão da mesma - uma obrigação especial perante
os encargos públicos.
26.º
Esta
situação é tanto mais evidente e gravosa porquanto extravasa as pensões de
reforma ou aposentação recebidas através do sistema público de segurança
social, atento o recorte, no artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado para
2013, da contribuição extraordinária de solidariedade, a qual, nomeadamente no
caso dos fundos de pensões, configura uma tributação específica de determinados
rendimentos de capitais, em termos não aplicáveis à generalidade dos
rendimentos desta categoria.
27.º
Com
efeito, quanto à suspensão/redução, nos termos legislativamente conformados, do
subsídio de férias ou equivalentes pagos por verbas públicas aos reformados e
aposentados, está em causa a ablação, na medida determinada, de uma prestação
complementar que, conforme declarado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
353/2012, assume «a mesma natureza das prestações mensais pagas a estas
pessoas, caracterizadas por uma periodicidade distinta, mas que se integram no
cômputo global anual da pensão». (sublinhado meu)
28.°
De
outro modo dito, as medidas que dimanam do artigo 77.° da Lei do Orçamento do
Estado para 2013, redundam, para os aposentados e reformados abrangidos, numa
amputação do montante anual das respetivas pensões.
29.°
Cumulativamente
com essa "compressão" de rendimentos, os aposentados e reformados,
com a amplitude do alcance definido no n.º 3 do artigo 78.°, são sujeitos,
unicamente por força dessa sua condição, a um corte acrescido das respetivas
pensões e outras prestações equiparadas para o efeito pelo legislador, operado
por via da chamada contribuição extraordinária de solidariedade, a qual
discrimina negativamente as pensões e as prestações abrangidas para efeitos de
tributação, redundando num tratamento fiscal diferenciado do círculo de cidadãos
destinatários.
30.°
Não
se desconhece que no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de
Política Económica consta, no quadro da "política orçamental em
2012", medida expressa com a seguinte formulação: «Reduzir as pensões
acima de 1.500 euros, de acordo com as taxas progressivas aplicadas às
remunerações do setor público a partir de janeiro de 2011, com o objetivo de
obter poupanças de, pelo menos, 445 milhões de euros».
31.°
Para
efeitos da redução das pensões operada por via do artigo 78.° em questão, o
legislador fixou limiar aparentemente distinto (€1350) daquele fixado para a
operatividade da redução remuneratória dos que exercem funções no setor público
(€1500), previsivelmente em vista de, em ambas as situações, ter na sua base um
aproximado rendimento "líquido" (tendo em conta que aqueles que
exercem funções no setor público realizam descontos para os respetivos sistemas
de segurança social, nos quais se integrem), e, por conseguinte, numa lógica de
tendente equiparação no tratamento de situações que, como o Tribunal
Constitucional antecipou, são distintas.
32.º
Estamos,
por conseguinte, perante um "esforço adicional", "em prol da
comunidade" que é pedido, em significativa medida, aos aposentados e
reformados, sobre os quais é ilegítimo, conforme anteriormente aduzido fazer
recair qualquer obrigação qualificada perante os encargos públicos.
33.º
Subsiste,
por conseguinte, quanto a este círculo de cidadãos, uma diferenciação
discriminatória na participação nos encargos com a diminuição com o défice
público, privados que são, por forças das normas objeto do presente pedido, de
parte significativa do seu rendimento, com desvalor, em ultima instância, das
exigências da igualdade proporcional.
34.º
Estas
medidas ablativas são particularmente desproporcionadas e injustas - em
onerosidade agravada pela cumulação das mesmas no contexto mais amplo de
medidas de agravamento fiscal -, carecem de fundamento material bastante,
constitucionalmente ponderoso face ao princípio da igualdade, para justificar o
tratamento de desfavor conferido aos aposentados e reformados, mesmo num quadro
de emergência económica, financeira e orçamental nacional.
35.º
Pelo
que as normas em causa são inconstitucionais. por violação do princípio da
igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição .
Da
violação do princípio da proteção da confiança e da proibição do excesso:
36.º
À
luz das exigências do princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio
do Estado de direito, a determinação, pelo legislador, das medidas ablativas em
causa, não pode também deixar de ser, desde logo, aferida no quadro da
distinção entre direitos em formação e direitos adquiridos.
37.º
Com
efeito, por força dos ditames que inerem aos assinalados princípios
constitucionais, não é idêntico o nível de tutela das expectativas
relativamente a
a)
um trabalhador no ativo durante o período em que efetua as suas contribuições
para o correspondente sistema de segurança social, num quadro legal aberto à
revisibilidade, em comparação com
b)
uma pessoa já aposentada ou reformada em cuja esfera jurídica se consolidou,
por aplicação de um determinado regime legal, a situação de concessão da
aposentação/reforma com o consequente pagamento da respetiva pensão.
38.º
Os
aposentados e reformados veem reduzidas as suas pensões, com lesão de
expectativas legitimamente fundadas quanto à confiança gerada pela
consolidação, no momento da aquisição do estatuto de aposentado/reformado do
direito à pensão, bem como - o que não é despiciendo - da sua adequada
salvaguarda.
39.º
Importa
realçar que a tal acresce não poder auferir o conjunto de destinatários das
normas em causa em princípio, de rendimentos do trabalho, encontrando-se numa
condição que dificilmente permite a reorientação da sua vida com o objetivo de
fazer face a dificuldades acrescidas, designadamente por via de um mais vasto
leque de medidas de austeridade.
40.°
A
situação afigura-se tanto mais injusta, quanto é certo que, no que
especificamente tange à contribuição extraordinária de solidariedade,
destinando-se a mesma a financiar o sistema público de segurança social (n.º 8
do artigo 78.°), como que duplica, no plano substantivo e em certa medida, uma
obrigação contributiva a seu tempo já cumprida e, todavia, agora confrontada
com a correspetiva obrigação prestacional amputada.
41.°
Também
neste plano, a iniquidade é tanto mais acentuada no que diz respeito às
situações abrangidas pelo disposto no artigo 78.° e que se situam fora das
relações contributivas no âmbito do sistema público de segurança social,
tratando igualmente não só pensões de distinta natureza como também outras
"prestações pecuniárias vitalícias devidas a qualquer título" aos
cidadãos visados.
42.º
Acresce
que, sempre numa ponderação sob os parâmetros constitucionais da proteção da
confiança, não podem ser igualmente obnubiladas as específicas obrigações do
Estado em matéria de proteção da terceira idade, estando consagrado no art.º
72.° da Lei Fundamental o direito das pessoas idosas à segurança económica, em
consideração, certamente, da já assinalada situação de maior vulnerabilidade em
que se encontram nessa fase da vida.
43.°
Como
se expressa Rui Medeiros a este respeito (in Jorge Miranda; Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra: Wolters Kluwer
Portugal, Coimbra Editora, 2010, pp. 1404-1405):
embora
velhice e reforma não sejam sinónimos, não se pode olvidar que a passagem à situação
de reforma e a dependência do sistema de pensões constituem frequentemente, um
importante fator de vulnerabilização e de precarização da vida das pessoas
idosas (Heloísa Perista, Usos do tempo, ciclo de vida e vivências da velhice,
págs. 170-171). O direito à segurança económica que a Constituição
assim autonomiza tem plena justificação, embora deva ser conjugado com o
direito fundamental à segurança social das pessoas idosas (...) e constitua,
nessa medida, uma incumbência do Estado. O núcleo essencial do dever de
proporcionar segurança económica aos idosos, que se extrai do artigo 72.º, n.º
1, tem assim em vista as pensões pagas pelo sistema de segurança social que ao
Estado cumpre organizar e manter (...).
44.º
Em
consideração do que antecede, a frustração de expectativas legítimas que para o
círculo dos aposentados e reformados decorre da aplicação do teor dos citados
artigos 77.º e 78.º não se afigura constitucionalmente tolerável em vista dos
parâmetros valorativos decorrentes do princípio da proteção da confiança,
atendendo à "situação específica" das pessoas que integram o referido
círculo e à proteção acrescida que lhes é devida, mesmo que em face de um
interesse público de realização imperativa e do caráter transitório das medidas
ablativas.
45º
Acresce
que, no plano das exigências de proporcionalidade, no quadro da necessária
articulação entre o princípio da proteção da confiança e o princípio da
proibição do excesso, as soluções normativas impugnadas, na sua aplicação
cumulativa, vão para além dos "limites de razoabilidade e de justa
medida".
46º.
Com
efeito, atentos a especificidade da situação dos aposentados e reformados
afetados pelas medidas ablativas em questão e o cúmulo de sacrifício que as
mesmas carregam, sobressai aqui a intensidade da afetação dos respetivos
interesses e expectativas legítimas, estando em causa «reduções significativas,
capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas
vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos (...)», para me socorrer
de expressão constante do Acórdão n.º 396/2011 do Tribunal Constitucional.
47.º
A
excessiva onerosidade revelada pelos montantes pecuniários que os aposentados e
reformados visados perdem não é despicienda, estando em causa perdas
significativas para os patrimónios dos cidadãos atingidos em termos que
acarretam a "frustração do «investimento na confiança»",
sobressaindo, outrossim, o desvalor das medidas questionadas à luz de uma
aplicação articulada dos princípios da proibição do excesso e da proteção da
confiança.
48.º
Assim
sendo, estamos perante a afetação, com elevado grau de intensidade, de uma
posição de confiança das pessoas especificamente visadas, constitucionalmente
desconforme, afigurando-se a mesma desproporcionada pelo excessivo acréscimo de
sacrifício e pela medida de esforço exigidos a este círculo determinado de
cidadãos.
49.º
Pelo
que as normas em causa são ainda inconstitucionais, por violação dos princípios
da proteção da confiança e da proibição do excesso, ambos subprincípios densificadores
do princípio do Estado de direito acolhido no artigo 2.º da Constituição”.
Notificado para se pronunciar, querendo, sobre os
pedidos e a solicitação do requerente no Processo n.º 8/2013 de atribuição de
prioridade para a apreciação e decisão, o autor da norma, em resposta, ofereceu
o merecimento dos autos e deu a sua concordância à pretendida atribuição de
prioridade.
Por despacho do Presidente do Tribunal foi ordenada a
incorporação de todos processos e conferida prioridade à sua apreciação e
decisão.
Foram apensos por linha uma nota explicativa de
reflexão sobre as questões financeiras e jurídicas implicadas e quatro
pareceres de jurisconsultos, que foram enviados ao Tribunal por iniciativa do
proponente da norma, bem como dois pareceres enviados pelo Provedor de Justiça.
Elaborado o memorando a que alude o artigo 63º, n.º 1,
da Lei do Tribunal Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe
decidir.
II – Fundamentação
A. Enquadramento preambular e descrição geral das
medidas de consolidação orçamental previstas na Lei n.º 66-B/2012
1.
De acordo com o enquadramento constante do Relatório que acompanhou a Lei do
Orçamento de Estado para 2013, o conjunto das normas impugnadas inscreve-se no
âmbito da concretização de uma orientação estratégica comprometida com o
prosseguimento do esforço de consolidação orçamental previsto no Programa de
Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) acordado entre o Governo português e
o FMI, a Comissão Europeia e o BCE, nos termos do qual os limites quantitativos
para o défice orçamental em 2012, 2013 e 2014, apesar de inicialmente fixados
em 4,5%, 3,0% e 2,3%, respetivamente, foram revistos para 5%, 4,5% e 2,5%.
Segundo
o Governo, «[a] revisão dos limites para o défice orçamental é justificada pelo
diferente padrão do processo de ajustamento. Em particular verificou-se uma
queda mais acentuada na procura interna, compensada parcialmente por uma maior
contribuição das exportações líquidas para a atividade económica. Ao mesmo
tempo verificou-se uma queda mais acentuada da massa salarial. Estes
desenvolvimentos acentuaram os efeitos dos estabilizadores automáticos,
reduzindo as receitas fiscais (em 1,6 pp. do PIB) e as contribuições para a
segurança social (em 0,4 pp.) e aumentando as despesas com o subsídio de
desemprego (em 0,2 pp.).» (Relatório do OE2013, pág. 42).
Ainda
de acordo com a mesma fonte, «[o]s novos limites são consistentes com a
necessária consolidação orçamental e têm por base o reconhecimento que o
cumprimento dos anteriores limites só seria possível com custos económicos e
sociais excessivamente elevados» (Relatório do OE2013, pág. 42).
Apresentado
como “um exercício particularmente difícil” (Relatório do OE2013, pág. 45), o
Orçamento do Estado para 2013, em especial as medidas suplementares de
contenção orçamental no mesmo previstas, foi elaborado tendo em vista respeitar
o limite de 4,5% do PIB para o défice orçamental”, respondendo por essa via à
«necessidade imperiosa de continuar o processo de acumulação de credibilidade e
confiança junto dos credores, bem como de honrar os compromissos internacionais
assumidos pelo Estado Português e, bem assim, de salvaguardar a realização das
suas tarefas fundamentais perante os seus cidadãos» (Relatório do OE2013, pág.
39).
Tais
medidas de consolidação orçamental têm uma natureza heterogénea, contemplando
intervenções, quer pelo lado da receita, quer pelo lado da despesa. De acordo
com a estimativa avançada pelo Governo, terão um efeito agregado de valor
correspondente a 3,2% do PIB.
Entretanto,
na sequência da sétima revisão regular do programa de Assistência Económica e
Financeira os limites quantitativos para o défice orçamental em 2013, 2014 e
2015 foram revistos, respetivamente, para 5,5%, 4% e 2,5%.
2.
As medidas adotadas pelo lado da receita, cujo impacto orçamental estimado
ascende a 4.312,4 milhões de euro, correspondente a 2,6% do PIB (Quadro II.3.1,
pág. 47 do citado relatório), «visam promover maior igualdade na distribuição
do impacto das medidas de austeridade entre os diversos setores da sociedade
portuguesa de forma a garantir que os contribuintes que revelam uma maior
capacidade contributiva suportarão, na medida dessa capacidade, um esforço
acrescido no esforço de consolidação (…), distribuído este equitativamente pelo
“i) setor público e setor privado, por um lado; e pelos ii) titulares de
rendimentos do trabalho e rendimentos de capital e da propriedade, por outro»
(Relatório do OE2013, pág. 60).
Tais
medidas, com base nas quais a previsão da receita fiscal para 2013 foi estimada
no valor de M€ 35.947,7 – representando um acréscimo de 10,2% face à estimativa
de execução da receita fiscal para 2012 (Relatório do OE2013, pág. 95) – são,
entre outras, as seguintes:
(i)
Medidas relativas ao Imposto sobre o
Rendimento das Pessoas Singulares, concretizadas nas alterações ao respetivo
Código introduzidas pelo artigo 186.º da Lei n.º 66-B/2012, contemplando estas
a alteração da estrutura de taxas e de escalões do IRS, a introdução de uma
sobretaxa de 3,5% – inicialmente perspetivada, de acordo com a versão constante
da Proposta de Lei n.º 103/XII, em 4% –, a manutenção da taxa adicional de
solidariedade ao último escalão de rendimentos e o agravamento para 28% da taxa
liberatória aplicável aos rendimentos de capital, designadamente juros e
dividendos, e às mais-valias em partes de capital e outros valores mobiliários,
o que suporta a estimativa de que a receita proveniente do IRS venha a
situar-se no valor de 12.066,3 milhões de euro, correspondente a uma variação
de 30,7% relativamente à receita prevista para 2012 e a aproximadamente 32,74%
da previsão global da receita fiscal para 2013 (cf. Relatório do OE2013, Quadro
III.1.5., pág. 95), ainda que com a afetação resultante do abaixamento final da
sobretaxa referida;
(ii)
Medidas relativas ao Imposto sobre o
Rendimento das Pessoas Coletivas, incluindo a manutenção de uma taxa adicional,
a título de derrama estadual, de 3% sobre os lucros superiores a €1,5 M, e o
abaixamento de €10M para €7,5M do limite a partir do qual o lucro tributável
fica sujeito à aplicação de uma taxa adicional de 5% (Relatório do OE 2013,
pág. 61), determinados no âmbito das alterações ao Código do IRC introduzidas
pelo artigo 191.º da Lei n.º 66-B/2012, as quais suportam a estimativa de que a
receita líquida em sede de IRC venha a situar-se em M€4.559,5, o que representa
um crescimento de 3,9% face à receita homóloga prevista para 2012 e corresponde
a cerca de 12,68% da previsão global da receita fiscal para 2013 (cf. Relatório
do OE2013, Quadro III.1.5., pág. 95)
(iii) Medidas relativas ao Imposto de Selo, as quais,
associando-se ao impacto resultante da sujeição dos imóveis habitacionais de
valor igual superior a 1 milhão de euros à taxa agravada de 1%, em sede de
Imposto do Selo, resultante das alterações introduzidas pelo artigo 4.º da Lei
n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, incluem a criação de uma nova taxa de 20%
sobre os prémios dos jogos sociais do Estado superiores a 5.000 euro,
determinada pelo artigo 206.º da Lei n.º 66-B/2012, bem como a autorização
legislativa para a criação de um imposto sujeito a uma taxa máxima de 0,3%
sobre a generalidade das transações financeiras que tenham lugar em mercado
secundário, resultante do artigo 239.º da mesma Lei, suportando a estimativa de
um acréscimo de 15,4% face à receita homóloga prevista para 2012 (Relatório do
OE2013, pág. 95).
(iv) Medidas relativas a outros impostos indiretos,
como o Imposto sobre o Valor Acrescentado (artigo 195.º da Lei n.º 66-B/2012),
o Imposto de Consumo sobre o Tabaco (artigo 207.º da Lei n.º 66-B/2012) e o
Imposto sobre Bebidas Alcoólicas (artigo 207.º da Lei n.º 66-B/2012), cujo
acréscimo estimado em face da receita homóloga prevista para 2012 é de 2,2%,
2,7% e 1,6%, respetivamente (Relatório do OE2013, págs. 95 e 97).
3.
Do lado da despesa, o esforço de consolidação orçamental concretiza-se na
adoção de medidas que totalizam aproximadamente 2.700 milhões de euro
(Relatório do OE2013, pág. 135) – 1.700 dos quais se estima serem absorvidos
pelo aumento de despesa face ao exercício de 2012 decorrente da reposição
parcial de subsídios aos funcionários públicos e pensionistas –, representando
uma diminuição estimada de 0,6% do PIB face ao exercício anterior (Relatório do
OE2013, Quadro II.3.1, pág.47), entre as quais se incluem as seguintes:
(i)
Manutenção do congelamento nominal de
remunerações para os trabalhadores das administrações públicas e do setor
empresarial do Estado, bem como dos titulares de cargos políticos e outros
altos cargos públicos, através da reprodução das seguintes medidas, constantes
dos Orçamentos de 2011 e 2012:
a.
– manutenção das reduções entre 3,5% e
10% para salários superiores a 1500 euro/mês (artigo 27.º da Lei n.º
66-B/2012);
b.
– proibição, como regra geral, de
quaisquer valorizações remuneratórias decorrentes de promoções ou progressões
(artigo 35.º da Lei n.º 66-B/2012);
c.
– proibição de atribuição de prémios de
gestão aos gestores de empresas públicas, entidades reguladoras e institutos públicos
(artigo 37.º da Lei n.º 66-B/2012).
(ii) Suspensão do pagamento do subsídio de férias ou
equivalente nos termos que vigoraram em 2012 (artigo 29.º da Lei n.º
66-B/2012).
(iii)
Redução anual de efetivos em 2%, com impacto estimado de redução da despesa em
0,2% do PIB, em valores brutos face ao ano anterior (€330 M) - Relatório do OE
2013, págs. 47 e 49.
(iv) Outras medidas de racionalização dos
custos com pessoal para redução da despesa no valor estimado de €249M (Relatório do OE 2013, pág.
50), contemplando a:
a.
Redução do número de contratos de
trabalho a termo resolutivo (artigo 59.º da Lei n.º 66-B/2012).
b.
Alteração das regras de atribuição do
abono de ajudas de custo nas deslocações em serviço (alteração ao Decreto-Lei
n.º 106/98, de 24 de abril, introduzida pelo artigo 41.º da Lei n.º 66-B/2012)
da redução de subsídio de residência/habitação atribuído a titulares de cargos
públicos (alteração ao Decreto-Lei n.º 72/80, de 15 de abril, introduzida pelo
artigo 43.º da Lei n.º 66-B/2012), com a consequente redução dos valores
atualmente previstos.
c.
Redução em 50% do valor das subvenções
pagas aos trabalhadores que, no âmbito da mobilidade especial, se encontram de
licença extraordinária (artigo 34.º da Lei n.º 66-B/2012);
d.
Redução adicional na compensação sobre o
valor do pagamento do trabalho extraordinário em dia normal de trabalho,
aplicável aos trabalhadores cujo período normal de trabalho não exceda as sete
horas por dia ou as trinta e cinco horas por semana, equivalente a 12,5 % da
remuneração na primeira hora e a 18,75% da remuneração nas horas ou frações
subsequentes (artigo 45.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012) e a redução para 25% do
valor do acréscimo remuneratório devido por cada hora de trabalho extraordinário
prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou
complementar, e em dia feriado (artigo 45.º, n.º 2, da Lei n.º
66-B/2012)
(v) Medidas no âmbito da proteção social e
aposentação ou reforma, contemplando:
a.
Alteração das regras relativas à atribuição do subsídio de doença no âmbito do
Regime de Proteção Social Convergente, através do não pagamento de baixas até 3
dias e a redução de 10% na remuneração base diária (sem possibilidade de
reembolso) para baixas médicas a partir do 4.º até ao 30.º dia (alteração ao
Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, introduzida pelo artigo 76.º da Lei n.º
66-B/2012);
a.
Fixação em 65 anos da idade de
aposentação estabelecida no regime geral do Estatuto da Aposentação (artigo
81.º da Lei n.º 66-B/2012).
b. Instituição de uma contribuição
adicional sobre pensões (Contribuição Extraordinária de Solidariedade – CES)
entre 3,5% e 10% para pensões mensais a partir de €1.350 (artigo 78.º da Lei
n.º 66-B/2012).
c. Suspensão de 90% do pagamento do subsídio de
férias ou equivalente a aposentados e reformados cuja
pensão mensal seja superior a €1100 (artigo 77.º da Lei
n.º 66-B/2012);
(v) Agravamento em 50% da redução de
transferências a conceder às Fundações identificadas na Resolução do Conselho de
Ministros n.º 79-A/2012, de 25 de setembro, e proibição da realização de quaisquer transferências para
as fundações que não acederam ao censo desenvolvido em
execução do disposto na Lei n.º 1/2012, de 3 de janeiro, ou cujas informações incompletas ou erradas impossibilitaram a respetiva avaliação (artigo 14.º da Lei n.º
66-B/2012);
(vi) Compromisso para a redução de encargos nas parcerias público-privadas do setor rodoviário no valor expectável em 2013 de
30 % face ao valor originalmente contratado (artigo 143.º da Lei n.º
66-B/2012);
(vii) Medidas para a redução dos
custos operacionais no âmbito do setor empresarial do Estado, contemplando a:
a.
Redução no seu conjunto, no mínimo, em 3%
do número de trabalhadores face aos existentes em 31 de dezembro de 2012, com
exceção dos hospitais, E.P.E. (artigo 63.º da Lei n.º 66-B/2012).
Na
medida em que o cálculo do impacto orçamental é aferido face ao ano de 2012, a
suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalente aos funcionários
públicos e a suspensão do pagamento de 90% do subsídio de férias aos
pensionistas não são contabilizadas como medidas de poupança do lado da
despesa, sendo antes descontado do total de medidas do lado da despesa o
montante correspondente à reposição do subsídio de Natal ou equivalente aos
funcionários públicos e pensionistas (no valor de 1.673,5 milhões de euro),
obtendo-se uma diminuição da despesa de apenas 1.025,6 milhões de euros
(Relatório do OE2013, Quadro II.3.1., pág. 47).
4.
O último dado relevante para o enquadramento das medidas consagradas nas normas
impugnadas diz respeito aos pressupostos com base nos quais foi definida a
estratégia orçamental do Governo concretizada na Lei n.º 66-B/2012.
De acordo
com o Relatório da Lei do Orçamento de Estado, o cenário macroeconómico para
2013 prevê uma contração do PIB em 1% em média anual, valor que, por um lado,
aponta para uma inversão da tendência registada desde 2011 – no ano de 2011
verificou-se uma contração do PIB em 1,7%, sendo estimada em 2012 uma contração
do crescimento económico em 3% – e, por outro, reflete as características de
ajustamento da economia portuguesa verificadas em anos anteriores, na medida em
que se prevê uma contração adicional do consumo privado de 2,2%, associada à
taxa de desemprego estimada de 16,4%, bem como à redução do rendimento
disponível das famílias (Relatório do OE2013, págs. 24-25).
Entretanto,
há já outros indicadores que revelam um agravamento destes dados, que permitem
situar a contração do PIB em 2,3% em média anual, a contração adicional do
consumo privado em 3,5%, e a atual taxa de desemprego em 18,2%.
B.
Normas que estabelecem a manutenção da redução remuneratória e suspendem total
ou parcialmente o pagamento do subsídio de férias ou equivalente (artigos 27º e
29º)
1.
Enquadramento
5.
A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para
2013, determina, no seu artigo 27.º, n.º 1, que a «partir de 1 de janeiro de
2013 mantém-se a redução das remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas
a que se refere o n.º 9, de valor superior a €1500, quer estejam em exercício
de funções naquela data quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois
dela, conforme determinado no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de
dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30
de novembro, e mantido em vigor pelo n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 64
-B/2011, de 30 de dezembro, alterada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio»,
redução essa que será de: «a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações
superiores a €1500 e inferiores a € 2000; b) 3,5 % sobre o valor de €2000
acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os €2000,
perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5% e 10%, no caso das remunerações
iguais ou superiores a €2000 até €4165; c) 10 % sobre o valor total das
remunerações superiores a €4165».
Através
desta norma, a Lei n.º 66-B/2012 faz transitar para o ano de 2013 o regime
instituído pelo artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do
Orçamento de Estado para 2011) e já transposta para o ano de 2012 pelo artigo
20.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para
2012), assim operando uma redução, entre 3,5% e 10%, em função do respetivo
montante, das remunerações superiores a €1.500 que devam ser pagas, através de
dinheiros públicos, a um amplo universo de sujeitos no qual se incluem os
titulares de órgãos de soberania, dos demais órgãos constitucionais e de cargos
públicos, os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, os
gestores públicos e equiparados, e os trabalhadores na Administração central,
regional e local do Estado, bem como em empresas, fundações e estabelecimentos públicos.
Em
relação às normas pretéritas suas congéneres – isto é, ao disposto nos n.ºs 1,
2 e 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e no n.º 1 do
artigo 20.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro -, a disposição constante
do artigo 27.º não contém qualquer modificação relevante da regra aplicável, o
que permite concluir que a redução remuneratória imposta aos trabalhadores do
setor público persistirá em 2013 sem qualquer modificação objetiva ou
subjetiva. Não há qualquer compressão ou ampliação dos coeficientes legais,
mínimo e máximo, aplicáveis e/ou dos montantes remuneratórios a que os mesmos
se encontram indexados, nem limitação ou expansão do universo de sujeitos
abrangidos pela medida, com exceção da eliminação da referência expressa aos
governadores e vice-governadores civis constante da alínea j) do n.º 9 do
artigo Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, o que resulta da transferência de
competências dos governos civis para outras entidades da Administração Pública,
determinada pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro.
Deste
ponto de vista, o alcance do artigo 27.º da Lei n.º 66-B/2012 consistirá na
imposição às pessoas que auferem rendimentos salariais no âmbito do setor
público, pelo terceiro ano consecutivo, da redução remuneratória que vigorou
nos anos de 2011 e 2012, nos exatos termos em que a mesma foi fixada e vigorou,
em qualquer um desses anos.
6.
A par da manutenção da redução nas remunerações introduzida pela Lei n.º 55-A/2010,
de 31 de dezembro, a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, determina, no seu
artigo 29.º, n.º 1, que durante «a vigência do PAEF, como medida excecional de
estabilidade orçamental é suspenso o pagamento do subsídio de férias ou
quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês às pessoas a que se refere o
n.º 9 do artigo 27.º, cuja remuneração base mensal seja superior a €1100».
O
n.º 2 deste artigo estabelece, por sua vez, que “[a]s pessoas a que se refere o
n.º 9 do artigo 27.º, cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a
€600 e não exceda o valor de €1100 ficam sujeitas a uma redução no subsídio de
férias ou nas prestações correspondentes ao 14.º mês, auferindo o montante
calculado nos seguintes termos: subsídio/prestações = 1320 - 1,2 x remuneração
base mensal”.
Nos
termos destas disposições legais, determina-se a suspensão total ou parcial do
pagamento do subsídio de férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º
mês para pessoas que auferem remunerações salariais de entidades públicas –
cujo universo é feito expressamente coincidir com o dos titulares de
retribuições sujeitas à redução determinada pelo artigo 27.º da mesma lei –,
estabelecendo-se que tal medida visa aplicar-se durante o período de vigência
do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado pelo Estado
Português com o Fundo Monetário Internacional e as instituições competentes da
União Europeia.
Ressalta
destas normas que, apesar de impor aos trabalhadores do setor público, pelo
segundo ano consecutivo, a suspensão total ou parcial do pagamento do subsídio
de férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês iniciada com Lei
n.º 64-B/2011, a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, ao contrário daquela,
não prevê a concomitante suspensão do subsídio de Natal ou quaisquer prestações
correspondentes ao 13.º mês, o qual, nos termos do artigo 28.º da Lei n.º
66-B/2012, de 31 de dezembro, será pago em duodécimos.
7.
A suspensão total ou parcial do pagamento do subsídio de férias ou quaisquer
prestações correspondentes ao 14.º mês aos trabalhadores do setor público é
determinada nos termos em que foi fixada para o ano de 2012 pelo artigo 21.º da
Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, persistindo estruturada a partir de uma
diferenciação baseada em dois níveis de rendimento:
-
para os rendimentos mensais ilíquidos entre €600 e €1.100, o legislador manteve
a fórmula "subsídios/prestações = 1320 – 1,2 X remuneração base
mensal", já anteriormente prevista no artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro;
-
para os rendimentos mensais superiores a €1.100, encontra-se prevista a ablação
da totalidade do subsídio de férias ou equivalente, nos termos e na medida em
que a mesma fora determinada para o ano de 2012 pelo n.º 1 do artigo 21.º, da
Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.
8.
De acordo com o artigo 31.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a redução
remuneratória e a suspensão total ou parcial do pagamento do subsídio de férias
ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês determinadas nos artigos
27.º e 29.º do mesmo diploma, respetivamente, é ainda aplicável aos valores
pagos por contratos que visem o desenvolvimento de atividades de docência ou de
investigação e que sejam financiados por entidades privadas, pelo Programa
Quadro de Investigação e Desenvolvimento da União Europeia ou por instituições
estrangeiras ou internacionais, exclusivamente na parte financiada por fundos
nacionais do Orçamento do Estado.
Apesar
de a inconstitucionalidade do artigo 31.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro, ser concomitantemente invocada pelos requerentes do pedido que deu
origem ao Processo n.º 8/2013, trata-se, de acordo com os fundamentos em que
assenta, de uma inconstitucionalidade meramente consequencial, no sentido em
que, de acordo com a perspetiva seguida, será determinada, direta e
exclusivamente, pela natureza remissiva da norma impugnada.
Trata-se,
portanto, de um vício que reside, não na opção de estender o regime definido
nos artigos 27.º e 29.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, ao universo
caracterizado no artigo 31.º do mesmo diploma, em razão da respetiva natureza
ou especificidade, mas do efeito que a inconstitucionalidade daquele regime
projetará sobre a validade constitucional da norma que para ele remete.
Por
essa razão, não deverá ser objeto de tratamento autónomo.
2.
Âmbito temporal de vigência
9. Enquanto que a norma constante do artigo 27.º, n.º
1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (relativa às reduções salariais), à
semelhança do que sucedeu com as correspondentes normas dos artigos 19.º e 20.º
das Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011)
e 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012),
respetivamente, não especifica o termo final do período a que destina a
aplicação da redução das remunerações totais ilíquidas mensais de valor
superior a €1500 aos trabalhadores do setor público, a norma inserta no artigo
29.º, n.º 1, da mesma Lei, tal como a que constava do artigo 21.º da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro (relativa à supressão do subsídio de férias), para
além de assumirem expressamente a natureza “excecional” e o caráter
“orçamental” das medidas nelas previstas, definem o seu âmbito temporal de vigência,
fazendo-o coincidir com o da vigência do PAEF.
A questão relativa à determinação do período de
vigência de normas inseridas em leis orçamentais que, acompanhadas ou não de um
elemento delimitador do respetivo âmbito temporal de vigência, afetam o valor
da remuneração dos trabalhadores do setor público não é nova, tendo começado
por colocar-se no âmbito da fiscalização da constitucionalidade do artigo 19.º
da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2011), que
determinou, pela primeira vez, a redução dos vencimentos mensais, pagos por
dinheiros públicos, superiores a €1500, entre 3,5% e 10%, consoante o seu
montante.
Quanto a saber se as reduções impostas pelo artigo
19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, operavam a título definitivo ou a
título meramente transitório, o acórdão n.º 396/2011, que se pronunciou sobre
essa disposição, recusou extrair da ausência de uma cláusula de temporalidade
uma conclusão favorável à definitividade da medida, tomando por base a natureza
das normas em causa e os preceitos constitucionais relativos à vigência das
leis do Orçamento.
Segundo foi então afirmado, apesar de “não
consist[irem] numa mera inscrição de verbas, em normas de aprovação dos mapas
de receitas e despesas” e se poderem suscitar por isso “dúvidas quanto à sua
natureza especificamente orçamental”, as normas então impugnadas
“apresenta[vam] uma imediata incidência financeira, já que visa[vam]
diretamente reduzir o valor das despesas inscritas no orçamento para o ano a que
respeita”, não podendo ser por isso consideradas cavaliers budgétaires.
Tendo por dificilmente sustentável a perspetiva
segundo a qual essas normas regulariam, afinal, «matéria alheia à função específica
e mais estrita do orçamento, enquanto instrumento de programação anual
económico-financeira da atividade do Estado», o Tribunal assumiu o entendimento
de que se tratava de disposições que tinham a função de dar «suporte normativo
a uma dada previsão de despesas, e sendo a sua aplicação indispensável à sua
correta execução, elas repercut[iam-se] diretamente no próprio quadro
contabilístico do orçamento, integrando-se substancialmente neste diploma, como
sua componente essencial».
Concluiu-se, assim, que as normas constantes do artigo
19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, na medida em que “não se
projeta[vam], com independência, para fora da aprovação e execução do Orçamento
do Estado”, tinham “caráter orçamental”, pelo que, «por força de regra
constitucional (artigo 106.º, n.º 1, da Constituição)”, não poderiam gozar
senão de vigência anual, o que tornava desnecessária a determinação autónoma do
“termo final da sua vigência”, pois este encontrar-se-ia «definido
constitucional e legislativamente (artigo 4.º, n.º 1, da Lei de enquadramento
orçamental – Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação da Lei n.º 48/2004,
de 24 de agosto)».
Apesar de assim concluir, o Tribunal considerou,
todavia, não poder «ignorar-se que as reduções remuneratórias estabelecidas na
Lei do Orçamento do Estado de 2011 t[inham] como objetivo final a diminuição do
défice orçamental para um valor precisamente quantificado, respeitador do
limite estabelecido pela União Europeia, no quadro das regras da união
económica e monetária», para que “fo[ra] estabelecida uma calendarização por
etapas anuais”, prevendo-se para 2013 a “satisfação plena de tal objetivo”.
No contexto descrito, poderia dizer-se que «as medidas
de diminuição da despesa pública inscritas no Orçamento de 2011 mais não
representa[riam] do que uma parcela, uma fase, de um programa cuja realização
integral se estende[ria] por um horizonte temporal mais alargado».
Porém, na medida em que o legislador não optara “por
estabelecer expressamente para as reduções remuneratórias uma vigência
correspondente à do PEC (2010-2013)”, aquele dado “não invalida[ria] a
conclusão de que elas vigorar[iam] segundo a sua natureza de medidas de caráter
orçamental” –, isto é, com base num princípio de anualidade –, apenas levando
«a dar como praticamente certa, porque necessária para o cumprimento das
vinculações assumidas, a repetição de medidas de idêntico sentido, para vigorar
nos anos correspondentes aos da execução do programa que as justifica e em que
se integram, ou seja, até 2013».
De qualquer forma, segundo o Tribunal, esta prognose,
a ser tida em conta, «apenas pode[ria] fundar a conclusão de que estas medidas
ter[iam] uma duração plurianual, sem pôr em causa o seu caráter transitório, de
acordo com a sua razão de ser e natureza, de resposta normativa a uma
conjuntura excecional, que se pretende corrigir, com urgência e em prazo o mais
breve possível, para padrões de normalidade».
10. Embora em termos não inteiramente coincidentes, o
problema relativo à determinação do âmbito temporal de vigência das normas que
afetam o valor da remuneração dos trabalhadores do setor público inscritas em
leis orçamentais voltou a colocar-se no âmbito da fiscalização da
constitucionalidade do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei
do Orçamento de Estado para 2012), que determinou, no respetivo n.º 1, a
suspensão “durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira
(PAEF), como medida excecional de estabilidade orçamental” do pagamento de
subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º
e/ou 14.º meses aos trabalhadores do setor público cuja remuneração base mensal
seja superior a €1.100.
Neste caso, decidido pelo acórdão n.º 353/2012, a
questão colocada consistiu em saber se a inscrição daquela medida numa lei
orçamental determinaria a sujeição do respetivo âmbito temporal de vigência aos
limites para esta legal e constitucionalmente fixados, ou se, pelo contrário,
tal âmbito deveria ser estabelecido a partir da cláusula de temporalidade
inserta na própria norma do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de
dezembro, hipótese em que passaria a contemplar, não apenas o ano de 2012, mas
também os de 2013 e 2014, por ser esse o período de vigência do PAEF.
Tendo prevalecido este último entendimento, o Tribunal
considerou então que «como os artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30
de dezembro, remet[iam] para o período de vigência do PAEF, a duração da
suspensão de pagamentos neles decretada, tal medida não pod[eria] deixar de
ter, pelo menos, a duração de 3 anos, abrangendo os anos de 2012, 2013 e 2014».
11. Atenta, desde logo, a coincidente estrutura
temporal das normas constantes dos artigos 27.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012,
de 31 de dezembro, e 19.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, por
um lado, e dos artigos 29.º, n.º1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e
21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, por outro, não há razão para
divergir do juízo sobre a temporalidade das medidas impugnadas subjacente aos
julgamentos efetuados através dos Acórdãos n.º 396/2011 e 353/2012.
A limitação ao ano de 2011 do âmbito temporal de
vigência da redução salarial, sem indicação de qualquer termo final,
determinada pelo artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro,
tal como normativamente a perspetivou o Acórdão n.º 396/2011, encontra-se
implicitamente assumida e confirmada pela opção de renovar, primeiro no artigo
20.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e agora no artigo 27.º, n.º 1, da
Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a norma que impôs aquele efeito. De
facto, se tal norma tivesse consagrado a título definitivo a redução das
remunerações dos trabalhadores do setor público superiores a €1.500, aquela
renovação apresentar-se-ia, não só desnecessária, como até mesmo contraditória,
já que, neste caso, a simples inércia do legislador seria suficiente para
assegurar a manutenção da redução salarial aos trabalhadores do setor público
para os anos de 2012 e 2013.
Embora a consecutividade da medida consistente na
redução das remunerações dos trabalhadores do setor público superiores a €1.500
constitua, por isso, apenas o resultado da reprodução do regime instituído no
19.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, primeiro pelo artigo 20.º
da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e agora pelo artigo 27.º da Lei n.º
66-B/2012, a respetiva propensão plurianual, baseada na calendarização dos
objetivos orçamentais a cujo prosseguimento a mesma se encontrava já então funcionalizada,
não deixou de ser caracterizada no Acórdão n.º 396/2011, que a considerou
compatível com a natureza transitória da afetação imposta.
Apesar de a plurianualidade da redução das
remunerações dos trabalhadores do setor público se tornar agora, senão
prospetiva, pelo menos retrospetivamente mais evidente, persistem as razões
que, no contexto normativo subjacente ao 19.º, n.º1, da Lei n.º 55-A/2010, de
31 de dezembro, conduziram o Tribunal a não pôr em causa o seu caráter
transitório e temporário
Considerado o respetivo enquadramento orçamental, tal
caráter continua a resultar com clareza da circunstância de se tratar de uma
medida inscrita na estratégia de consolidação orçamental, através da redução da
despesa, tendo em vista o cumprimento dos limites quantitativos para o défice
(Relatório, págs. 46 e 48).
Pode concluir-se, assim, que as distintas opções
legislativas, quanto à indicação de um termo final para a redução de
remunerações, por um lado, e a suspensão de subsídios, por outro, não inviabilizam
a qualificação unitária, que a ambas abrange, de medidas com caráter
transitório. Apenas, no segundo caso, ficou normativamente expressa uma duração
correspondente à do PAEF, o que, de todo o modo, como adiante veremos, não
dispensa, para dar essa vigência temporal à suspensão, a renovação da medida em
cada orçamento desse período, dada a regra da anualidade orçamental – exigência
exatamente coincidente com a que se submete a redução de remunerações, para
obter aplicação plurianual.
Nada de substancial distingue, pois, quanto a este
ponto, os dois regimes, apresentando eles de comum uma vigência temporária, não
definitiva – a característica que foi tida em conta nos acórdãos n.ºs 396/2011
e 353/2012 e é verdadeiramente relevante, como fator de valoração.
C. Questões de constitucionalidade comuns às normas
dos artigos 27º e 29º
12. No Processo n.º 2/2013, o requerente
suscitou a inconstitucionalidade da norma do artigo 29º da Lei do Orçamento do
Estado para 2013 com base na violação do princípio da capacidade contributiva e
do princípio da igualdade proporcional. Relativamente à mesma norma, os
requerentes no Processo n.º 5/2013, invocaram, além da desconformidade com o
princípio da igualdade perante os encargos públicos e o princípio da proporcionalidade,
a infração ao princípio da proteção da confiança e ao princípio da anualidade
do orçamento, a que se refere o artigo 106º, n.º 1, da Constituição.
Os requerentes no Processo n.º 8/2013 alargaram o
pedido também à norma do artigo 27º, e imputaram conjuntamente às duas
disposições um juízo de inconstitucionalidade por violação do respeito pelo
princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.º da
Constituição; por violação do princípio da confiança enquanto elemento estruturante
do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º; por violação do
princípio da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional
consagrado no artigo 13.º; por violação do direito à contratação coletiva
consagrado no artigo 56.º, n.º 3; por violação do direito ao salário consagrado
no artigo 59.º, n.º 1, alínea a); por violação das obrigações decorrentes de
contrato na elaboração do Orçamento do Estado nos termos do artigo 105.º, n.º
2, e ainda por violação do caso julgado no acórdão n.º 353/2012.
Articulando o objeto de qualquer dos pedidos,
interessa começar por analisar as questões de constitucionalidade que, sendo
comuns às referidas disposições dos artigos 27º e 29º, não são influenciadas
pelo diferente conteúdo precetivo das normas e justificam um tratamento
uniforme, deixando para um momento posterior a análise da alegada violação do
princípio da confiança e do princípio da igualdade proporcional, que pode
implicar uma diferenciada ponderação em relação a cada um dos preceitos que está
especificamente em causa.
Por outro lado, uma vez que a redução da remuneração
mensal base imposta pelo artigo 27.º da Lei n.º 66-B/2012 apenas atinge as
retribuições superiores a €1500, a dúvida de constitucionalidade relativa ao
princípio da existência condigna - também invocado pelos requerentes -, apenas
poderá colocar-se quanto à suspensão parcial do pagamento do subsídio de férias
ou 14.º mês determinada pelo n.º 2 do artigo 29.º daquele diploma, que atinge
os titulares de remunerações base mensais iguais ou superiores a €600 que não
excedam o valor de €1100, pelo que apenas se justificará apreciar essa matéria
a propósito dessa outra disposição.
Neste sentido, tomar-se-ão em conta, por agora, as
questões relativas ao caso julgado, à regra da anualidade orçamental, à regra
do artigo 105º, n.º 2, da Constituição, ao direito à contratação coletiva, à
aplicabilidade da constituição fiscal e ao direito à retribuição.
1. Ofensa do caso julgado
13.
Pode, desde já, ter-se por manifestamente infundada a invocação, no pedido que
deu origem ao Processo n.º 8/2012, da violação do caso julgado, como um dos
fundamentos da alegada inconstitucionalidade das normas dos artigos 27.º, 29.º
e 31.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Essa
alegação socorre-se da declaração de inconstitucionalidade emitida no acórdão
n.º 353/2012. Tal declaração recaiu sobre as normas da Lei n.º 64-B/2011, de 30
de dezembro, que suspenderam, total ou parcialmente, os subsídios de férias e
de Natal dos trabalhadores com funções públicas e dos reformados. Não é esse o
conteúdo precetivo das normas agora em apreciação, conclusão que não é
infirmada por uma eventual identidade da medida da afetação patrimonial que
elas possam causar na esfera das categorias de sujeitos abrangidos, por efeito
da aplicação cumulativa de outras medidas.
No
caso em apreço, apenas poderá estar em causa a pretensão de lançar mão da
fundamentação de uma anterior decisão de inconstitucionalidade sobre
determinada norma como critério invalidante de um outro preceito que produza
idêntico efeito prático. Ainda que possa admitir-se que a fundamentação
jurisprudencial de uma decisão de inconstitucionalidade tenha a virtualidade de
desempenhar um papel de orientação de futuras atuações legislativas (mas sem
eximir o legislador à sua responsabilidade política própria, quando decide
tomar medidas alternativas às declaradas inconstitucionais), é
constitucionalmente inadmissível pretender que essa fundamentação tenha força
de caso julgado e seja, por si, invalidante de uma nova solução legislativa.
2. Ofensa da regra da anualidade orçamental
14. Ao contrário da norma que determina a redução dos
salários dos trabalhadores do setor público para o ano de 2013, a norma relativa
à suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalente, constante do
artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012 contém uma cláusula de temporalidade,
através da qual o respetivo âmbito temporal de vigência é feito coincidir com o
da vigência do PAEF.
Para os requerentes do pedido que deu origem ao
Processo n.º 5/2013, em tal cláusula residirá um dos fundamentos para a sua
invalidação constitucional.
Tal vício decorrerá, assim, da pretensão de um efeito
plurianual gerado pela indexação do âmbito de aplicação temporal à vigência do
PAEF, o que constituirá uma violação do princípio da anualidade estabelecido no
artigo 106.º, n.º 1, da Constituição.
A regra da anualidade do orçamento foi expressamente
consagrada na versão originária da Constituição de 1976 (artigo 108.º), tendo
sido eliminada pela revisão de 1982 e reposta, de forma direta e autónoma, no
âmbito da revisão de 1997, constando agora do n.º 1 do artigo 106.º da Lei
Fundamental.
Mesmo perante a versão de 1982, a doutrina e a jurisprudência
mantiveram o entendimento de que, apesar da ausência de um expresso imperativo
constitucional, a opção do legislador constituinte se mantivera inalterada,
devendo, por isso, continuar a considerar-se consagrada a regra da anualidade.
Procurando delimitar o âmbito de aplicação dessa
regra, o acórdão n.º 358/92 considerou que o mesmo “se reporta ao Orçamento
propriamente dito, donde decorre que "o princípio da anualidade do
Orçamento (...) só será violado quando a uma certa previsão de receita ou de
despesa do Orçamento – à previsão de uma receita do respetivo mapa; ou à
dotação de certas verbas de um mapa de despesa – se atribuir uma duração
plurianual" (cfr., no mesmo sentido, o acórdão n.º 108/88)”.
Ora, não é esse o efeito produzido pela cláusula de
temporalidade inserta na norma orçamental constante do artigo 29.º, n.º 1, da
Lei n.º 66-B/2012.
Na medida em que a referida cláusula, apesar de
definir para cada uma das normas em que se insere um termo final de vigência
que ultrapassa o ano a que se refere o exercício orçamentado, não tem, ela
própria, uma expressão orçamental equivalente – isto é, não se traduz numa
previsão de receita ou de despesa de duração correspondente —, a respetiva
vocação plurianual, não só não dispensa a reiteração nas leis orçamentais
subsequentes abrangidas ainda pelo período de vigência do PAEF, como não viola,
por aquela razão, a regra constitucional da anualidade do orçamento, até porque
esta, apesar de consagrada de “forma rigorosa” no n.º 1 do artigo 106.º da
Constituição, «é compatível com a orçamentação plurianual, admitida pelo n.º 3
do artigo 105.º ao estabelecer a possibilidade de orçamentação por programas» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra, 2006, pág. 236).
Consequentemente, a norma do artigo 29.º da Lei n.º
66-B/2012, não viola o princípio constitucional da anualidade, consagrado no
artigo 106.º, n.º 1, da Constituição.
3. Violação da regra do n.º 2 do artigo 105.º da
Constituição
15. Os requerentes do pedido que deu origem ao
Processo n.º 8/2012 alegam ainda que a redução das prestações pecuniárias a
cargo do Estado-empregador viola a norma extraída do n.º 2 do artigo 105.º da
Constituição, na parte em que manda elaborar o orçamento “tendo em conta as obrigações
decorrentes de lei ou de contrato”. A relação jurídica de emprego público,
entre o Estado e os trabalhadores ao seu serviço, configuraria uma relação
contratual, de que o valor da remuneração é elemento essencial, devendo ser
esse o valor orçamentado na rubrica das despesas atinentes aos custos
salariais.
Não sofre dúvida de que “os encargos com o pessoal do
serviço do Estado” integram “as obrigações decorrentes da lei ou do contrato” a
ter em conta na elaboração do Orçamento do Estado (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2010, pág.1103).
Mas essa norma não é aqui autonomamente convocável.
Enquanto regra respeitante ao Orçamento de Estado, a
norma constante do n.º 2 do artigo 105.º da Constituição estabelece a
necessidade de uma correspondência financeira ou contabilística entre a dotação
orçamental prevista e as obrigações legais e contratuais que oneram o Estado
tal como estas se apresentam no momento em que aquela adquire valor e eficácia
jurídica, isto é, no momento da publicação da lei do orçamento. Mas nada nos
diz quanto à substância e valor monetário dessas obrigações, em nada obstando
que estes sejam orçamentalmente definidos de modo diferente do que resultaria de
anteriores instrumentos jurídicos. Para ajuizar da validade ou não dessa
alteração e da sua medida, o n.º 2 do 105.º, não é parâmetro adequado,
justamente porque se configura como uma norma adjetiva, que se limita a impor a
necessária inscrição orçamental para que possa estar satisfeito o requisito da
cabimentação, como condição do processamento e pagamento das obrigações
assumidas pelo Estado. Mas nada rege, quanto à definição dessas
obrigações.
Na verdade, a questão de constitucionalidade para que
remete o comando inscrito no n.º 2 do artigo 105.º da Constituição é a de saber
se a falta de dotação orçamental para satisfazer aquelas obrigações deverá
inquinar a validade do orçamento e não, sequer também, a de saber se são ou não
constitucionalmente legítimas as normas concomitantemente aprovadas que,
fazendo baixar o valor dos encargos do Estado por via da redução das prestações
pecuniárias devidas aos trabalhadores do setor público, tornam as verbas
correspondentemente inscritas, assim proporcionalmente reduzidas, suficientes
para aquele efeito.
A resposta às questões de constitucionalidade
suscitadas quando à redução de remunerações e à suspensão do subsídio de férias
não depende, em absoluto, do disposto no n.º 2 do artigo 105.º da Constituição,
pelo que a alegação de violação dessa norma não tem pertinência de
fundamentação do pedido de declaração de constitucionalidade.
4.
Violação do direito de contratação coletiva
16.
Para os requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 8/2012, as normas
constantes do n.º 15 do artigo 27.º e do n.º 9 do artigo 29.º da Lei n.º
66-B/2012, ao disporem que os regimes de redução remuneratória aí previstos têm
natureza imperativa, prevalecendo sobre instrumentos de regulação coletiva de
trabalho e contratos de trabalho e não podendo ser por isso afastados ou
modificados pelos mesmos, violam o disposto no n.º 3 do artigo 56.º da
Constituição.
Esta
norma confere às associações sindicais o direito e a competência de exercer o
direito de contratação coletiva, “garantido nos termos da lei”.
Deve começar por dizer-se que a existência de normas
legais imperativas, entendendo-se como tais as normas que estabelecem cláusulas
fixas (que não podem ser substituídas) ou que impõem condições mínimas para a
tutela da relação laboral (que apenas podem ser substituídas por outras
disposições que prevejam um regime mais favorável), não é, em si, contraditória
com o direito à contratação coletiva. Apenas significa que tais normas
consagram o estatuto legal do contrato – aplicável aos trabalhadores abrangidos
por contrato de trabalho em funções públicas – e que não põem em causa o
estatuto contratual, que é constituído, além do mais, pelas normas dos
instrumentos de regulamentação coletiva que não contrariem aquelas outras
disposições. A interligação entre essas diferentes disposições e a sua adição
às cláusulas do contrato, definindo, na sua globalidade, o regime jurídico da
relação laboral, não representa uma qualquer violação do direito instituído
pelo artigo 56º, n.º 3, da Constituição (cfr. artigos 3º e 478º, n.º 1, alínea
a), do Código do Trabalho, e 4º, n.º 1, do Regime do Contrato de Trabalho em
Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro).
Por outro lado, e ainda que as normas em causa, por
consagrarem reduções remuneratórias, possam ser qualificadas como “legislação
do trabalho”, para efeitos do âmbito de incidência do artigo 56.º da
Constituição, o certo é que, conforme pacificamente resulta da doutrina e da
jurisprudência constitucionais, o n.º 3 daquele preceito, embora atribua às
associações sindicais a competência para o exercício do direito de contratação
coletiva, “devolve ao legislador a tarefa de
delimitação do mesmo direito, aqui lhe reconhecendo uma ampla liberdade
constitutiva” (acórdão n.º 94/92 e, no mesmo sentido, Rui Medeiros, in Constituição
Portuguesa Anotada, Jorge Miranda/Rui
Medeiros, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, pág.
1118).
O direito à autonomia
contratual coletiva, apesar de constitucionalmente colocado sob reserva de lei,
implica que não possa deixar de haver um espaço abrangente de regulação das
relações de trabalho que se encontre submetido à disciplina contratual
coletiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo-estadual. Sendo este
direito garantido «nos termos da lei», tal significa que “a lei não pode deixar
de delimitá-lo de modo a garantir-lhe uma eficácia constitucionalmente
relevante, havendo sempre de garantir uma reserva de convenção coletiva, ou
seja, um espaço que a lei não só não pode vedar à contratação coletiva, como
deve confiar a esta núcleos materiais reservados” (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob.
cit., pág. 745).
Assim configurada, a questão a resolver
consistirá então em saber se o legislador ordinário, ao retirar à regulamentação
coletiva uma certa matéria — no caso, a possibilidade de fixar para a
retribuição do trabalho normal um valor distinto daquele que resulta da
aplicação das medidas orçamentais consagradas para o ano de 2013 nos artigos
27.º e 29.º, todos da Lei n.º 66-B/2012 – veio “reduzir de tal modo aquele
espaço da autorregulação constitucionalmente garantido que põe em causa a
possibilidade de realização do direito de contratação coletiva” (acórdão n.º
94/92).
Considerando a atendibilidade do interesse
público prosseguido através do esforço de consolidação orçamental – ponto que
mais detidamente desenvolveremos no âmbito da ponderação implicada nos
princípios da proteção da confiança e da igualdade – não parece que da
obrigação que ao legislador ordinário constitucionalmente se impõe de “deixar
sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto” à negociação
coletiva possa extrair-se um argumento para a invalidação constitucional do
caráter necessariamente imperativo das normas orçamentais que, com base naquele
interesse público, impõem, a título excecional e transitório, a redução do
valor anual da retribuição dos trabalhadores do setor público.
Subtrair ao âmbito da negociação coletiva
a faculdade de derrogar o regime consagrado nas normas em questão, não só
constitui a condição que torna tais normas aptas a prosseguir o fim a que se
dirigem, como não representa uma intromissão nos “núcleos materiais
reservados”, que o legislador ordinário se encontra constitucionalmente
obrigado a não excluir do âmbito material da reserva de contratação coletiva.
17. O argumento retirado da pretensa
retroatividade atribuída às normas em causa não deverá fazer variar os termos
da solução.
Não estando em causa a afetação da
estabilidade dos contratos de trabalho geradores do direito à retribuição cujo
montante é conjunturalmente atingido pelas normas cujo caráter imperativo se
impugna, a suposta eficácia retroativa resume-se, afinal, à impossibilidade de as convenções coletivas se imporem para futuro à lei
imperativa e não à possibilidade de a lei imperativa se sobrepor
retroativamente a estas, invalidando efeitos pretéritos que ao respetivo abrigo
hajam sido produzidos.
A conclusão no sentido da inexistência de fundamento
para a invalidação constitucional, através do n.º 3 do artigo 56.º da
Constituição, das normas constantes do n.º 15 do artigo 27.º e do n.º 9 do
artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012, é assim de manter.
5.
Aplicabilidade de normas da “constituição fiscal”
18. Tal como se encontra fundamentado, o vício de
inconstitucionalidade imputado pelo requerente do pedido que deu origem ao
Processo n.º 2/2013 às normas constantes do artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012
desenvolve-se sob o pressuposto de que, embora a suspensão do pagamento do
subsídio de férias aos trabalhadores do setor público se possa apresentar, “do
ponto de vista contabilístico”, como uma “medida que incide sobre a despesa
pública”, tal distinção é contabilística e formal pois, “de um ponto de vista substantivo
e jurídico-constitucional”, aquela suspensão «traduz-se num esforço
contributivo acrescido que lhes é unilateralmente exigido para o financiamento
do Estado e que envolve uma ablação do seu rendimento anual, pelo que
consistirá num verdadeiro imposto».
Com base nesta qualificação, sustenta o requerente que
a medida de suspensão do pagamento do subsídio de férias aos trabalhadores do
setor público “mantém um tratamento tributário diferenciado para certas
categorias de cidadãos”, o que o leva a controverter a respetiva legitimidade
constitucional, à luz de um parâmetro de controlo integrado por uma norma
específica da chamada “constituição fiscal”, mais precisamente a constante do
artigo 104.º da Constituição. Na ótica do pedido, tal medida viola também o
critério da capacidade contributiva consagrado nesta disposição, o único
critério “constitucionalmente admitido na tributação do rendimento pessoal”, “o
qual corporiza operativamente o princípio da igualdade na repartição dos
encargos públicos entre os cidadãos”.
19. A atribuição de natureza tributária à medida de
suspensão do pagamento do subsídio de férias aos trabalhadores do setor público
pressupõe que o valor suprimido por essa via possa ser qualificado como
imposto, isto é, como uma “prestação pecuniária, coativa, unilateral, sem o
caráter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos”
(Teixeira Ribeiro, Lições de
Finanças Públicas, 5.º edição, Coimbra, 1996, pág. 258), ou, em todo o
caso, como um tributo parafiscal, dele próximo, a operar por via da despesa sob
a forma de “contenção ou (eliminação) do gasto público (neste sentido, António Carlos dos Santos, “A nova
parafiscalidade: a tributação por via de cortes na despesa com remunerações de
funcionários e pensionistas”, Revista do Ministério Público, ano 33, n.º
129 (2012), pág. 51).
Quanto ao estatuto da relação jurídica afetada pelas
medidas de redução remuneratória impostas aos trabalhadores do setor público
pelas Leis n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 30 de dezembro,
essa não foi, todavia, a orientação seguida por este Tribunal nos acórdãos n.ºs
396/2011 e 353/2012, respetivamente.
Assumindo implicitamente a necessidade de uma
distinção entre as atuações do Estado enquanto titular do poder político
soberano, concretizadas na edição de normas que se dirigem e impõem à
generalidade dos cidadãos, e atuações do Estado-empregador, que ocorrem no
âmbito da relação laboral estabelecida com os trabalhadores do setor público,
os acórdãos n.ºs 396/2011 e 353/2012 apreciaram a legitimidade constitucional
das medidas relativas à redução das remunerações e à suspensão do pagamento do
subsídio de férias ou equivalente impostas pelos artigos 19.º e 21.º das Leis
n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 30 de dezembro,
respetivamente, no âmbito deste segundo enquadramento, perspetivando-as a
partir do direito à retribuição inerente à relação jurídica de emprego público.
E não há razões para divergir deste entendimento.
20. Considerada a caracterização do universo dos
sujeitos afetados pelas medidas constantes dos artigos 27.º e 29.º da Lei n.º
66-B/2012 – universo esse que é, em todos os casos, o definido no n.º 9 do
artigo 27.º –, percebe-se que o mesmo remete para o mais lato dos sentidos admitidos
pela delimitação conceitual da tradicional noção de “função pública”,
abrangendo por isso, «não só todos os funcionários e agentes do Estado e demais
pessoas coletivas de direito público mas também os titulares de cargos
públicos, incluindo os próprios titulares dos órgãos de soberania», isto é,
todos “quantos explicitam um qualquer desempenho funcional na Administração
Pública, Estado e outras entidades públicas” (Ana
Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, Coimbra,
1999, pág. 22) e cuja remuneração é por isso, assegurada através de verbas
públicas.
Este sentido lato, delimitado a partir da relação de
emprego público, apenas coloca fora do conceito a atividade de entes não
públicos, ainda que finalizada ou revertível ao interesse geral (idem,
pág. 27).
Ao fazerem coincidir o seu âmbito subjetivo de
aplicação com o universo dos trabalhadores do setor público elencados no n.º 9
do artigo 27.º da Lei n.º 66-B/2012, as normas constantes dos respetivos
artigos 27.º e 29º têm subjacente aquele entendimento amplo correspondente ao
conceito de agentes administrativos ou servidores públicos, abrangendo quem
presta trabalho a qualquer título pelo exercício de funções públicas.
Mesmo nesta aceção, estamos sempre em face de
situações em que o Estado se vincula com particulares numa relação que o
obriga, em contrapartida da prestação de determinada atividade, ao pagamento de
uma retribuição.
21.
Em relação ao universo, assim caracterizado, dos trabalhadores do setor público,
a concentração numa única e mesma entidade — o Estado — das qualidades de
sujeito ativo da relação jurídico-tributária e de sujeito passivo da relação
que o obriga a uma prestação remuneratória pode conduzir a que a nitidez da
diferenciação entre as intervenções realizadas numa e noutra esfera se esbata.
Ademais, a relativa indiferenciação dos efeitos práticos produzidos na esfera
patrimonial dos sujeitos afetados pode compreensivelmente direcionar para a
qualificação como imposto, como forma, no limite, de prevenir que o Estado
contorne abusivamente as apertadas exigências da constituição fiscal.
Todavia,
esta conceção radicalmente garantística impõe que qualquer correção do
desequilíbrio orçamental que contenda com posições individuais só possa constitucionalmente
ser levada a cargo por via tributária, pelo aumento da carga fiscal. O que
significaria uma drástica limitação do exercício do poder político soberano na
orientação das medidas a tomar no campo das finanças públicas.
Não
parece que esta seja uma imposição constitucional.
Os
princípios e normas estruturantes do sistema fiscal não podem ser
automaticamente erigidos em critérios determinantes da via fiscal, como via
única de obter ou poupar recursos financeiros, sempre que este resultado
implique perdas privadas. Sob este ponto de vista, são diferenciáveis e não
necessariamente justificativos de um mesmo tratamento a retenção na fonte de um
acréscimo de imposto incidente apenas sobre trabalhadores da Administração
Pública e devido ao Estado-fiscal e a supressão transitória de uma parcela da
remuneração devida pelo Estado-empregador no âmbito da relação estabelecida com
aqueles.
A opção do Estado em seguir esta segunda via não a
situa obviamente em terreno constitucionalmente neutro, do ponto de vista da
repartição dos encargos públicos. Mas a atendibilidade da ideia valorativa que
esse critério concretiza passa, como adiante veremos, pela aplicação de
princípios estruturantes, designadamente o da igualdade (na sua enunciação mais
genérica e não na sua refração, no domínio fiscal), não pressupondo nem
autorizando a transmudação normativa da natureza da medida, convertendo uma
intervenção realizada no domínio da relação de emprego público numa intervenção
de natureza fiscal ou parafiscal.
A norma constante do artigo 104.º, n.º 1, da
Constituição, convocada pelo requerente do pedido que deu origem ao Processo
n.º 2/2013, não serve, por isso, como parâmetro autónomo de
constitucionalidade.
6. Violação do direito à retribuição
22. Reconduzida ao âmbito da relação jurídica de
emprego público a posição subjetiva afetada pelas normas constantes dos artigos
27.º e 29.º da Lei n.º 66-B/2012, importa agora verificar se as mesmas,
singularmente e em resultado do seu efeito cumulativo, põem em causa, de forma
constitucionalmente inadmissível, o direito à retribuição dos trabalhadores do
setor público, tal como invocado pelos requerentes do pedido que deu origem ao
Processo n.º 8/2013.
Tendo em conta a dupla configuração das atribuições
patrimoniais a cargo do Estado-empregador abrangidas pelas referidas normas –
redução do valor das remunerações mensais superiores a €1.500 (artigo 27.º) e
suspensão do pagamento do subsídio de férias ou quaisquer prestações
correspondentes ao 14.º mês (artigo 29.º) – impõe-se, antes de mais, ajuizar se
esta última cabe no conceito de retribuição.
No
que respeita aos trabalhadores que exercem funções públicas, esta natureza foi
reconhecida, desde logo, no Decreto-Lei n.º 372/74, de 20 de agosto, que instituiu,
com caráter de obrigatoriedade, o subsídio de Natal, e criou o subsídio de
férias. Conforme resulta do preâmbulo desse diploma, teve-se em vista, com o
mesmo, aumentar “substancialmente os vencimentos do funcionalismo público
civil”, cujo poder de compra havia sido fortemente abalado pela evolução dos
preços nos anos anteriores. Ainda de acordo com o referido preâmbulo, esse
aumento foi efetuado “segundo um esquema de aumentos degressivos em valor absoluto”, bem como com a instituição, com caráter de
obrigatoriedade legal, do 13.º mês (subsídio de Natal) e com a criação do
subsídio de férias (cujo valor era, então, equivalente a metade da remuneração
mensal).
Atualmente,
a ideia de que estes subsídios constituem parte da “remuneração anual” resulta
claramente do artigo 70.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que
estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos
trabalhadores que exercem funções públicas, o qual dispõe que «a remuneração
base anual é paga em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de
Natal e outra ao subsídio de férias, nos termos da lei.» (em idêntico sentido, ainda que com uma formulação
diferente, dispõem os artigos 207º e 208º do Regime do Contrato de Trabalho em
Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro).
Essa
é também a conclusão que se retira dos princípios gerais em matéria laboral, e,
designadamente, dos artigos 258.º e seguintes do Código do Trabalho. Pode
dizer-se que, no âmbito do contrato de trabalho, a retribuição em sentido
estrito compreende a denominada “retribuição base” – correspondente à parcela
retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da atividade
desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que
tenha sido acordado e as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como
contrapartida da atividade, aqui se incluindo os complementos salariais certos,
que correspondem a prestações fixas que se vencem periodicamente, entre os
quais subsídios anuais como sejam o subsídio de Natal (artigo 263.º do Código
do Trabalho) e o subsídio de férias (artigo 264.º, n.º 2, do Código do
Trabalho).
23. Quanto à natureza da prestação pecuniária
correspondente ao subsídio de férias ou 14.º mês, a sua integração no conceito
de retribuição foi também o entendimento seguido no acórdão n.º 353/2012.
Conforme
aí se escreveu, «atualmente, tanto o subsídio de férias como o de Natal, quer
no regime jurídico do direito privado, quer no do direito público, têm a natureza
de retribuição, isto é, de contrapartida ligada ao trabalho prestado,
integrando a remuneração anual».
Daí
que - como se concluiu nesse aresto - «a suspensão do pagamento do subsídio de
férias e de Natal se traduza numa redução percentual do rendimento anual das
pessoas afetadas, tal como sucede com os cortes salariais determinados pelo
artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para
2011) e que o artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro
(Orçamento de Estado para 2012) manteve em vigor […], representando, da mesma
forma, uma diminuição dos seus meios de subsistência».
24.
Assente este pressuposto, importa averiguar se os cortes salariais e a
suspensão do subsídio de férias afeta a invocada garantia da irredutibilidade
dos salários.
Esta
questão foi debatida no acórdão n.º 396/2011, onde, a propósito das normas
constantes do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, se escreveu
o seguinte:
«Não consta da Constituição qualquer regra que estabeleça
a se, de forma direta e autónoma, uma garantia de irredutibilidade dos
salários. Essa regra inscreve-se no direito infraconstitucional, tanto no
Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (artigo 89.º, alínea d)),
como no Código do Trabalho (artigo 129.º, n.º 1, alínea d)).
Vem arguido que tal garantia, ainda que integrando a
legislação ordinária, goza de “força constitucional paralela”, por via do
artigo 16.º, n.º 1, da Constituição.
Deve começar por se anotar que tal regra de direito ordinário
apenas vale para a retribuição em sentido próprio. Na verdade, ela não abrange,
por exemplo, as ajudas de custo, outros abonos, bem como o pagamento de
despesas diversas do trabalhador (Maria
do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, II, Situações laborais
individuais, Coimbra, 2006, págs. 564 e 551).
[…] Mas importa sobretudo sublinhar que a regra não é
absoluta. De facto, a norma que proíbe ao empregador, na relação laboral comum,
diminuir a retribuição (artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código de Trabalho)
ressalva os “casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação
coletiva do trabalho”. Quanto à relação de emprego público, admite-se que a lei
(qualquer lei) possa prever reduções remuneratórias (cfr. o citado artigo 89.º,
alínea d)). O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade
empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo
da retribuição, sem adequado suporte normativo.
Deste modo, não colhe a argumentação de que existiria
um direito à irredutibilidade do salário que, consagrado na legislação laboral,
teria força de direito fundamental, por virtude da cláusula aberta do artigo
16.º, n.º 1, da Constituição. Se assim fosse, o legislador encontrar-se-ia
vinculado por tal imperativo, o que, como vimos, não sucede. Em segundo lugar,
não se pode dizer, uma vez garantido um mínimo, que a irredutibilidade do
salário seja uma exigência da dignidade da pessoa humana ou que se imponha como
um bem primário ou essencial, sendo esses os critérios materiais para
determinar quando estamos perante um direito subjetivo que se possa considerar
"fundamental" apesar de não estar consagrado na Constituição e sim
apenas na lei ordinária (Cfr. Vieira de
Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,
4.ª edição, Coimbra, 2009, págs. 79-80).
De resto, o legislador constituinte teve a preocupação
de estabelecer uma densa rede protetiva da contrapartida remuneratória da
prestação laboral, dando consagração formal, no texto da Constituição, às
garantias que entendeu serem postuladas pelas exigências de tutela, a este
nível, da condição dos trabalhadores. Assim é que, para além do reconhecimento
do direito básico à retribuição, manda-se observar o princípio de que “para
trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”
(alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º), fixa-se como incumbência do Estado “o
estabelecimento e a atualização do salário mínimo nacional” (alínea a) do n.º 2
do mesmo artigo), acrescentando-se, na revisão de 1997, a imposição
constitucional de “garantias especiais dos salários” (n.º 3 do artigo 59.º).
Não é de crer que o programa constitucional, tão exaustivamente delineado,
nesta matéria, só fique integralmente preenchido com a atribuição da natureza
de direito fundamental legal ao direito à irredutibilidade da retribuição,
qualificação para a qual não se descortina fundamento material bastante.
Direito fundamental, esse sim, é o "direito à
retribuição", e direito de natureza análoga aos direitos liberdades e
garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado
(cfr., por exemplo, o acórdão n.º 620/2007). Mas uma coisa é o direito à
retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa
retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as
variáveis económico-financeiras que concretamente o condicionam. Não pode,
assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística
contida no âmbito de proteção do direito à retribuição do trabalho ou que uma
redução do quantum remuneratório traduza uma afetação ou restrição desse
direito.
Inexistindo qualquer regra, com valor constitucional,
de direta proibição da diminuição das remunerações e não sendo essa garantia
inferível do direito fundamental à retribuição, é de concluir que só por
parâmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais, em particular
os da confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional
das soluções normativas em causa.
Tem sido essa, aliás, a orientação constante deste
Tribunal, sempre que chamado a julgar questões atinentes, direta ou
indiretamente, a reduções remuneratórias. Foi assim no acórdão n.º 303/90,
sobre vencimentos dos ex-regentes escolares, no acórdão n.º 786/96, sobre
alterações ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas, com repercussão no
subsídio da condição militar, e no acórdão n.º 141/2002, referente à fixação de
limites de vencimentos a funcionários em funções em órgãos de soberania, a
membros dos gabinetes de órgãos de soberania, a funcionários dos grupos
parlamentares e a funcionários das entidades e organismos que funcionam juntos
dos órgãos de soberania, a qual importou uma efetiva e significativa redução
dos vencimentos auferidos por esses sujeitos. Independentemente do sentido das
pronúncias, foi exclusivamente à luz do conteúdo normativo desses princípios
que elas foram emitidas.
Não estando em causa a afetação do direito a um mínimo
salarial, uma vez que a redução remuneratória apenas abrange retribuições
superiores a 1.500 euro, valor muito superior ao do salário mínimo nacional, a
irredutibilidade apenas poderá resultar do respeito pelo princípio da proteção
da confiança e porventura, ainda, do princípio da igualdade».
25. Não há razões para afastar este entendimento,
expresso no acórdão n.º 396/2011, quanto à não atribuição de estatuto
jusfundamental ao direito à irredutibilidade de prestação, nem como direito
autónomo, materialmente constitucional, nem como uma dimensão primária do
direito fundamental à justa retribuição consagrado na alínea a) do n.º 1 do
artigo 59.º, da Constituição.
E ele é extensivo, por identidade de razão, à
prestação pecuniária correspondente ao subsídio de férias ou a quaisquer prestações
correspondentes ao 14.º mês.
Não se perspetivam, na verdade, fundamentos
qualitativamente diferenciados que contrariem o que, por referência à parcela
principal da retribuição, foi considerado no acórdão n.º 396/2011.
Assim, tal como o juízo que incidiu sobre as normas
constante do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, também a
avaliação da legitimidade constitucional das medidas constantes dos artigos
27.º e 29.º da Lei n.º 66-B/2012, deverá desenvolver-se sob a assunção de que a
natureza e a densidade jurídico-constitucionais do direito à justa retribuição,
consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, e do direito à
irredutibilidade do seu montante, inscrito na lei ordinária, não são nem
coincidentes nem sincrónicas.
Mas a colocação do direito à intangibilidade salarial
fora do âmbito de tutela do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP apenas
permite sustentar a diferenciação de campos valorativos e de parâmetros de
valoração entre o direito à retribuição e o direito à irredutibilidade do seu
montante, de tal modo que a diminuição unilateral deste não constitui sempre,
por implicação necessária, uma afetação daquele. O facto de o direito a um
certo quantum de remuneração não estar protegido pelo artigo 59.º, n.º
1, alínea a), significa apenas e tão-só a inaplicabilidade, em princípio, desta
regra como parâmetro de valoração, não assegurando, sem mais, a
constitucionalidade da medida em causa. Uma vez fixado, por critérios de
direito ordinário, o conteúdo do direito ao salário (sem precisa determinação
constitucional), uma mudança legislativa que afete negativamente esse conteúdo
tem que encontrar justificação bastante, à luz dos princípios constitucionais
pertinentes, sob pena de inconstitucionalidade.
É esse controlo que, de seguida, faremos.
D. Questões de constitucionalidade relativas à norma
do artigo 27º (princípio da proteção da confiança e princípio da igualdade
proporcional)
26. Os requerentes no Processo n.º 8/2013, sem perder
de vista a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional relativamente à
redução salarial imposta aos trabalhadores da Administração Pública pelo artigo
19º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, mantêm o entendimento de que a
renovação dessa medida pelo terceiro ano consecutivo e agora no âmbito da Lei
do Orçamento do Estado para 2013, viola o princípio da proteção da confiança,
bem como o princípio da proporcionalidade na imposição de sacrifícios aos
trabalhadores do setor público.
Como é sabido, começando por analisar o primeiro
desses parâmetros de constitucionalidade, a lesão da confiança pressupõe, num
primeiro momento, que, ao editar a norma contestada, o legislador ordinário
haja intervindo em sentido contrário às legítimas expectativas que os
particulares depositavam na continuidade da ordem jurídica, na sua duração
estável e na previsibilidade da sua mutação.
No citado acórdão n.º 396/2011, o Tribunal considerou
que, em princípio, “uma redução remuneratória abrangendo universalmente o conjunto
de pessoas pagas por dinheiros públicos não cai na zona de previsibilidade de
comportamento dos detentores do poder decisório” e que o «quase contínuo
passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função pública,
legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das
remunerações percebidas e a tomada de opções e a formação de planos de vida
assentes na continuidade dessa situação».
Embora sem deixar de considerar que as reduções então
introduzidas, «na medida em que contraria[vam] a normalidade anteriormente
estabelecida pela atuação dos poderes públicos, nesta matéria, frustra[vam]
expectativas fundadas», tanto mais que se tratava de «reduções significativas,
capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas
vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos pelos cidadãos», o
Tribunal não deixou por isso de colocá-las em contexto, chamando a atenção para
a “conjuntura de absoluta excecionalidade, do ponto de vista da gestão
financeira dos recursos públicos”, caracterizada pela forte pressão que “o
desequilíbrio orçamental” havia gerado sobre a “dívida soberana portuguesa, com
escalada progressiva dos juros” e pelas “sérias dificuldades de financiamento”
com que se confrontavam então “o Estado português e a economia nacional”, o que
permitia já então pôr «em dúvida, em face deste panorama, se, no momento em que
as reduções entraram em vigor, persistiam ainda as boas razões que, numa
situação de normalidade, levam a atribuir justificadamente consistência e
legitimidade às expectativas de intangibilidade de vencimentos».
Como não pode deixar de reconhecer-se a relativização
das expectativas que podem legitimamente criar-se em torno da irredutibilidade
das remunerações a pagar por verbas públicas, é agora, por força da manutenção
da situação de excecionalidade financeira, mais acentuada e evidente.
Ainda que o legislador não tenha optado por estabelecer expressamente para as reduções
remuneratórias inscritas no Orçamento de 2011 um horizonte temporal mais
alargado, permitindo caracterizar essas medidas como sendo de natureza
orçamental e de vigência anual, a verdade é que – como o mesmo aresto
fez notar - era praticamente certa a sua duração plurianual e a
necessidade da sua inclusão nas leis do orçamento dos anos subsequentes, como
forma de dar resposta normativa a uma conjuntura excecional que se pretendia
corrigir.
Não se trata, assim, de uma mutação da ordem jurídica
com que os destinatários das normas dela constantes, no contexto global em que
foi introduzida, não pudessem verdadeiramente contar, sendo que as ponderosas
razões de interesse público que motivaram a alteração legislativa operada pelo
questionado artigo 27.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013 não permite,
por outro lado, considerá-la carecida de fundamento prevalecente em termos que
justifiquem a emissão de um juízo de inconstitucionalidade autonomamente
fundado na violação do princípio da segurança jurídica.
27. Num outro plano, o
Tribunal, no acórdão n.º 396/2011, ao confrontar as reduções remuneratórias
previstas no artigo 19.º na Lei do Orçamento do Estado para 2011 com o
princípio da igualdade, centrou a questão de constitucionalidade no «facto de os destinatários das medidas (…) serem apenas as
pessoas que trabalham para o Estado e demais pessoas coletivas públicas, ou
para quaisquer das restantes entidades referidas no n.º 9 do artigo 19.º da Lei
n.º 55-A/2011, de 31 de dezembro», deixando de fora «os trabalhadores com
remunerações por prestação de atividade laboral subordinada nos setores privado
e cooperativo, os trabalhadores por conta própria, bem como todos quantos
auferem rendimentos de outra proveniência».
Considerando
indiscutível que «com as medidas [então] em
apreciação, a repartição dos sacrifícios impostos pela situação excecional de
crise financeira não se faz de igual forma entre todos os cidadãos com igual
capacidade contributiva, uma vez que elas não têm um alcance universal,
recaindo apenas sobre as pessoas que têm uma relação de emprego público», o
Tribunal centrou a avaliação da legitimidade constitucional das normas
impugnadas em saber se as soluções nelas consagradas seriam “arbitrárias, por
sobrecarregarem gratuita e injustificadamente uma certa categoria de cidadãos”.
Depois
de assim definir o problema de constitucionalidade suscitado perante o
princípio da igualdade, o Tribunal concluiu pela existência de um fundamento
legítimo para a diferenciação implicada na redução das remunerações base
superiores a €1.500 aos trabalhadores do setor público, fazendo-o coincidir,
por um lado, com a inexistência de “razões de evidência” suscetíveis de
neutralizar a ideia segundo a qual, “pelo lado da despesa, só a diminuição de
vencimentos garantia eficácia certa e imediata” para a redução do “peso da
despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental”, e, por outro,
com a circunstância de, em vista deste fim, quem recebe por verbas públicas não
se encontrar “em posição de igualdade com os restantes cidadãos”. Essas razões
conduziram ao entendimento de que o “sacrifício adicional” transitoriamente
exigido a essa categoria de pessoas não consubstanciava, naquele contexto de
excecionalidade, “um tratamento injustificadamente desigual”.
Não há agora motivo para alterar este julgamento, sendo que a questão que pode colocar-se, sob tal perspetiva, é a de saber se o efeito cumulado da redução
da remuneração mensal base com a suspensão do pagamento do subsídio de férias
ou equivalente a que se refere o artigo 29º, poderá representar já uma violação
do princípio da igualdade proporcional.
Essa será, no entanto, questão a analisar
no âmbito de apreciação da norma do artigo 29.º.
E. Questões de constitucionalidade relativas à norma
do artigo 29.º
1. Considerações gerais
28. A Lei Fundamental é sensível às variações, para
menos, do nível da concretização legislativa que possa conhecer o direito à
retribuição, proporcionando um controlo, não quanto à redutibilidade, em si
mesma considerada, mas quanto aos termos da sua efetivação – isto é, quanto às suas
razões e medida. Esse controlo atua por intervenção mediadora dos princípios da
proteção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade, que densificam a
ideia de sujeição do poder público a princípios e regras jurídicas, integrando,
nessa aceção, a ideia de Estado de direito inscrita no princípio do Estado de
direito democrático (artigo 2.º da Constituição). Também neste campo, a
liberdade conformadora do legislador encontra-se constitucionalmente vinculada
por aqueles princípios.
A ablação por via ordinária de parte significativa dos
rendimentos do trabalho imposta aos trabalhadores do setor público, apesar de
não se encontrar constitucionalmente vedada nos termos em que o é a supressão,
a suspensão ou a extinção do direito à retribuição propriamente dito, não se
torna por isso constitucionalmente insindicável e pressupõe o esclarecimento
das razões, necessariamente de interesse público, que conduziram o Estado a
intervir unilateralmente naquele sentido no âmbito da relação de emprego
público a que se acha vinculado enquanto empregador.
Essas razões constam do Relatório do Orçamento de
Estado para 2013 (págs. 39 a 41), onde a adoção do conjunto de medidas
relativas à remuneração dos trabalhadores do setor público se encontra
justificada nos seguintes termos:
«[…]
Torna-se
assim evidente que, subjacente às medidas de consolidação orçamental propostas
para 2013, numa conjuntura económico-financeira de contornos cuja
excecionalidade é claramente demonstrada pela necessidade de ajuda internacional
a que o País se viu, e continua a ver, forçado a recorrer, está a salvaguarda
de valores e princípios estruturantes da ordem constitucional portuguesa.
Com
efeito, a manutenção da capacidade de financiamento da economia nacional,
diretamente dependente do equilíbrio das contas públicas afigura-se desde logo
imprescindível, quer à garantia de realização das tarefas fundamentais
constitucionalmente cometidas ao Estado quer à própria sustentabilidade do
Estado Social e dos direitos económicos e sociais dos cidadãos.
Acresce
que, as medidas visadas prosseguem um propósito de justiça intergeracional, na
medida em que visam contribuir para a redução dos encargos lançados sobre as
gerações futuras.
Por
último, a adoção destas medidas deve ser enquadrada no âmbito do princípio
constitucional da realização da integração europeia, no quadro do qual se
inserem as obrigações em matéria de finanças públicas – e em particular de
rigor e disciplina orçamentais – que impendem sobre Portugal enquanto membro da
área do euro.
A
realização destes valores e princípios constitucionalmente consagrados
justificam amplamente a introdução destas medidas, as quais se norteiam por
ponderosas razões de interesse público e de preponderância do bem comum, em
face do contexto económico-financeiro e social do País.
Se
as circunstâncias de verdadeira excecionalidade que levaram Portugal a
solicitar ajuda financeira internacional não se encontram ainda superadas, e
por isso justificam, neste contexto, as medidas de consolidação orçamental
introduzidas, não se ignora também que estas mesmas medidas não podem deixar de
ser aferidas à luz dos princípios da proporcionalidade e da proteção da
confiança que, em qualquer Estado de Direito, sustentam as relações entre o
Estado e os cidadãos.
A
este propósito cabe salientar, de um modo especial que, por um lado, na
sequência da declaração de inconstitucionalidade emitida pelo Tribunal
Constitucional das medidas previstas nos artigos 21.º e 25.º da Lei do
Orçamento do Estado para 2012 e, por outro, o facto de a medida substitutiva
encontrada inicialmente pelo Governo (envolvendo um elemento de desvalorização
fiscal), não ter merecido o consenso necessário à sua adoção, as medidas agora
propostas assumem-se como a única opção que garante a prossecução do objetivo
traçado, tendo em vista o cumprimento do limite de 4,5% do PIB para o défice
orçamental, satisfazendo, ao mesmo tempo, as exigências dos princípios da
igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança.
A
suspensão, no próximo exercício orçamental, de apenas um dos subsídios,
designadamente o de férias, relativamente aos trabalhadores do setor público,
complementada com a introdução de uma sobretaxa de 4 % sobre todos os
rendimentos sujeitos a IRS, na parte que excede o salário mínimo nacional, visa
extrair as devidas consequências da decisão do Tribunal Constitucional, que
declarou a inconstitucionalidade, com efeitos a partir de 2013, das normas dos
artigos 21.º e 25.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012. Como é sabido, tal
decisão considerou que as citadas normas, ao envolverem a suspensão dos dois
subsídios, de férias e de Natal, dos trabalhadores do setor público se
traduziam numa violação do princípio da igualdade na dimensão da justa
repartição dos encargos públicos.
Neste
âmbito, cumpre desde logo salientar o caráter progressivo da sobretaxa ora
introduzida e pela sua cumulação com a sobretaxa de solidariedade aplicável aos
titulares de rendimentos mais elevados, sem incidir porém sobre a parte dos
rendimentos que equivalem ao salário mínimo nacional, em linha com o objetivo
prosseguido pelo princípio constitucional no que respeita à progressividade do
sistema fiscal. Salvaguardam-se assim os princípios da igualdade e da justiça
social, os quais determinam uma justa repartição dos encargos públicos pelos
cidadãos, sem no entanto desacautelar a situação daqueles que se encontram em
situação económica mais frágil.
A
introdução da sobretaxa deve, aliás, ser enquadrada no conjunto das outras
medidas de caráter fiscal ora introduzidas, as quais atingem especialmente os
titulares de rendimentos mais elevados, assim como os rendimentos de capital –
sem embargo de se reconhecer que, pelo maior impacto que representa, boa parte
destas medidas se projetam também em sede de reformulação dos escalões de IRS.
Foi, assim, a necessidade de respeitar as exigências da igualdade, da justiça e
da equidade entre os cidadãos na repartição dos sacrifícios que esteve na base
da adoção das medidas de substituição do disposto nos artigos 21.º e 25.º da
Lei do Orçamento do Estado para 2012.
Na
verdade, essa mesma preocupação levou o Governo a complementar a medida de
suspensão de um dos subsídios, relativamente aos trabalhadores do setor
público, com um conjunto de medidas transversais de caráter fiscal, envolvendo,
designadamente, para além da aludida sobretaxa sobre os rendimentos das pessoas
singulares, o aumento da taxa liberatória sobre rendimentos de capitais, a
manutenção da taxa de solidariedade sobre os rendimentos mais elevados, a
reavaliação de imóveis em sede de IMI, a limitação à dedutibilidade dos gastos
financeiros, como juros, em sede de IRC, a equiparação da taxa de imposto para
todas as formas de tabaco, a introdução de uma sobretaxa sobre património
imobiliário, incidente sobre imóveis de valor patrimonial superior a um milhão
de euros, ou a autorização para a introdução de um imposto sobre transações
financeiras, sem esquecer a já mencionada reformulação dos escalões do IRS.
[…]
Através
destas medidas, e do seu efeito conjugado, procura respeitar-se a igualdade
proporcional perante os impostos e, desse modo, respeitar a justa repartição
dos encargos públicos.
Ao
mesmo tempo, não se ignora que algumas das medidas de contenção orçamental
atingem apenas os trabalhadores do setor público. Porém, o alcance de tais
medidas é agora substancialmente limitado, através da reposição de um dos
subsídios, ou prestações equivalentes, sendo essa mesma reposição compensada
através da imposição de uma sobretaxa sobre os rendimentos sujeitos a IRS, extensível
a todos os contribuintes que auferem rendimentos superiores ao salário mínimo
nacional. Ao que acaba de ser dito acresce ainda que, em linha com todas as
decisões do Tribunal Constitucional sobre medidas de consolidação aprovadas
para os últimos exercícios orçamentais, se torna admissível efetuar alguma
diferenciação entre os trabalhadores do setor público e os do setor privado,
diferenciação essa que se justifica, além do mais, pelo caráter transitório das
medidas, as quais se encontram estritamente limitadas na sua aplicação temporal
à verificação de um equilíbrio efetivo das contas públicas.
[…]»
29. Conforme se depreende desta exposição, o interesse
público cuja prossecução conduziu o legislador à adoção das medidas constantes
das normas aqui impugnadas subsiste relacionado com a “consecução de fins de
redução da despesa pública e de correção de um excessivo desequilíbrio
orçamental” (acórdão n.º 396/2011), de acordo com um programa que, apesar de
plurianual, se mantém “temporalmente delimitado”.
Tais fins encontram-se agora sujeitos a uma
concretização calendarizada, definida no Programa de Ajustamento Económico e
Financeiro, de acordo com a qual, na sequência da revisão de que foram objeto,
os limites quantitativos para o défice se encontram fixados em 5,5% e 4%, para
os anos de 2013 e 2014, respetivamente.
O PAEF, conforme se escreveu no acórdão n.º 353/2012,
“implicou a satisfação de determinadas condições prévias por parte das
autoridades portuguesas”, sendo constituído por um «conjunto de instrumentos
jurídicos, os quais foram aprovados, por um lado, pelo Governo Português e, por
outro lado, pelo Conselho Executivo do Fundo Monetário Internacional, bem como
pelo Governo Português e pela Comissão Europeia (em nome da União Europeia) e
pelo Banco Central Europeu».
Tais instrumentos jurídicos – integrados por um
“memorando técnico de entendimento e por um memorando de políticas económicas e
financeiras que estabelecem as condições da ajuda financeira a Portugal por
parte do Fundo Monetário Internacional – são completados pelo memorando de
entendimento relativo às condicionalidades específicas de política económica,
assinado entre o Governo Português e a União Europeia e adotado com referência
ao Regulamento do Conselho (UE) n.º 407/2010, de 11 de maio de 2010, que
estabelece o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, em especial o
artigo 3.º, n.º 5, do mesmo, descrevendo este as condições gerais da política
económica tal como contidas na Decisão de Execução do Conselho n.º 2011/344/UE,
de 17 de maio de 2011, sobre a concessão de assistência financeira a Portugal.
Conforme se escreveu ainda no acórdão n.º 353/2012,
tais «memorandos são vinculativos para o Estado Português, na medida em que se fundamentam
em instrumentos jurídicos – os Tratados institutivos das entidades
internacionais que neles participaram, e de que Portugal é parte – de Direito
Internacional e de Direito da União Europeia, os quais são reconhecidos pela
Constituição, desde logo no artigo 8.º, n.º 2. Assim, o memorando técnico de
entendimento e o memorando de políticas económicas e financeiras baseia-se no
artigo V, Secção 3, do Acordo do Fundo Monetário Internacional, enquanto o
memorando de entendimento específicas de política económica se fundamenta, em
última análise, no artigo 122º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia».
Tais documentos impõem a adoção pelo Estado Português
das medidas neles contempladas como condição do cumprimento faseado dos contratos
de financiamento celebrados entre as mesmas entidades, dos mesmos resultando
que «Portugal deve adotar um conjunto de medidas e de iniciativas legislativas,
inclusivamente de natureza estrutural, relacionadas com as finanças públicas, a
estabilidade financeira e a competitividade, as quais deverão ocorrer durante
um período de 3 anos» (acórdão n.º 396/2011).
30. Instrumentalmente pré-ordenadas à realização de
objetivos orçamentais essenciais ao reequilíbrio das contas públicas, num
contexto de particular excecionalidade, as medidas impugnadas encontram-se
dirigidas à prossecução de um interesse público real, percetível, claro e
juridicamente enquadrável, coincidente com a preservação da capacidade de
financiamento do Estado no âmbito das obrigações assumidas e, por essa via, com
as possibilidades de realização das tarefas fundamentais a seu cargo.
A questão não é, portanto, a da existência de um
interesse público com cuja prossecução as medidas em causa possam ser
funcionalmente relacionadas – o que exclui a possibilidade de considerá-las
arbitrárias – mas a de saber se, do ponto de vista da posição jurídica afetada,
a relação entre esse interesse e estas medidas, o modo como o legislador
ordinário a estabeleceu e valorou, e, essencialmente, a opção que nessa
valoração fez radicar — que é a de fazer recair sobre as pessoas que auferem
remunerações por verbas públicas o esforço adicional correspondente à redução
das retribuições base superiores a €1.500 e à suspensão total ou parcial do
pagamento do subsídios de férias, ou quaisquer prestações correspondentes ao
14.º meses a partir de €600 — traduzem ou não, no contexto que resulta da Lei
do Orçamento de Estado para 2013, uma intervenção proibida pelos princípios da
proteção da confiança, da igualdade e/ou da proporcionalidade.
2. Princípio da proteção da confiança
31. De acordo com os requerentes do pedido que deu
origem ao Processo n.º 5/2013, a suspensão total ou parcial do pagamento do subsídio
de férias aos trabalhadores do setor público determinada pelas normas
constantes do artigo 29.º da Lei n.º 66-A/2012 é contrária ao princípio da
proteção da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito contemplado
no artigo 2.º da Constituição.
Pese embora a fluidez de contornos e o grau de
indeterminação de conteúdo que ao princípio da proteção da confiança são
recorrentemente apontados (acórdão n.º 237/98) – o que o tornará especialmente
sensível às circunstâncias de tempo e de lugar que definem o contexto em que é
chamado a intervir –, pode afirmar-se que o mesmo leva «postulada uma ideia de
proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na
atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos
das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente,
a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica» (cfr. acórdãos do
Tribunal Constitucional n.ºs. 11/83, 10/84, 17/84, 89/84, 303/90 e 237/98).
No caso vertente, embora se reconheça, em relação à
suspensão do subsídio de férias, que possa ter ocorrido um acréscimo de
expectativas decorrente da circunstância de o Tribunal Constitucional, no seu
acórdão n.º 353/2012, ter julgado inconstitucionais as medidas de suspensão do
subsídio de férias e de Natal introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de
dezembro, não se afigura que a adoção de uma tal medida, ainda que subsequente
à formulação desse juízo de inconstitucionalidade, mereça, na exclusiva
perspetiva da tutela da confiança, uma ponderação substancialmente distinta
daquela que suscitou a manutenção da redução salarial.
Com efeito, a suspensão do subsídio de férias – que já
havia sido adotada, no anterior exercício orçamental, em cumulação com a
suspensão do subsídio de Natal – integra-se, ainda, numa linha de atuação
programada, de caráter plurianual, que visa a realização de objetivos
orçamentais essenciais ao reequilíbrio das contas públicas, num contexto de
particular excecionalidade, o que manifestamente configura a prossecução de um
interesse público real, percetível, claro e juridicamente enquadrável,
coincidente com a preservação da capacidade de financiamento do Estado no
âmbito das obrigações assumidas e, por essa via, com as possibilidades de realização
das tarefas fundamentais a seu cargo.
32. De todo o modo, a violação do artigo 2.º da
Constituição manter-se-ia na dependência da possibilidade de reconhecer nas
medidas de redução da retribuição constantes Lei n.º 66-B/2012 uma postergação
«intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada” daqueles mínimos de
certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar,
como dimensões essenciais do Estado de direito democrático” (acórdão n.º 12/2012).
Esta
ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do
princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, tem sido
definida pelo Tribunal Constitucional por referência a dois pressupostos
essenciais:
a) a
afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando
constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os
destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não
for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve
recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente
consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do
artigo 18.º da Constituição).
Ora, no caso, há, por um lado, indícios consistentes
da necessidade de manutenção de medidas de contenção orçamental, e, por outro
lado, por todas as razões já antes expostas, são patentes as razões de
interesse público que justificam as alterações legislativas, pelo que não se
pode dizer que estejamos perante um quadro injustificado de instabilidade da
ordem jurídica.
3.
Princípio da igualdade
33.
De acordo com o sentido reiterado e uniforme da jurisprudência deste Tribunal, “só
podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as
escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se
prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não
encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis,
tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se
prosseguem” (acórdão n.º 47/2010).
Sob
tal perspetiva, a questão suscitada pela norma constante do artigo 29.º da Lei
n.º 66-B/2012, é a de saber se a manutenção da redução da remuneração mensal
base, associada à suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalente e
ambas conjugadas com a manutenção das outras medidas de contenção remuneratória
como a proibição de valorizações para trabalhadores do setor público,
correspondem a um tratamento proporcionalmente diferenciador do segmento
atingido perante o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da
Constituição, na sua dimensão de “igualdade perante a repartição de encargos
públicos”.
Mais
concretamente, tratar-se-á de saber se a medida da diferença
constitucionalmente tolerada se esgotou na redução remuneratória temporária
determinada pela Lei n.º 55-A/2010 e subsequentemente reiterada, ou, apesar de
ultrapassada já, no contexto da Lei do Orçamento de Estado para 2012, pela
associação àquela da suspensão do pagamento dos dois subsídios (cfr. o acórdão
n.º 353/2012), é ainda respeitada, pela Lei do Orçamento do Estado para 2013,
pela cumulação daquela redução com a suspensão do pagamento de um dos
subsídios.
A
igualdade proporcional só é aferível no contexto, pelo que há que atender ao
conjunto diversificado de medidas, teleologicamente unificadas, que acompanham
as de manutenção das reduções da remuneração mensal base e de suspensão total
ou parcial de um dos dois subsídios. Para além da menor expressão quantitativa
do sacrifício por estas imposto (em confronto com o resultante da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro, tendo em conta que só é afetado o subsídio de férias),
constata-se, nesta perspetiva alargada, que agora se prevê, em simultâneo
(contrariamente ao que sucedera no âmbito daquele diploma), medidas de
abrangência universal. Concebidas as intervenções redutoras do nível
remuneratório como parte de um todo, só no que a elas diz respeito se pode
apontar a repartição inigualitária de sacrifícios anteriormente sob apreciação.
Mas,
por outro lado, e em sentido inverso, não podemos abstrair do facto de ao
impacto das reduções das remunerações dos trabalhadores do setor público se
dever adicionar o impacto que, a par dos demais contribuintes, tais
trabalhadores sofrerão em resultado do aumento generalizado da carga fiscal, em
sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Sendo, por força
deste aumento, menor o rendimento disponível, maior é a específica incidência
negativa, no nível de vida dos sujeitos atingidos, do abaixamento das
remunerações.
Para
além do diferente enquadramento normativo, há que atender à situação atual das
finanças públicas e à evolução que ela sofreu desde as primeiras “medidas de
austeridade”. A questão a resolver é, por isso, diferente de qualquer uma
daquelas que, recaindo sobre as reduções remuneratórias previstas na Lei n.º
55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2011) e na Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento de Estado para 2012), foram decididas,
respetivamente, nos acórdãos n.ºs 396/2011 e 353/2012.
34.
Todavia, se muda o objeto de valoração, daí não se segue que deva mudar o
critério de apreciação que o Tribunal então enunciou e aplicou. Esse critério
conserva plena validade, apenas podendo eventualmente ser outro o resultado da
sua aplicação, em face da não coincidência do alcance das reduções
remuneratórias, atentos o seu teor e o contexto, normativo e factual, em que se
inserem.
Tal
critério diz respeito, num primeiro momento, à existência de um fundamento para
a própria opção de diferenciar e, num segundo momento, à medida em foi decidido
concretizar tal diferenciação.
A
questão, que fora já analisada no acórdão n.º 396/11, foi igualmente debatida
no acórdão n.º 353/2012, que apreciou a constitucionalidade das normas
constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro –
que haviam determinado a suspensão total ou parcial do pagamento dos subsídios
de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou,
14.º meses, quer para pessoas que auferiam remunerações salariais de entidades
públicas, quer para pessoas que auferiam pensões de reforma ou aposentação
através do sistema público de segurança social.
Nesse
caso, rejeitada a possibilidade de excluir o caráter arbitrário da
diferenciação através de um fundamento baseado na superioridade média das
retribuições auferidas pelos trabalhadores do setor público e/ou da maior
garantia de subsistência do respetivo vínculo laboral, o Tribunal considerou
subsistir, como razão justificativa para o tratamento diferenciado dos que
auferem remunerações e pensões do Orçamento do Estado, apenas “a eficácia das
medidas adotadas na obtenção de um resultado de inegável e relevante interesse
público”.
Situando
no domínio relativo à pertinência orçamental das medidas o fundamento material
para a diferenciação no âmbito da repartição dos encargos públicos, o Tribunal
ajuizou como defensável a asserção segundo a qual, “pela sua certeza e rapidez
na produção de efeitos”, a opção tomada se revelava “particularmente eficaz”,
“numa perspetiva de redução do défice a curto prazo”, mostrando-se desse modo
“coerente com uma estratégia de atuação, cuja definição cabe[ria] dentro da
margem de livre conformação política do legislador”.
Perspetivando
o fundamento para a diferenciação introduzida a partir da natureza e
especificidade da conjuntura subjacente e dos efeitos tidos em vista pelo
legislador ordinário, o Tribunal concluiu pela admissibilidade de “alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e
quem atua no setor privado da economia”, excluindo a possibilidade de, no
“contexto económico e financeiro” então presente, ser considerada
“injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução dos rendimentos dirigida
apenas aos primeiros”.
35.
Também quanto à caracterização do fundamento com base no qual é possível
excluir o caráter arbitrário da opção que, quanto à repartição dos encargos
públicos em contextos de emergência financeira, aponte para a consideração
diferenciada da posição daqueles que auferem rendimentos pagos por verbas
públicas não há razões para divergir do juízo seguido nos acórdãos n.ºs
396/2011 e 353/2012.
Numa
conjuntura de progressiva acentuação do défice das contas públicas e da
consequente dificuldade de obtenção, em condições sustentáveis, de meios
normais de financiamento, houve que proceder a um esforço de correção do desequilíbrio
orçamental para o qual, enquanto titular do poder político soberano, o Estado
foi convocado. No quadro do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para
o efeito ajustado, tornou-se necessário adotar decisões de opção quanto ao
âmbito de incidência de medidas orçamentais penalizadoras do nível de vida dos
cidadãos, ainda que numa situação de excecionalidade.
Neste
complexo campo de ponderação, não é patentemente desrazoável que o legislador
tenha atribuído às despesas com as remunerações dos trabalhadores com funções
públicas um “particularismo suficientemente distintivo e relevante para
justificar um tratamento legal diverso do concedido a situações equiparáveis
(sob outros pontos de vista)”. O que distingue as verbas despendidas com as
remunerações dessa categoria de trabalhadores é o seu impacto certo, imediato e
quantitativamente relevante nas despesas correntes do Estado, que poderia
produzir, no curto prazo, efeitos favoráveis à satisfação dos objetivos de
redução do défice orçamental que se pretendia atingir.
A
opção concretizada na afetação dessas remunerações e o tratamento diferenciado
que ela configura encontram, assim, suficiente suporte na sua peculiar relação com
os fins das normas questionadas. O critério conducente à desigualdade, em si
mesmo (pondo, pois, de lado, por enquanto, a medida dessa desigualdade, adiante
analisada), assenta na situação objetiva, em termos da fonte dos rendimentos
laborais, dos destinatários das reduções em causa: sendo eles, e apenas eles,
pagos pela afetação de recursos públicos, e não podendo o Estado, por isso
mesmo, submeter a idêntica medida os que dela ficam excluídos, não tem
fundamento constitucional pretender-se que o princípio da igualdade exige a
omissão de qualquer redução salarial, independentemente do estado das finanças
públicas.
É
certo que os modos de intervenção estão condicionados pela estratégia escolhida
e pelos índices percentuais de correção orçamental a que o Estado se vinculou
internacionalmente. Outras opções de base, quanto à política de consolidação
orçamental, são teoricamente admissíveis. Mas, justamente, esse é o domínio da
definição das linhas de atuação política, sujeito a controvérsia e debate nas instâncias
próprias, e reservado ao legislador democraticamente legitimado. O Tribunal
afirmou-o com toda a clareza nos acórdãos n.ºs 396/2011 e 353/2012, podendo
ler-se no primeiro daqueles arestos que não lhe cabe apreciar a maior ou menor
bondade das medidas implementadas, mas apenas “ajuizar se as soluções
impugnadas são arbitrárias, por sobrecarregarem gratuita e injustificadamente
uma certa categoria de cidadãos”.
Ora,
uma intervenção com um alcance redutor (apenas) das remunerações dos que são
pagos por verbas públicas não é, face ao que ficou dito, em si mesma,
arbitrária.
Esta
conclusão inscreve-se, de resto, na orientação geral do Tribunal quanto ao
princípio da igualdade. Este princípio, na sua dimensão de proibição do
arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (Acórdão n.º 188/90)
que, não eliminando a “liberdade de conformação legislativa” – entendida como a
liberdade que ao legislador pertence de “definir ou qualificar as situações de
facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência
a tratar igual ou desigualmente” –, comete aos tribunais não a faculdade de se
substituírem ao legislador, «ponderando a situação como se estivessem no lugar
dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável,
justa e oportuna (do que seria a solução ideal do caso)», mas sim
a de «afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se
credenciarem racionalmente» (acórdão n.º 270/09, que remete para os Acórdãos da
Comissão Constitucional, n.º 458, Apêndice ao Diário da República, de 23 de
agosto de 1983, pág. 120, e do Tribunal Constitucional n.º 750/95).
36.
A conclusão de que à redução salarial concretizada na norma constante do artigo
29.º da Lei n.º 66-B/2012 subjaz um critério ponderativo racionalmente
credenciável não é todavia, suficiente para assegurar a respetiva validade
constitucional.
Desde
logo porque o princípio da igualdade exige que, a par da existência de um
fundamento material para a opção de diferenciar, o tratamento diferenciado
assim imposto seja proporcionado. Se o princípio da igualdade permite (ou até
requer, em certos termos) que o desigual seja desigualmente tratado,
simultaneamente impõe que não seja desrespeitada a medida da diferença. Ainda
que o critério subjacente à diferenciação introduzida
seja, em si mesmo, constitucionalmente credenciado e racionalmente não
infundado, a desigualdade justificada pela diferenciação de situações
nem por isso se tornará “imune a um juízo de proporcionalidade” (acórdão n.º
353/2012).
A desigualdade do tratamento deverá, quanto à medida
em que surge imposta, ser proporcional, quer às razões que justificam o
tratamento desigual – não poderá ser “excessiva”, do ponto de vista do
desígnio prosseguido —, quer à medida da diferença verificada existir entre o
grupo dos destinatários da norma diferenciadora e o grupo daqueles que são
excluídos dos seus efeitos ou âmbito de aplicação.
37.
Os dois níveis de comparação em que, do ponto de vista operativo, se desdobra o
princípio da igualdade (acórdão n.º 114/2005) introduzem no tema da repartição
dos encargos públicos uma nova dimensão problemática, ela própria
multidirecional: a igualdade proporcional implica a consideração do grau de
diferenciação imposto, quer na sua relação com as finalidades prosseguidas – o
que pressupõe que as medidas diferenciadoras sejam impostas em grau necessário,
adequado e não excessivo do ponto de vista do interesse que se pretende
acautelar (cfr. acórdãos n.ºs 634/93 e 187/2001) –, quer no âmbito da
comparação a estabelecer entre os sujeitos afetados pela medida e os sujeitos
que o não são e, do ponto de vista daquela finalidade, entre uns e outros e o
Estado. Estão em causa limites do sacrifício adicional imposto àqueles
sujeitos: para além de certa medida, esse acréscimo de sacrifício traduz um
tratamento inequitativo e desproporcionado, não podendo ser justificado pelas
vantagens comparativas que esse modo de consolidação orçamental possa
apresentar quando comparado com alternativas disponíveis.
Apesar
do reconhecimento de uma diferença justificativa de (alguma) desigualdade de
tratamento, não pode ignorar-se que subsiste entre os sujeitos afetados e os
sujeitos não afetados pela opção expressa no artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012,
de outro ponto de vista também digno de consideração (o da justa repartição dos
encargos públicos), uma dimensão de igualdade a que a solução de diferenciação
não poderá ser insensível. De outro modo, a distinção introduzida no âmbito da
repartição dos encargos públicos não se revela proporcional à medida daquela
diferença, tornando-se intolerável, do ponto de vista daquela dimensão da
igualdade.
38.
De forma mais ou menos expressa, esta ordem de considerações – através da qual
se realiza a aproximação ao conceito de “justa medida” – encontra-se subjacente
aos juízos que, ainda que com consequências opostas, foram formulados no âmbito
dos acórdãos n.ºs 396/2011 e 353/2012.
Neste
último, o Tribunal, no ponto central da fundamentação, expendeu o seguinte:
«Nestes
termos, poderá concluir-se que é certamente admissível alguma diferenciação
entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia,
não se podendo considerar, no atual contexto económico e financeiro,
injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução dos rendimentos
dirigida apenas aos primeiros.
Mas,
obviamente, a liberdade do legislador recorrer ao corte das remunerações e
pensões das pessoas que auferem por verbas públicas, na mira de alcançar um equilíbrio
orçamental, não pode ser ilimitada. A diferença do grau de sacrifício para
aqueles que são atingidos por esta medida e para os que não o são não pode
deixar de ter limites.
Na
verdade, a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a
desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo
de proporcionalidade. A dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser
proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo
revelar-se excessiva».
Na medida em que nenhuma das imposições de sacrifícios
descritas teria então “equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que
aufer[iam] rendimentos provenientes de outras fontes, independentemente dos
seus montantes”, o Tribunal considerou que a «diferença de tratamento [era] de
tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia da medida adotada
na prossecução do objetivo da redução do défice público para os valores
apontados nos memorandos de entendimento não te[riam] uma valia suficiente para
justificar a dimensão de tal diferença (…)». Daí a conclusão de que «o
diferente tratamento imposto a quem aufere remunerações e pensões por verbas
públicas ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade
proporcional».
39.
O contexto orçamental, quer no plano normativo, quer no da execução, no âmbito
do qual se determina a manutenção em vigor, para o ano de 2013, da redução das
retribuições mensais base imposta pelo artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31
de dezembro – e transposta para o ano de 2012 pelo n.º 1 do artigo 20.º da Lei
n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro –, associando-lhe a suspensão total ou parcial
do pagamento de um dos dois subsídios ou prestações remuneratórias
complementares, não coincide com o vigente aquando da elaboração dos dois
orçamentos anteriores.
Quanto
à premência da prossecução da finalidade que justificou a diferenciação gerada
no âmbito da irredutibilidade salarial, não poderá dizer-se que ela se encontra
atenuada pela evolução posterior. Resulta antes do Relatório do Orçamento do
Estado para 2013 que o défice para o ano de 2012 será superior ao inicialmente
previsto. De todo o modo, certo é que, não obstante a revisão dos objetivos do
défice para 2013, está prevista, na linha da estratégia implementada, a
obtenção de valores sucessivamente mais baixos. Para alcançar esses valores,
acordados com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, após a
5.ª atualização do PAEF, não é plausível que se tenha tornado dispensável a
perduração de medidas de contenção orçamental.
Por
outro lado, do ponto de vista da ponderação de medidas de alcance geral, que
melhor assegurem a repartição justa dos encargos públicos, verifica-se que elas
foram tomadas, mas não em substituição integral das medidas que afetam
exclusivamente os funcionários públicos e equiparados. Trata-se antes de
medidas adicionais, quer pelo lado da receita, quer pelo lado da despesa, que
se aplicam cumulativamente com a redução de vencimentos e a suspensão do
pagamento do subsídio de férias.
Algumas
destas últimas medidas repercutem-se especialmente na situação profissional e
nível remuneratório dos trabalhadores em funções públicas, ou, mais em geral,
nos rendimentos do trabalho. É o caso da redução adicional na compensação sobre
o valor do pagamento do trabalho extraordinário em dia normal de trabalho,
aplicável aos trabalhadores cujo período normal de trabalho não exceda as sete
horas por dia ou as trinta e cinco horas por semana, equivalente a 12,5 % da
remuneração na primeira hora e a 18,75% da remuneração nas horas ou frações
subsequentes (artigo 45.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012) e da redução para 25%
do valor do acréscimo remuneratório devido por cada hora de trabalho
extraordinário prestado em dia de descanso semanal,
obrigatório ou complementar, e em dia feriado (artigo 45.º, n.º 2, da
Lei n.º 66-B/2012) – medidas, aliás, igualmente impugnadas, não obstante terem
sido apresentadas como fatores de compensação para o desagravamento do nível de
ablação da retribuição anual dos trabalhadores do setor público decorrente da
reposição de um dos dois subsídios abrangidos pela suspensão determinada pelo
artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011. É o caso, também, da proibição, como regra
geral, de quaisquer valorizações remuneratórias decorrentes de promoções ou
progressões (artigo 35.º da Lei n.º 66-B/2012) e da atribuição de prémios de
gestão aos gestores de empresas públicas, entidades reguladoras e institutos
públicos (artigo 37.º da Lei n.º 66-B/2012), bem como a redução anual de efetivos
em 2%, com impacto estimado de redução da despesa em 0,2% do PIB, em valores
brutos face ao ano anterior (330 M€). No âmbito ainda das medidas de racionalização dos custos com pessoal,
encontram-se igualmente previstas a redução do número de contratos de
trabalho a termo resolutivo (artigo 59.º da Lei n.º 66-B/2012), a alteração das
regras de atribuição do abono de ajudas de custo nas deslocações em serviço
(alteração ao Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, introduzida pelo artigo
41.º da Lei n.º 66-B/2012), a redução de subsídio de residência/habitação
atribuído a titulares de cargos públicos (alteração ao Decreto-Lei n.º 72/80,
de 15 de abril, introduzida pelo artigo 43.º da Lei n.º 66-B/2012), a redução
em 50% do valor das subvenções pagas aos trabalhadores que, no âmbito da
mobilidade especial, se encontram de licença extraordinária (artigo 43.º da Lei
n.º 66-B/2012) e ainda a redução no seu conjunto, no mínimo, em 3% do número de
trabalhadores face aos existentes em 31 de dezembro de 2012, com exceção dos
hospitais, E. P. E. (artigo 63.º da Lei n.º 66-B/2012).
As
medidas adotadas pelo lado da receita – através das quais se visa promover uma
«maior igualdade na distribuição do impacto das medidas de austeridade entre os
diversos setores da sociedade portuguesa de forma a garantir que os
contribuintes que revelam uma maior capacidade contributiva suportarão, na
medida dessa capacidade, um esforço acrescido no esforço de consolidação»
(Relatório, pág. 60), vão onerar também a situação de quem recebe remunerações
de entidades públicas. Este agravamento fiscal acrescerá, assim, ao esforço já
exigido a estes mesmos contribuintes com a manutenção da redução das
remunerações e a suspensão do pagamento do subsídio de férias. Mesmo a medida
fiscal alegadamente consagrada para compensar a menor diminuição da despesa
pública por força da reposição do subsídio de Natal – a “sobretaxa em sede de
IRS” – abrange também os que estão sujeitos às reduções salariais.
40.
Daqui se segue que, para o ano de 2013, continuará a exigir-se de quem recebe
remunerações salariais de entidades públicas um esforço adicional que não é
exigido aos titulares de outros rendimentos e, designadamente, aos titulares de
rendimentos idênticos provenientes do trabalho, no âmbito do setor privado.
Esta
opção de diferenciação é expressamente assumida no Relatório do Orçamento do
Estado para 2013 (pág. 41), onde se refere o seguinte:
«[…]
Ao
mesmo tempo, não se ignora que algumas das medidas de contenção orçamental atingem
apenas os trabalhadores do setor público. Porém, o alcance de tais medidas é
agora substancialmente limitado, através da reposição de um dos subsídios, ou
prestações equivalentes, sendo essa mesma reposição compensada através da
imposição de uma sobretaxa sobre os rendimentos sujeitos a IRS, extensível a
todos os contribuintes que auferem rendimentos superiores ao salário mínimo
nacional. Ao que acaba de ser dito acresce ainda que, em linha com todas as
decisões do Tribunal Constitucional sobre medidas de consolidação aprovadas
para os últimos exercícios orçamentais, se torna admissível efetuar alguma
diferenciação entre os trabalhadores do setor público e os do setor privado,
diferenciação essa que se justifica, além do mais, pelo caráter transitório das
medidas, as quais se encontram estritamente limitadas na sua aplicação temporal
à verificação de um equilíbrio efetivo das contas públicas.»
A
questão de fundo sobre a qual o Tribunal tem que se pronunciar, à luz do
parâmetro constitucional fornecido pelo princípio da igualdade, é justamente a
de saber se o alcance das medidas diferenciadoras “é agora substancialmente
limitado”, como pretende o citado Relatório, em termos de ficar assegurada, na
Lei do Orçamento para 2013, a observância daquele princípio.
41.
Nesta análise, o Tribunal entende que deverá efetuar as seguintes ponderações.
Quando
impôs a redução de vencimentos aos servidores do Estado na Lei do Orçamento
para 2011 e, no ano seguinte, adicionou a essa a medida a ablação dos subsídios
de férias e de Natal, o legislador invocou a necessidade urgente de corrigir os
desequilíbrios orçamentais e o profundo agravamento das finanças públicas,
considerando tais medidas como absolutamente necessárias para assegurar as
metas exigentes a que Portugal se vinculou e para preservar a manutenção e
sustentabilidade do Estado Social e garantir o financiamento da economia
portuguesa (Relatório OE 2012, págs. 21-22).
Foi
entendido que, pelo lado da despesa, só a diminuição dos salários permitia conseguir
resultados a curto prazo, em vista à satisfação dos compromissos com instâncias
europeias e internacionais, e essa era, nesse sentido, uma medida de garantia
de eficácia certa e imediata, que não poderia ser compensada, com idênticos
efeitos económicos-financeiros, através da redução de despesa por via da
diminuição de outros encargos ou mediante um aumento de receitas por via
fiscal.
Quando entramos no terceiro exercício orçamental
consecutivo, que visa dar cumprimento ao programa de assistência financeira, o
argumento da eficácia imediata das medidas de suspensão de subsídio não tem
agora consistência valorativa suficiente para justificar o agravamento (em
relação ao Orçamento de Estado para 2012) dos níveis remuneratórios dos
sujeitos que auferem por verbas públicas.
Isso,
tendo sobretudo em conta que os limites de consolidação orçamental atualmente
definidos no Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), eram já
antes impostos, num primeiro momento, pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento
(PEC) e, depois, em moldes formalmente mais vinculativos, pelo “Memorando de
entendimento sobre as condicionalidades de política económica”, acordado com a
Comissão Europeia, e do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras,
assinado com o FMI.
Sendo
certo que existem diversas medidas de contenção de custos do funcionamento do
Estado e da administração local que, em articulação com outras com impacto no
lado da receita, se encontravam já previstas no Memorando de entendimento sobre
as condicionalidades da política económica, subscrito em 17 de maio de 2011,
com o apontado objetivo de correção do défice.
Quando
uma redução dos salários do setor público, a pretexto da excecionalidade da
situação económica, devia ser acompanhada de soluções alternativas de redução
da despesa pública, não serve hoje de justificação para a supressão de um dos
subsídios que integram a retribuição dos trabalhadores da Administração
Pública, a par da diminuição da remuneração mensal, que essa seja ainda a
medida que apresenta efeitos seguros e imediatos na redução do défice e a única
opção – como se afirma no Relatório do OE para 2013 – para garantir a
prossecução do objetivo traçado.
As
razões que permitiriam reconhecer a impossibilidade de o legislador encontrar medidas
sucedâneas, num contexto de urgência de obtenção de resultados – e que o
acórdão n.º 396/2011 aceitou, por referência à redução salarial prevista na Lei
do Orçamento de 2011 -, não apresentam o mesmo grau de convencimento em relação
aos períodos orçamentais ulteriores. E, como se afirmou em declaração de voto
aposta ao acórdão n.º 353/12, o decurso do tempo implica um acréscimo de
exigência ao legislador no sentido de encontrar alternativas que evitem que,
com o prolongamento, o tratamento diferenciado se torne claramente excessivo
para quem o suporta, e exige ao legislador um ónus de fundamentação em termos
de valores previsíveis para as diversas alternativas possíveis de aumento de
receita ou redução de despesa.
42.
Por outro lado, a medida de suspensão do subsídio de férias, cumulada com as
reduções salariais que provêm já do exercício orçamental de 2011, que incidem
sobre os trabalhadores do setor público, a par de um forte agravamento fiscal
aplicável generalizadamente aos rendimentos do trabalho, não pode encontrar
justificação suficiente no princípio da vinculação ao interesse público.
Como
observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o que unifica e dá
sentido ao regime próprio da função pública é a necessária prossecução do
interesse público a título exclusivo, como logo explicita o artigo 269º, n.º 1,
da Constituição, em concordância com o objetivo constitucional da Administração
Pública que está expresso no precedente artigo 266º, n.º 1. No entanto, como
acrescentam os mesmos autores, a vinculação exclusiva ao interesse público só
afeta os trabalhadores da Administração Pública, quando no exercício das suas
funções, não podendo a vinculação afetar ou limitar a sua vida privada ou o
exercício dos seus direitos fora dela (Constituição da República Portuguesa
Anotada, vol. II, 4ª edição, Coimbra, pág. 840).
A
principal consequência dessa sua vinculação ao interesse público é a sujeição a
uma situação estatutária, que se distingue de um estatuto tipicamente
contratual, por se tratar de uma situação jurídica objetiva, definida legal e
regulamentarmente, e que pode ser modificada unilateralmente pelo Estado
através de uma nova normação jurídica. O legislador dispõe de liberdade
conformativa para adaptar o regime da função pública às necessidades de interesse
público que em cada momento se façam sentir.
Um
dos aspetos mais relevantes da mais recente evolução legislativa no âmbito da
relação jurídica de emprego público traduziu-se justamente na chamada
laboralização da função pública, concretizada especialmente através do diploma
que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e remunerações (Lei n.º
12-A/2008, de 27 de fevereiro), e pelo qual a modalidade de constituição da
relação de emprego por nomeação passou a revestir um caráter excecional,
abrangendo no essencial as atividades que envolvam poderes de autoridade ou de
soberania (artigo 10º), com o consequente alargamento do campo de aplicação do
contrato de trabalho, que passou a constituir a modalidade comum da
constituição da relação de emprego público (artigo 20º).
O
Contrato de Trabalho em Funções Públicas, regulado pela Lei n.º 59/2008, de 11
de setembro (RCTFP) – que deu concretização prática a essa alteração
legislativa -, que tem um regime decalcado do Código de Trabalho (CT), é expressamente
qualificado como uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa
(artigo 9º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008), passando a sujeitar os trabalhadores
adstritos à generalidade das atividades desenvolvidas pela Administração, a um
regime de vinculação mais flexível do que aquele que decorria do anterior
regime-regra de nomeação e equiparável ao da relação laboral de direito
privado, e que simultaneamente implica para a entidade empregadora
pública os mesmos condicionamentos, no âmbito da correspondente relação
jurídica de emprego, que se encontram estabelecidos para o empregador privado.
Sintomático
do paralelismo agora estabelecido entre a relação laboral privada e o contrato
de trabalho em funções públicas é a recente Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro,
que procedeu à uniformização das regras entre o RCTFP e o CT, entretanto
alterado pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, mormente em matéria de
flexibilização do horário de trabalho, retribuição do trabalho suplementar,
eliminação do descanso compensatório remunerado, alteração do regime de
contabilização dos dias de férias, regime de faltas ao trabalho e de cessação
do contrato de trabalho, acentuando a aproximação às regras do Código do
Trabalho.
De
resto, atenta a possibilidade de modificação do estatuto profissional dos
trabalhadores da Administração Pública, o Tribunal Constitucional pronunciou-se
já no sentido de poder haver lugar a uma redução progressiva de vencimentos em
caso de modificação orgânica dos serviços (situação analisada no acórdão do TC
n.º 4/2003) ou ao congelamento dos suplementos remuneratórios em resultado de
alterações no regime de carreiras (aspeto considerado no acórdão n.º 12/2012),
questões que sempre terão de ser escrutinadas, no plano da constitucionalidade,
à luz do princípio da proteção da confiança. O que não faz sentido é que se
convoque a vinculação ao interesse público dos trabalhadores da Administração
Pública, caracterizada pela referida situação estatutária ou pelo estatuto
legal do contrato, como fundamento para a imposição continuada de sacrifícios a
esses trabalhadores por via da redução unilateral dos salários, quando assim
não se pretenda mais do que um objetivo de caráter geral em vista ao
cumprimento das metas de redução do défice.
43.
Por outro lado, relativamente a um argumento já invocado no Relatório do
Orçamento para 2012, o Tribunal reitera o entendimento já formulado no acórdão
n.º 353/2012 quanto à irrelevância, como parâmetro valorativo do princípio da
igualdade, do estatuto qualitativo dos trabalhadores da Administração Pública
por comparação com os trabalhadores do setor privado, quando o que está em
causa é a imposição de um encargo específico que incide apenas sobre uma dessas
categorias de trabalhadores.
Não
deixam de ter aqui relevo considerações já antes expendidas, que não permitem
tomar como assente a ideia de imutabilidade do vínculo laboral de emprego
público – agora sujeito para a generalidade dos trabalhadores que exercem
funções públicas a um regime idêntico ao previsto para a relação laboral
privada -, e também a ideia, já expressa no citado acórdão n.º 353/2012, de não
ser possível estabelecer um quadro comparativo, a nível quantitativo, das
remunerações auferidas em qualquer dos setores de atividade, por estarem aí
implicados diferentes tipos de trabalho e estatutos profissionais.
Independentemente,
porém, da dificuldade de aferição, em termos qualitativos, da situação global
dos trabalhadores do setor público por confronto com a dos trabalhadores do
setor privado, o certo é que, do ponto de vista da repartição dos encargos
públicos, o que é comparável é a posição subjetiva de um trabalhador da
Administração Pública com a de um trabalhador com vínculo laboral privado, em
pleno emprego, e com a mesma capacidade de ganho, ou com um qualquer outro
titular de rendimentos de idêntica grandeza.
A
imposição de sacrifícios mais intensos aos trabalhadores que exercem funções
públicas não pode ser justificada por fatores macroeconómicos relacionados com a
recessão económica e o aumento do desemprego, que terão de ser solucionados por
medidas de política económica e financeira de caráter geral, e não por via de
uma maior penalização dos trabalhadores que, no plano da empregabilidade, não
suportam, ou não suportam em idêntico grau, os efeitos recessivos da conjuntura
económica.
44.
Em contrapartida, o legislador, na escolha da decisão política, não poderia ter
deixado de atribuir um relevo autónomo ao princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que é realizado tendencialmente através do sistema fiscal.
E
que constitui a necessária decorrência da caracterização Estado português como
um estado fiscal, «em que a figura do imposto constitui o tipo regra de
tributo, ou seja, em que o suporte financeiro normal de realização do bem comum
da responsabilidade do Estado (e demais entes públicos) se traduz em encargos
gerais …» (Casalta Nabais, o
«atual O princípio do Estado Fiscal, in «Estudos jurídicos e
económicos em homenagem ao Professor João Lumbrales», FDUL, 2000, pág. 386).
No
caso vertente, o legislador, na sequência da declaração de
inconstitucionalidade emitida pelo Tribunal Constitucional em relação às
medidas previstas nos artigos 21º e 25º da Lei do Orçamento de Estado para
2012, e pretendendo extrair as devidas consequências dessa decisão, determinou,
em relação aos trabalhadores do setor público, a suspensão para o exercício
orçamental de 2013 de apenas um dos subsídios, que é complementada, como medida
compensatória desse aumento de despesa, pela aplicação de uma sobretaxa de
3,5%, e que faz reverter a favor dos cofres do Estado o pagamento em duodécimos
do subsídio de Natal, que foi entretanto reposto.
Introduziu
ainda um forte agravamento fiscal, que afeta todos os contribuintes, por via quer
da redução dos escalões de IRS, quer de diversas outras medidas fiscais
avulsas, em que avulta a redução das deduções à coleta (artigo 186º).
A
pretendida execução da decisão do Tribunal Constitucional determinou, nestes
termos, um agravamento da situação fiscal dos contribuintes em geral, e um
agravamento, em particular, da posição dos trabalhadores da Administração
Pública, que ficaram sujeitos, pelo efeito cumulado das reduções salariais, da
supressão de um subsídio e do aumento da carga tributária, a uma perda de
rendimento disponível superior àquela que já resultava das medidas que tinham
sido implementadas no âmbito do Orçamento do Estado para 2012.
No
Relatório do Orçamento do Estado para 2013, sustenta-se que, através de um
conjunto de medidas transversais de caráter fiscal, que envolve a referida
sobretaxa sobre os rendimentos das pessoas singulares, o aumento (reduzido) da
taxa liberatória sobre os rendimentos de capitais e a manutenção da taxa de
solidariedade sobre os rendimentos mais elevados, além do agravamento fiscal
por via das alterações feitas ao Código do IRS pelo artigo 186º da Lei do
Orçamento, se procurou respeitar “a igualdade proporcional perante os impostos
e, desse modo, respeitar a justa repartição dos encargos públicos” (pág. 41).
Considerando-se, nessa linha de argumentação, que o alcance das medidas de
contenção orçamental que atingem apenas os trabalhadores do setor público são
agora de alcance mais limitado.
Importa
reter, no entanto, que a redução salarial aplicada aos trabalhadores da
Administração Pública, por efeito da cumulação da diminuição da remuneração
mensal, que vigora desde 2011, com a suspensão de um dos subsídios agora
imposta, representa objetivamente um entorse ao princípio da igualdade de
contribuição para os encargos públicos, implicando que certos sujeitos passivos
do imposto (definidos em função de certo estatuto profissional) disponham de
menor capacidade económica para satisfazer o aumento de encargos fiscais que
foi imposto generalizadamente a todos os cidadãos.
Numa
situação conjuntural em que se pretende fazer face a objetivos de consolidação
orçamental, a penalização de uma certa categoria de pessoas por intermédio da
conjugação de medidas de agravamento fiscal e de diminuição de salários, põe em
causa o modo de distribuição dos encargos públicos.
O Tribunal decidiu já, através dos falados acórdãos
n.ºs 396/2011 e 353/2012, que é admissível efetuar alguma diferenciação entre
os trabalhadores do setor público e os do setor privado, apenas pelo facto de
aqueles serem remunerados por verbas públicas. Não excluindo que o legislador,
em excecionais circunstâncias económico-financeiras, e como meio de rapidamente
diminuir o défice público, possa recorrer a uma medida de redução dos
rendimentos de trabalhadores da Administração Pública, ainda que essa medida se
traduza num tratamento desigual, relativamente a quem aufere rendimentos
provenientes do setor privado da economia, por considerar que há ainda aí uma
justificação que afasta a eventual violação do princípio da igualdade na
repartição dos encargos públicos.
Na última dessas decisões, o Tribunal considerou,
porém, que os efeitos cumulativos e continuados dos sacrifícios impostos às
pessoas com remunerações do setor público, sem equivalente para a generalidade
dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes,
corresponde a uma diferença de tratamento que não encontra já fundamento
bastante no objetivo da redução do défice público. E implica por isso uma
violação do princípio da igualdade proporcional, assente na ideia de que a
desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo
de proporcionalidade e não pode revelar-se excessiva.
Não há motivo agora para alterar este juízo.
A concorrência
de medidas de incidência geral é um dado de certo modo ambivalente, que não
releva para a formulação de um juízo de igualdade proporcional. Persistindo uma
diferença de tratamento, o aumento da carga fiscal idêntico para todos os
contribuintes, independentemente da fonte dos seus rendimentos, não é
suscetível de atenuar essa diferença, que afeta apenas quem recebe remunerações
por verbas públicas.
O
agravamento fiscal teve ainda um efeito de maior onerosidade para essa
categoria de pessoas relativamente à situação que resultava das medidas
precedentemente previstas na Lei do Orçamento de Estado para 2012.
E,
por outro lado, a redução salarial tem vindo a ser acompanhada, entre outras,
de medidas adicionais de congelamento de progressão na carreira e de
valorização remuneratória, que, objetivamente, representam também uma alteração
significativa da posição jurídica dos trabalhadores da Administração Pública
(artigos 24.º, n.ºs 1 e 9, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, 20º, n.º 5,
da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 35º, n.ºs 1 e 12, da Lei n.º
66-B/2012, de 31 de dezembro).
45.
Em suma, em relação à norma do artigo 29º, que determinou a suspensão do
pagamento do subsídio de férias ou equivalente para os trabalhadores da
Administração Pública, e apesar de ter sido acompanhada de um conjunto mais
abrangente de medidas de caráter fiscal que afetam a generalidade dos
contribuintes, o Tribunal entende que o seu efeito conjugado com a redução
salarial prevista naquela outra disposição, desrespeita o princípio da
igualdade proporcional e da justa repartição dos encargos públicos.
Não
só porque o tratamento diferenciado dos trabalhadores do setor público não pode
continuar a justificar-se através do caráter mais eficaz das medidas de redução
salarial, em detrimento de outras alternativas possíveis de contenção de
custos, como também porque a sua vinculação ao interesse público não pode
servir de fundamento para a imposição continuada de sacrifícios a esses
trabalhadores mediante a redução unilateral de salários, nem como parâmetro
valorativo do princípio da igualdade por comparação com os trabalhadores do
setor privado ou outros titulares de rendimento. E ainda porque a penalização
de certa categoria de pessoas, por efeito conjugado da diminuição de salários e
do aumento generalizado da carga fiscal, põe em causa os princípios da
igualdade perante os encargos públicos e da justiça tributária.
46. Poderia dizer-se que o efeito cumulado de redução
salarial decorrente das referidas normas dos artigos 27º e 29º não é aplicável
às pessoas cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a €600 e não
exceda €1500, que, estando sujeitas a uma suspensão do pagamento do subsídio de
férias, nos termos do n.º 2 deste último preceito, não se encontram abrangidas
pela disposição remuneratória do artigo 27º, que apenas atinge as remunerações
ilíquidas mensais superiores a €1500.
No entanto, como se afirmou no acórdão n.º 353/2012,
perante a solução legislativa que resultava do artigo 21º da Lei n.º 64-B/2011,
de 30 de dezembro (que, para o ano de 2012, suspendeu o pagamento de férias e
de Natal para pessoas com os mesmos níveis remuneratórios), estamos, neste
caso, perante retribuições de tal modo exíguas que um sacrifício adicional por
via da supressão, ainda que parcial, de complementos salariais que integram a
retribuição, é já de si excessivamente gravoso. É certo que pela Lei do
Orçamento do Estado para 2012 foi reposto o pagamento do subsídio de Natal
(artigo 28º), mas, como já se fez notar, o valor correspondente é neutralizado
pela incidência da sobretaxa em sede de IRS, a que se refere o artigo 187º,
pelo que os trabalhadores da Administração Pública afetados pela medida
prevista no artigo 29º, n.º 2, estão, na prática, em situação idêntica àquela
que determinou o juízo de inconstitucionalidade formulado por aquele outro
aresto.
E estas reduções suscitam ainda, do ponto de vista do princípio
da igualdade, dificuldades acrescidas de validação constitucional, tendo em
conta que rendimentos muitíssimo superiores, inclusive rendimentos do trabalho,
a elas ficam imunes.
47. Poderia ainda questionar-se, neste universo de
referência, se não é posto em causa o direito fundamental a uma existência
condigna, hoje tido como uma emanação garantística nuclear do supraprincípio
da dignidade da pessoa humana, que foi expressamente convocado pelos
requerentes do pedido que originou o Processo n.º 8/2013.
Desde cedo, a jurisprudência do Tribunal reconheceu na
dignidade da pessoa humana «um verdadeiro princípio regulativo primário da
ordem jurídica, fundamento e pressuposto de validade das respetivas normas»
(assim, acórdão n.º 105/90), diretamente convocável, também na área de tutela
atinente às condições materiais de vida. Nessa jurisprudência, o núcleo
essencial da garantia de existência condigna, inerente ao respeito pela
dignidade da pessoa humana, tem sido perspetivado, de forma reiterada e
constante, por referência ao valor do salário mínimo nacional, considerado como
«a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as
necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador». Por tal valor
«ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em
todo, reduzido, qualquer que seja o motivo» (acórdão n.º 62/2002).
Com base em tal enquadramento, o Tribunal tem
entendido que a Constituição impõe a impenhorabilidade de pensões sociais de
montante reduzido, que não exceda o salário mínimo nacional e, quanto aos
rendimentos do trabalho, inviabiliza a penhora que conduzir à privação da
disponibilidade do salário mínimo nacional, quando o devedor não for titular de
outros bens ou rendimentos suscetíveis de penhora (acórdão n.º 177/2002), o que
tem por base a ideia de que «na fixação dos montantes do salário mínimo ocorrem
não só considerações atinentes ao princípio de justiça comutativa e à própria
ideia de dignidade do trabalho, mas também outras razões sociais e económicas,
como as necessidades dos trabalhadores, o aumento de custo de vida, a evolução
da produtividade, a sustentabilidade das finanças públicas».
Em
relação ao caso agora em análise, importa notar que o objeto de ponderação é
uma intervenção normativa que afeta montantes remuneratórios de valor muito
baixo, e o que está em causa é uma dimensão negativa da vinculação das
entidades públicas aos direitos fundamentais, e não uma dimensão positiva,
de criação ou manutenção dos pressupostos de facto e de direito necessários à
efetivação de um direito fundamental.
De todo o modo, considerando que o valor da
retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo 273.º do
Código do Trabalho se encontra fixado em €485 (Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31
de dezembro) e que a medida agora prevista no artigo 29º, n.º 2, apenas afeta
trabalhadores do setor cuja remuneração mensal seja igual ou superior a €600,
não se torna, à partida, evidente a violação do princípio da sobrevivência
condigna ou do direito ao mínimo de sobrevivência, à luz dos critérios que têm sido
seguidos e densificados na jurisprudência constitucional.
48. Em face de todo o exposto, o tribunal pronuncia-se
no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 29.º, por violação do
princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos e do princípio da
igualdade proporcional, e da inconstitucionalidade consequencial da norma do
artigo 31.º.
F.
Norma que reduz os valores da retribuição horária referentes ao pagamento de
trabalho extraordinário devido aos trabalhadores do setor público (artigo 45.º)
49.
Do conjunto das normas impugnadas relativas ao regime remuneratório dos
trabalhadores do setor público, a última diz respeito ao pagamento do trabalho
extraordinário.
De
acordo com o n.º 1 do artigo 45.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro,
«durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental,
todos os acréscimos ao valor da retribuição horária referentes a pagamento de
trabalho extraordinário prestado em dia normal de trabalho pelas pessoas a que
se refere o n.º 9 do artigo 27.º, cujo período normal de trabalho, legal e/ou
convencional, não exceda 7 horas por dia nem 35 horas por semana são realizados
nos seguintes termos: a) 12,5 % da remuneração na primeira hora; b)
18,75 % da remuneração nas horas ou frações subsequentes».
De
acordo com o respetivo n.º 2, «[o] trabalho extraordinário prestado pelo
pessoal a que se refere o número anterior, em dia de descanso semanal,
obrigatório ou complementar, e em dia feriado confere às pessoas a que se
refere o n.º 9 do artigo 27.º o direito a um acréscimo de 25% da remuneração
por cada hora de trabalho efetuado».
O
regime fixado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro, tem, segundo o estabelecido no respetivo n.º 3, natureza imperativa,
prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em
contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e
contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.
50.
Embora em grau diferente, a medida excecional de estabilidade orçamental
destinada a vigorar durante a vigência do PAEF, consistente na redução de todos
os acréscimos ao valor da retribuição horária referentes a pagamento de
trabalho extraordinário prestado em dia normal de trabalho pelos trabalhadores
do setor público constava já da Lei do Orçamento de Estado para 2012,
encontrando-se prevista no artigo 32.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.
De
acordo com o então estabelecido no respetivo n.º 1, o pagamento dos referidos acréscimos
seria realizado através da aplicação do coeficiente de “25 % da remuneração na
primeira hora” e de “37,5 % da remuneração nas horas ou frações subsequentes”,
enquanto, por força do respetivo n.º 2, o “trabalho extraordinário prestado em
dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado”
determinaria o direito a um acréscimo de 50% da remuneração por cada hora de
trabalho efetuado. Tal como o agora previsto no artigo 47.º da Lei n.º
66-B/2012, também o regime consagrado para 2012 nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º
da Lei n.º 64-B/2011, tinha, segundo o estabelecido no respetivo n.º 3,
“natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou
excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de
trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos
mesmos”.
51.
Nos termos previstos no artigo 67º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a
remuneração dos trabalhadores que exerçam funções ao abrigo de relações jurídicas
de emprego público é composta por remuneração base, suplementos remuneratórios
e prémios de desempenho, sendo devidos os suplementos remuneratórios,
designadamente, quando os trabalhadores, em certos postos de trabalho, fiquem
sujeitos, de forma anormal e transitória, a prestação de trabalho
extraordinário noturno, em dias de descanso semanal, complementar e feriados
(artigo 73º, n.º 3, alínea a)). Sendo que esses suplementos são apenas devidos
enquanto perdurem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição
(artigo 73º, n.º 4).
Pela
sua própria natureza, apesar de ser tido como um suplemento remuneratório e de
corresponder à contrapartida do trabalho efetuado, o acréscimo pecuniário
devido pela prestação de trabalho extraordinário não assume, contrariamente ao
que sucede com os subsídios de férias e de Natal, o caráter de habitualidade ou
regularidade que tipicamente caracteriza a prestação retributiva, em sentido
técnico-jurídico. À semelhança do que sucede no âmbito da relação laboral privada,
em que o conceito jus-laboral de retribuição (artigos 258.º e 260.º do Código
de Trabalho), surge associado à “retribuição base” e às demais prestações
pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da atividade, assim
entendidos como complementos salariais certos.
Não
integrando o pagamento do trabalho extraordinário, pelo menos de forma direta e
necessária, o conceito qualitativo de retribuição, é de afastar, desde logo, a
invocada garantia constitucional da irredutibilidade do salário como parâmetro
constitucional pertinente à aferição da validade da medida legislativa, ora
questionada, que opera a redução dos coeficientes para o respetivo cálculo.
Por
outro lado, sendo a remuneração proporcionada pelo trabalho suplementar de
natureza variável e não prognosticável, porque dependente de decisões
gestionárias da esfera exclusiva do empregador, também não merece acolhimento a
invocação, nesta sede, de que uma tal medida violaria o princípio
constitucional da confiança, aqui valendo, a fortiori todas as razões
por que se considerou, em relação às medidas de redução e suspensão de
pagamento que afetam componentes integrantes da retribuição (artigos 27.º e
29.º da Lei n.º 66-B/2012) – onde a expectativa de imutabilidade é mais
consistente e duradouramente formada – um dano de confiança suscetível de
merecer censura constitucional.
52.
Finalmente, importa verificar se a redução dos coeficientes para o cálculo do
suplemento remuneratório devido aos trabalhadores do setor público, pela
realização de trabalho extraordinário, determinada pelo artigo 45.º da Lei do
Orçamento do Estado para 2013, viola o princípio da igualdade, que também é
invocado como fundamento do respetivo pedido de declaração de
inconstitucionalidade.
O ponto
de comparação que, numa primeira aproximação, deve ser diretamente tido em
conta é o pagamento suplementar devido, por esta causa, aos trabalhadores do
setor privado. Esse regime foi também recentemente alterado, por via da Lei n.º
23/2012, de 25 de junho, que deu nova redação aos artigos 268.º e 269.º do
Código do Trabalho. Os valores a aplicar sofreram uma redução para metade,
sendo agora de 25% pela primeira hora ou fração desta, 37,5% por hora ou fração
subsequente e 50% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal,
obrigatório ou complementar, ou em feriado. Esta redução visou dar cumprimento
ao “Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego”, nos termos do
qual (pág. 40) “é necessário aproximar os valores devidos em caso de prestação
de trabalho suplementar daqueles que são aplicados em países concorrentes (…)”.
Os
valores fixados no artigo 45.º da Lei n.º 66-B/2012 são precisamente metade
destes. Quanto à possibilidade de alteração por instrumento de regulamentação coletiva,
a situação é tendencialmente a mesma nos dois setores laborais, pois, se o n.º
3 do artigo 268.º do Código do Trabalho a admite e o n.º 3 do artigo 45.º dessa
Lei a proíbe, a diferença é eliminada porque o artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º
23/2012 suspende a aplicação do n.º 3 do artigo 268.º durante dois anos e a
norma do artigo 45.º só vigora “durante a vigência do PAEF”, ou seja, durante o
mesmo período.
De
todo o modo, a diferença de valores é de monta. Simplesmente, essa diferença
não tem correspondência em valor significante para identificar, sem margem para
dúvidas, uma situação de desigualdade desrazoável. Isto porque outros elementos
da situação laboral, relevantes no mesmo campo de valoração e,
logo, a terem que ser considerados numa ponderação mais abrangente – temos em
mente, em especial, o horário normal de trabalho - diferenciam notoriamente os
dois setores, com favorecimento global do trabalho em funções públicas.
É
quanto basta para que não seja possível asseverar, com o grau de evidência
exigível, que há aqui um tratamento desigual sem fundamento razoável.
53. Os requerentes no Processo n.º 8/2013 estendem à
referida norma do artigo 45º a invocação da violação do caso julgado, da regra
da anualidade do orçamento, do direito à contratação coletiva e do disposto no
artigo 105º, n.º 2, da Constituição, nos mesmos termos aplicáveis às
disposições que determinaram a redução salarial (artigo 27º) e a suspensão do
subsídio de férias (artigo 29º). Valem, no entanto aqui, todas as considerações
que foram já anteriormente expendidas a esse propósito, pelo que nenhum desses
parâmetros.constitui também fundamento para um juízo de inconstitucionalidade.
G. Norma que suspende parcialmente o pagamento do
subsídio de férias de aposentados e reformados (artigo 77.º)
55. O artigo 77.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro, norma que suspende parcialmente o pagamento do subsídio de férias de
aposentados e reformados, é objeto dos pedidos formulados nos Processos n.ºs
2/2013, 5/2013, 8/2013 e 11/2013.
Determina-se nesse preceito, durante a vigência do
PAEF, e como medida excecional de estabilidade orçamental, a suspensão do
pagamento de 90 % do subsídio de férias ou quaisquer prestações correspondentes
ao 14.º mês, pagas pela Caixa Geral de Aposentações, pelo Centro Nacional de
Pensões e, diretamente ou por intermédio de fundos de pensões, por quaisquer
entidades públicas, aos aposentados, reformados, pré-aposentados ou equiparados
cuja pensão mensal seja superior a €1100 (n.º 1).
E
ainda, nos termos do n.º 4, uma redução no subsídio ou prestações equivalentes
aos aposentados cuja pensão mensal seja igual ou superior a €600 e não exceda o
valor de €1100, que é calculada segundo a fórmula: subsídio/prestações = 1188 -
0,98 x pensão mensal.
O
mesmo regime é aplicável correspondentemente ao valor mensal das subvenções
mensais vitalícias, depois de atualizado por indexação às remunerações dos
cargos políticos considerados no seu cálculo, na percentagem que deve ser
aplicada às pensões de idêntico valor anual (n.º 5).
A
suspensão parcial do subsídio de férias de aposentados e reformados é, por
outro lado, aplicável cumulativamente com a contribuição extraordinária de
solidariedade a que se refere o artigo 78º (n.º 6).
No
caso das pensões ou subvenções pagas, diretamente ou por intermédio de fundos
de pensões, por quaisquer entidades públicas, independentemente da respetiva
natureza e grau de independência ou autonomia, nomeadamente as suportadas por
institutos públicos, entidades reguladoras, de supervisão ou controlo, e
empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, o montante
relativo ao subsídio cujo pagamento é suspenso nos termos dos números
anteriores deve ser entregue por aquelas entidades na CGA, não sendo objeto de
qualquer desconto ou tributação (n.º 7).
Por
outro lado, o disposto nesse artigo abrange todos os aposentados, reformados,
pré-aposentados ou equiparados que recebam as pensões e/ou os subsídios de férias
ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês, pagos pelas entidades
referidas no n.º 1, independentemente da natureza pública ou privada da
entidade patronal ao serviço da qual efetuaram os respetivos descontos ou
contribuições ou de estes descontos ou contribuições resultarem de atividade
por conta própria, com exceção dos reformados e pensionistas abrangidos pelo
Decreto-Lei n.º 127/2011, de 31 de dezembro, alterado pela Lei n.º 20/2012, de
14 de maio, e das prestações indemnizatórias correspondentes atribuídas aos
militares com deficiência abrangidos, respetivamente, pelo Decreto-Lei n.º
43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 93/83, de 17 de
fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio,
e 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.ºs 46/99, de 16 de junho, e 26/2009,
de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos
Decretos-Leis n.ºs 146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e pelo
Decreto-Lei n.º 250/99, de 7 de julho (n.º 8).
O
regime assim fixado tem ainda natureza imperativa e excecional, prevalecendo
sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais (n.º 9).
56.
Entre os argumentos apresentados pelos requerentes para fundamentar as suas
dúvidas quanto à constitucionalidade do artigo 77.º da Lei do Orçamento de
Estado para 2013, contam-se os seguintes:
-
Em primeiro lugar, consideram-se
extensivos à questão de suspensão do pagamento de 90% do subsídio de férias, ou
de quaisquer prestações correspondentes ao 14° mês, a reformados e
pensionistas, os argumentos aduzidos a propósito da suspensão de parte ou da
totalidade do subsídio de férias aos trabalhadores ativos do setor público,
ainda que com adaptações, acrescendo ainda a essa dúvida de
constitucionalidade, uma outra sobre a conformidade das mesmas normas com o
princípio da proteção da confiança.
-
Se no caso dos trabalhadores do setor
público a desigualdade de tratamento tributário em relação aos trabalhadores do
setor privado pode ter, de acordo com a jurisprudência constitucional, uma
justificação dentro de certos limites, centrada no critério do
"recebimento por verbas públicas" por parte dos primeiros, no caso
dos reformados, cuja situação específica o Tribunal Constitucional reconhece no
acórdão n.º 353/2012, o referido critério justificante não vale exatamente da
mesma forma, já que as pensões recebidas de instâncias públicas tiveram, como
contrapartida, as contribuições que os mesmos e as entidades empregadoras efetuaram
para a segurança social durante a sua vida de trabalho.
-
Resulta da jurisprudência constitucional,
nomeadamente do acórdão n.º 72/2002, a existência de uma “substancial diferença
entre a situação de trabalhador no ativo e a de aposentado”, não sendo
legítimo, sem desvalor para o princípio da igualdade, confundir-se a situação
do servidor público, no plano dos condicionamentos decorrentes do exercício de
funções, com a situação do aposentado.
-
A desconsideração do princípio da capacidade
contributiva pelos preceitos sindicados (articulados com outras disposições de
agravamento fiscal constantes do diploma), na medida em que não toma em conta
os rendimentos e necessidades do agregado familiar, é suscetível de gerar
situações de tributação regressiva do rendimento de reformados, importando
aferir se existe fundamento para essa situação de desigualdade em que o
reformado pensionista é sujeito a um esforço contributivo específico em razão
da sua condição e se esse esforço viola, ou não, o princípio da proibição do
excesso.
-
Também a frustração de expectativas
legítimas que para o círculo dos aposentados e reformados decorre da aplicação
das normas questionadas não se afigura constitucionalmente tolerável em vista
dos parâmetros valorativos decorrentes do princípio da proteção da confiança,
atendendo à “situação específica” das pessoas que integram o referido círculo e
à proteção acrescida que lhes é devida, mesmo que em face de um interesse
público de realização imperativa e do caráter transitório das medidas
ablativas.
-
A excessiva onerosidade revelada pelos
montantes pecuniários que os aposentados e reformados visados perdem não é
despicienda, estando em causa perdas significativas para os patrimónios dos cidadãos
atingidos em termos que acarretam a frustração do «investimento na confiança»”,
sobressaindo, outrossim, o desvalor das medidas questionadas à luz de uma
aplicação articulada dos princípios da proibição do excesso e da proteção da
confiança.
-
Assim sendo, estamos perante a afetação,
com elevado grau de intensidade, de uma posição de confiança das pessoas
especificamente visadas, constitucionalmente desconforme, afigurando-se a mesma
desproporcionada pelo excessivo acréscimo de sacrifício e pela medida de
esforço exigidos a este círculo determinado de cidadãos.
-
Pelo que as normas em causa são ainda
inconstitucionais, por violação dos princípios da proteção da confiança e da
proibição do excesso, ambos subprincípios densificadores do princípio do Estado
de direito acolhido no artigo 2.º da Constituição.
57.
Por confronto com a norma do artigo 29.º, que determina a suspensão do
pagamento de subsídio de férias ou equivalente às pessoas a que se refere o n.º
9 do artigo 27.º, a norma do artigo 77.º, agora sob juízo, tem alcance não
inteiramente coincidente. Por um lado, sendo a pensão mensal superior a €1100,
o subsídio de férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês são
suspensos apenas em 90% (n.º 1 do artigo 77.º), ao passo que o subsídio das
pessoas com remunerações base mensais superiores a esse montante são, como
vimos, integralmente suspensas (n.º 1 do artigo 29.º). Por outro lado, as
formas de cálculo da redução variável a que ficam sujeitas as pensões ou remunerações
cujo montante se situa no intervalo entre €600 e €1100 não se sobrepõem (cfr. o
n.º 2 do artigo 29.º e o n.º 4 do artigo 77.º), sendo ligeiramente menos
penalizadora a aplicável às pensões.
Todavia,
estas diferenças quanto ao objeto, pela sua diminuta expressão quantitativa,
não são de molde a alterar a ponderação valorativa que anteriormente foi feita
a propósito da suspensão do subsídio de férias dos trabalhadores em funções
públicas no ativo, ainda que a apreciação se centre agora na distinção quanto à
posição jurídica dos sujeitos atingidos, que, no caso dos reformados e
aposentados, se reporta à titularidade do direito à pensão, e não já do direito
à retribuição.
Adotando
a mesma ordem de sequência que foi seguida nas questões anteriormente tratadas,
importa, em primeiro lugar, caracterizar o estatuto jusfundamental do direito à
pensão, para decidir se nele se pode fundar uma pretensão de tutela que o torne
resistente a qualquer suspensão de pagamento. O foco primordial incidirá na
questão de saber se, estando agora em causa o direito à pensão, e não o direito
ao salário, essa circunstância introduz um fator de valoração capaz de
justificar uma pronúncia em sentido divergente da anteriormente emitida. Se se
concluir pela negativa, resta averiguar se, no âmbito da ponderação dos
princípios pertinentes, e em particular o da tutela da confiança, são
repetíveis, mutatis mutandis, os elementos argumentativos anteriormente
utilizados, ou se o estatuto de aposentado ou reformado interpela diferentemente
as valências protetivas desses princípios, por forma a fundamentar um juízo não
coincidente.
1.
O direito à pensão como manifestação do direito à segurança social (artigo 63.º
da Constituição)
58.
O direito a receber uma pensão de aposentação foi definido por este Tribunal,
no acórdão n.º 72/2002, como uma manifestação do direito à segurança social
reconhecido a todos no artigo 63º da Constituição, radicado no princípio
da dignidade da pessoa humana, ínsito nos artigos 1º e 2º da Constituição, que
visa assegurar, designadamente, àqueles que terminaram a sua vida laboral
ativa, uma existência humanamente condigna. Considerou ainda o Tribunal que
algumas dimensões do direito à pensão de aposentação – como é o caso da
contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação – podem ter natureza
análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se-lhe o regime destes,
constante do artigo 18.º da Constituição (veja-se o teor do acórdão n.º
411/99).
Mais
recentemente, no acórdão n.º 3/2010, que versou sobre as alterações ao regime
legal da aposentação dos trabalhadores da Administração Pública, quer no que se
refere às condições de aposentação, quer no que concerne ao cálculo da pensão,
o Tribunal entendeu (na linha de jurisprudência anterior, designadamente do
acórdão n.º 188/2009) que o controlo da constitucionalidade das normas em causa
deveria limitar-se ao confronto com os princípios fundamentais do Estado de
direito democrático, entre os quais o da igualdade ou o da tutela da confiança
legítima. Por estar em causa um direito económico, social e cultural (o direito
à segurança social do qual decorre o direito dos pensionistas), em tudo o que
vá para além de um conteúdo mínimo, ou nuclear, as concretizações legislativas
específicas do direito à segurança social estão, no entender do Tribunal,
sujeitas a uma larga margem de livre conformação por parte do legislador.
Nestes termos, pode ler-se no acórdão citado:
“Deve,
contudo, deixar-se claro que o direito à segurança social, previsto no artigo
63.º, n.º 1, da Constituição, "como um todo", é um direito de
natureza essencialmente económica e social, sendo portanto passível de uma
maior margem de livre conformação, por parte do legislador, do que a generalidade
dos direitos, liberdades e garantias, uma vez que a sua aplicabilidade direta
(não estando excluída), é necessariamente mais limitada como se infere do
artigo 18.º, n.º 1, da Constituição. Não há dúvida de que "os direitos
sociais contêm também − ou podem conter − um conteúdo mínimo,
nuclear ou, porventura essencial diretamente aplicável" (Rui Medeiros, in Constituição
da República Portuguesa Anotada, org. Jorge
Miranda/Rui Medeiros, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 634). Mas é certo,
também, que esse conteúdo mínimo ou nuclear diretamente aplicável tem um âmbito
relativamente mais restrito do que nos direitos, liberdades e garantias e que,
portanto, o legislador sempre manterá, em matéria de direitos económicos e
sociais, uma mais ampla margem de livre conformação.
[…]
Sendo o direito à segurança social um direito de caráter essencialmente
económico e social, a sua realização depende, sobretudo, de prestações
positivas de terceiros, isto é, dos atuais contribuintes para o sistema de
segurança social e, em última análise, do Estado. Isso explica que, por regra,
o seu conteúdo não se possa definir de forma independente da legislação. É ao
legislador que incumbe fazer as necessárias ponderações que garantam a
sustentabilidade do sistema e a justiça na afetação de recursos.
Deste
modo, a mera sucessão de leis no tempo em matéria de segurança social não é, em
geral, passível de afetar o próprio direito à segurança social "como um
todo", salvo os casos em que esteja em causa o mínimo de existência
condigna, o que não sucede na situação em análise, em que as alterações
legislativas estão muito longe de traduzir uma supressão da proteção mínima
àqueles que, por força da idade, perderam a capacidade de auferir rendimentos
pelo trabalho.
O
direito à segurança social não é, de modo algum, um direito imune à
possibilidade de conformação legislativa. As condições de acesso ao direito à
aposentação e a concreta forma de cálculo das respetivas pensões não são
intocáveis pelo legislador, podendo este legislar de modo a definir tais
condições e tal valor.”
59.
Nestes termos, é lícito concluir que a jurisprudência constitucional portuguesa
é cautelosa no que respeita à tutela, sustentada no direito à segurança social,
de posições jurídicas concretas dos pensionistas. Ou seja, tem-se entendido que
os requisitos exigidos para se adquirir o direito à pensão, bem como as regras
de cálculo ou a quantia efetiva a receber, ainda que cobertos pelo princípio da
proteção da confiança, poderão ceder, dentro de um limitado condicionalismo,
perante o interesse público justificativo da revisibilidade das leis.
É
certo que, no aresto acima mencionado (acórdão n.º 3/2010), estavam em causa as
expectativas, eventualmente tuteladas do ponto de vista jurídico, dos futuros
pensionistas. Ou seja, tratava-se, então, no fundo, de direitos a constituir.
No que respeita à questão ora em análise, a situação não é exatamente idêntica,
uma vez que estão em causa direitos já constituídos, posições jurídicas
de cidadãos que adquiriram definitivamente o estatuto de pensionistas, com um
conteúdo já perfeitamente definido pelas regras legais em vigor, no momento
relevante para o seu cálculo. Este facto não é, no entanto, suficiente, do
ponto de vista do direito à segurança social, para fundamentar posição distinta
da assumida anteriormente pelo Tribunal quanto às regras de cálculo da pensão.
Repare-se
que as alterações ao regime da aposentação da função pública então em causa
atingiam a generalidade dos funcionários e não apenas aqueles que se encontrassem
em início de carreira, incluindo aqueles que se encontravam a pouco tempo de
poder requerer o estatuto de aposentados. Em regra, os cidadãos nesta situação
passaram a ter direito a uma pensão calculada com base em duas parcelas: uma de
acordo com o estatuto anterior e outra, respeitante ao tempo de serviço
posterior às alterações ao regime legal. Nestes termos, viram-se afetados pela
alteração legislativa trabalhadores da Administração Pública com um longo
período de tempo de serviço e que eram titulares de uma legítima e forte
expectativa jurídica, tendo então o Tribunal entendido que esse facto não era
bastante para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade, face à gravidade
do interesse público então em causa (a sustentabilidade do sistema de pensões),
cuja salvaguarda fundamentava o reconhecimento de uma ampla liberdade de
conformação por parte do legislador.
Ora,
na presente situação, é igualmente indiscutível a existência de um interesse
público relevante – a necessidade de garantir a sustentabilidade
económico-financeira do Estado –, pelo que, do ponto de vista do princípio da
igualdade, não existe uma diferença muito significativa entre aqueles que
adquiriram já o estatuto de pensionistas e os trabalhadores que, contando já
com uma longa carreira contributiva, se encontram prestes a preencher os
requisitos legais para atingirem a mesma condição jurídica.
60. É, assim, de concluir que o reconhecimento do
direito à pensão e a tutela específica de que ele goza não afastam, à partida, a
possibilidade de redução do montante concreto da pensão. O que está
constitucionalmente garantido é o direito à pensão, não o direito a um certo
montante, a título de pensão. Este resulta da aplicação de critérios legalmente
estabelecidos, mas de valor infraconstitucional.
A única norma constitucional que tem incidência no
montante da prestação é a do n.º 4 do artigo 63º, que manda contabilizar “todo
o tempo de trabalho” para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez,
independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado. O que se
pretende, no entanto, aí salientar é o princípio do aproveitamento total do
tempo de trabalho, permitindo a acumulação dos tempos de trabalho prestados
em várias atividades e os respetivos descontos para os diversos organismos de
segurança social (Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I,
pág. 819), o que não justifica, em si, a garantia de um determinado valor da
pensão devida a um trabalhador em situação de aposentação.
2. O direito à pensão como manifestação do direito de
propriedade (artigo 62.º da Constituição)
61.
Como decorre da argumentação dos requerentes do Processo n.º 5/13, pode estar
também em causa o direito à propriedade privada, na sua vertente de propriedade
societário-pensionista, protegido pelo artigo 62º da Constituição.
No
âmbito jurídico germânico, é corrente e generalizadamente aceite, quer pela
doutrina, quer pela jurisprudência constitucional, a extensão do âmbito de proteção
da garantia da propriedade privada às posições jurídicas subjetivas de direito
público com conteúdo patrimonial. Pode aí colher-se uma elaboração dogmática em
torno da admissibilidade da fundamentação da tutela dos direitos dos
pensionistas no direito de propriedade, bem como acerca da extensão e
consequências, no plano jurídico-constitucional, dessa mesma tutela.
Assim,
o Tribunal Constitucional federal alemão tem considerado que devem ser
consideradas “propriedade” aquelas posições jurídicas relativas a prestações do
sistema público de segurança social que (i) estiverem adscritas ao titular do
direito e (ii) se basearem numa prestação própria. A mesma instância
jurisdicional teve já oportunidade de esclarecer que não é possível cindir a
prestação de reforma em parte financiada pelo Estado e em parte resultante da
contribuição própria, e que, portanto, se deve entender que a garantia
constitucional da propriedade abrange a totalidade da posição jurídica. Do
mesmo modo, da aplicação dos critérios elaborados pela dogmática geral da
propriedade à matéria de prestações da segurança social resulta que a validade
de normas legislativas que venham afetar posições jurídicas relativas a
prestações sociais deverá ser aferida face aos critérios elaborados para a
determinação do conteúdo e limites da propriedade, que são determinados pelo
Tribunal Constitucional alemão em função do princípio da proporcionalidade.
62.
Também a nível do direito internacional convencional, é comum o estabelecimento
dessa conexão. Desde logo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem
repetidamente afirmado que os princípios relativos ao direito de propriedade,
consagrado no artigo 1.º do Protocolo 1 da CEDH, se aplicam, em termos gerais,
às situações em que estejam em causa pensões. Aquela disposição não garante,
porém, o direito a adquirir propriedade ou a exigir uma quantia concreta a
título de pensão. Todavia, quando um Estado tenha legislação que institua e
regule o pagamento de pensões – independentemente de a sua natureza ser ou não
contributiva – essa legislação gera um “interesse proprietário” que está
abrangido pelo âmbito do mencionado Protocolo 1. Assim, a redução ou
cancelamento de uma pensão pode ser considerada como uma interferência no gozo
da propriedade que carece de fundamentação adequada. Nestes termos, é
necessária uma intervenção por via legislativa, justificada pela necessidade de
prossecução de um interesse público, e observando o princípio da
proporcionalidade nas suas várias dimensões (cfr., por todos, o acórdão do TEDH
Grudic c. Serbia, de 17 de abril de 2012).
63.
No fundo, os elementos de direito comparado a que vem de fazer-se referência
permitem-nos chegar a uma dupla conclusão. Por um lado, doutrina e
jurisprudência têm procurado fundar a tutela dos pensionistas no direito de
propriedade nas situações em que os catálogos de direitos fundamentais que
definem o parâmetro de validade das medidas legislativas e/ou administrativas
passíveis de pôr em causa os direitos adquiridos dos pensionistas não contêm
disposições relativas a direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente,
ao direito à segurança social. Por outro lado, os critérios doutrinais e
jurisprudenciais avançados para delimitar as consequências da tutela das
prestações sociais – incluindo as pensões – em face do direito fundamental à
propriedade privada acabam por reconduzir-se, de forma mais ou menos direta, à
avaliação da conformidade das medidas passíveis de afetar as posições jurídicas
em causa com os princípios da proteção da confiança e, acima de tudo, da
proporcionalidade, nomeadamente na sua vertente de proibição do excesso.
64.
No quadro constitucional português, e ainda que se admita a existência de uma
dimensão proprietária no direito dos pensionistas, a sua proteção no específico
âmbito de tutela do artigo 62.º é duvidosa, tendo em conta que existe uma norma
dedicada ao direito à segurança social, aí se incluindo o direito à pensão -
artigo 63.º (recusando essa possibilidade, Miguel
Nogueira de Brito, A justificação da propriedade privada numa
democracia constitucional, Coimbra, 2007, pág. 963, com fundamento em que
isso conduziria a uma alteração do conceito constitucional de propriedade).
Acresce que não existe, no nosso sistema de segurança social, uma relação
direta entre a pensão auferida pelo beneficiário e o montante das quotizações
que tenha deduzido durante a sua vida ativa (embora haja uma relação
sinalagmática entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações –
artigo 54º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). Isso porque o sistema
previdencial não assenta num sistema de capitalização individual, mas
num sistema de repartição, pelo qual os atuais pensionistas auferem
pensões que são financiadas pelas quotizações dos trabalhadores no ativo e
pelas contribuições das respetivas entidades empregadoras (artigo 56º da mesma
Lei), de tal modo que não pode considerar-se que as pensões de reforma
atualmente em pagamento correspondam ao retorno das próprias contribuições que
o beneficiário tenha efetuado no passado. Regime que se torna extensivo à
proteção social da função pública por via da convergência com o sistema de
segurança social, que foi já implementado, na sequência do disposto no artigo
104º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 117/2006, de 20
de junho.
A
obtenção de mais forte tutela a partir do direito de propriedade, como direito
ao montante da pensão fixado, encontraria fundamento se pudesse ser
estabelecida a equiparação plena dos efeitos ablatórios da suspensão do
pagamento de parte da pensão à expropriação por utilidade pública. Pois então
estaríamos indiscutivelmente situados no núcleo essencial do que é
reconhecidamente uma dimensão do direito de propriedade de natureza análoga aos
direitos, liberdades e garantias.
Mas
essa equiparação não tem fundamento. Reduções parciais do quantitativo de uma
prestação social não podem ser consideradas uma expropriação parcial, por dois
motivos essenciais. Não se trata, em primeiro lugar, da subtração, através de
um ato jurídico, de uma posição jurídica concreta, mas da determinação, em
termos gerais e abstratos, do conteúdo de toda uma categoria de direitos. Não
pode esquecer-se, em segundo lugar, que estamos perante uma posição com uma
forte componente social, tanto do ponto de vista genético como
funcional, correspondente à participação num fundo comum de solidariedade,
organizado pelo Estado, a partir de contribuições de todos os trabalhadores e
das entidades empregadoras, e parcialmente financiado por transferências de
verbas do orçamento geral do Estado. O que, inequivocamente afasta esta posição
das que têm uma exclusiva fonte pessoal, da esfera própria do titular.
Como
se impõe concluir, rejeitada que seja a inclusão desta medida no âmbito de
proteção do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, uma pronúncia definitiva
sobre a questão de constitucionalidade fica sempre dependente do resultado da
aplicação dos parâmetros de aferição que resultam dos princípios
constitucionais da igualdade e da proteção da confiança, em conjugação com o
princípio da proporcionalidade.
3.
A suspensão de 90% do subsídio de férias dos pensionistas à luz dos princípios
da proteção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade
65. No que respeita a este aspeto do problema,
importa, antes de mais, reiterar que, do ponto de vista da tutela
jurídico-constitucional, a proteção conferida ao direito à pensão não é
substancial ou qualitativamente diferente da dispensada ao direito ao salário.
De facto, trata-se, em ambos os casos, de direitos económicos, previstos,
respetivamente, no artigo 63º e no artigo 59º da Constituição.
O que se pode dizer é que a Constituição é bastante
mais explícita quanto ao elevado grau de proteção que lhe merece o salário:
estabelece o direito a uma justa retribuição do trabalho, retribuição esta que
deve ter em conta a duração e intensidade das tarefas desempenhadas, a sua
penosidade ou perigosidade e as exigências por elas impostas em termos de
conhecimentos, práticas e capacidades. Neste sentido, e sempre em condições de
igualdade, o salário deve garantir uma existência condigna, a nível tanto
individual como familiar, "compatíveis com o nível de vida exigido em cada
etapa do desenvolvimento económico e social".
Quanto às pensões de reforma, a Constituição não
contém disposições tão impressivas, sendo mesmo omissa sobre o regime de
prestações do sistema de segurança social. Contudo, e como acima se viu, o
direito à pensão de reforma sempre resultará de uma interpretação sistemática e
combinada do direito à segurança social e ainda do direito à segurança
económica das pessoas idosas, consagrado no artigo 72º, n.º 1, da Constituição
(acórdão do Tribunal Constitucional n.º 576/96).
Não obstante, situando-se o direito ao salário e o
direito à pensão de reforma ou de aposentação no mesmo plano, não se descortina
uma razão para que, em relação a medidas passíveis de afetar, de forma
inadmissível, qualquer desses direitos, se não deva basear um juízo de
constitucionalidade em idênticos parâmetros, sem que isso impeça a consideração
das características específicas de trabalhadores no ativo e de pensionistas,
bem como das suas condições de vida gerais, quando seja necessário averiguar a
conformidade com os princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança.
Nestes
termos, valem para os pensionistas, com as necessárias adaptações, o que se
equacionou em relação aos trabalhadores da função pública, quanto ao
significado e impacto da redução de rendimentos determinada pela suspensão do
subsídio de férias, conjugada com um significativo aumento da carga fiscal, em
virtude da alteração de escalões e da sobretaxa de IRS.
Como
elemento diferenciador, numa visão de conjunto, importa considerar a cumulação
desta medida, no âmbito subjetivo em causa, com a contribuição extraordinária
de solidariedade, medida de incidência exclusiva sobre as pensões, mas que, na
prática, coloca os pensionistas com pensões de valor superior a €1350 em
situação equivalente aos trabalhadores no ativo, no ponto em que essa
contribuição acaba por corresponder à redução salarial que a estes tem vindo a
ser aplicada desde 2011.
66. No entanto, parece razoável sustentar que os
pensionistas serão titulares de uma posição jurídica especialmente tutelada, no
que respeita, em particular, ao princípio da proteção da confiança, o que
parece ter sido também reconhecido pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º
353/12, quando aí se afirmou que a «situação específica dos reformados e
aposentados se diferencia da dos trabalhadores da Administração Pública no
ativo, sendo possível quanto aos primeiros convocar diferentes ordens de
considerações no plano da constitucionalidade».
Estamos,
na verdade, perante um direito já constituído, e constituído mediante
“descontos” efetuados durante toda a carreira contributiva, que é reportado ao
passado como um facto já consumado. Chegado o momento em que cessou a vida
ativa e se tornou exigível o direito às prestações, o pensionista já não dispõe
de mecanismos de autotutela e de adaptação da sua própria conduta às novas circunstâncias,
o que gera uma situação de confiança reforçada na estabilidade da ordem
jurídica e na manutenção das regras que, a seu tempo, serviram para definir o
conteúdo do direito à pensão.
Por outro lado, é legítima a confiança gerada
na manutenção do exato montante da pensão, tal como fixado por ocasião da
passagem à reforma. Sobretudo porque o nosso sistema é um sistema de
benefício definido, em que se garante a cada pensionista uma taxa fixa de
substituição sobre os vencimentos de referência.
E isso reflete-se também na tutela do investimento
na confiança, que, sem dúvida, é de presumir ter existido por parte do
titular do direito, e que decorre, não propriamente do facto de o pensionista
ter efetuado contribuições enquanto trabalhador ativo – já que o nosso sistema
é financiado por repartição e não por capitalização – mas da
circunstância de, contando com o caráter definido do benefício, poder não ter
sentido, justificadamente, a necessidade de se precaver por outras formas
quanto a uma possível perda de rendimentos.
Sendo certo que se verificam, de forma clara e em grau
elevado, todos os pressupostos exigíveis do lado da tutela da confiança, a
dúvida só pode residir na relevância do interesse público que determinou a
alteração legislativa, questão que remete para um controlo de proporcionalidade
em sentido estrito, e para uma ponderação entre a frustração da confiança,
com a extensão de que esta se revestiu, e a intensidade das razões de interesse
público que justificaram a alteração legislativa.
67. O proponente da norma abordou esta questão no
Relatório do Orçamento de Estado para 2013, em que se faz a seguinte referência
(pág. 41):
Por
outro lado, e no que toca ao princípio da proteção da confiança, a
circunstância de o nosso modelo de segurança social não ser configurado com
base num sistema de capitalização, não pode deixar de pesar na ponderação das
razões de interesse público, atrás invocadas, suscetíveis de justificar a
medida. A esses razões acresce, de um modo especial, a própria sustentabilidade
do sistema de segurança social, bem como a sua capacidade de continuar a
assegurar o respetivo funcionamento em relação a gerações futuras.
As razões de interesse público a que aí se pretendia
aludir radicam, por outro lado, nas conhecidas dificuldades de conjuntura
económico-financeira e na necessidade de adoção de medidas de consolidação
orçamental, de que – segundo se afirma – depende a própria manutenção e
sustentabilidade do Estado Social (pág. 39).
No plano de análise em que nos colocamos, tudo
ponderado, face à excecionalidade do interesse público em causa e o caráter
transitório da medida, pode ainda entender-se, no limite, que a supressão de
90% do subsídio de férias aos pensionistas não constitui uma ofensa
desproporcionada à tutela da confiança, justificando-se uma pronúncia no
sentido de não desconformidade constitucional por referência a esse parâmetro
de aferição.
68. É, no entanto, também necessária uma ponderação da
específica posição jurídica dos pensionistas, no que se refere ao princípio
da igualdade, tomando-se aqui como termo de referência comparativo a
situação dos trabalhadores da função pública (que sofrem redução de vencimentos
acrescida da suspensão do subsídio de férias, mas não a sujeição à contribuição
extraordinária de solidariedade), os titulares de rendimentos sobre que não
incidem nenhuma dessa medidas, ou os pensionistas que estão sujeitos à
contribuição extraordinária de solidariedade, mas não à suspensão do subsídio
de férias, por não integrarem o sistema de previdência público.
Foi já com fundamento na violação do princípio da
igualdade proporcional que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/12
declarou a inconstitucionalidade da norma do artigo 25º da Lei n.º 64-B/2011,
de 30 de dezembro, que determinou, para o exercício orçamental de 2012, a
suspensão dos subsídios de férias e de Natal ou equivalentes de aposentados e
reformados, entendendo-se então que a argumentação aduzida para formular um
juízo de inconstitucionalidade, nesse plano, quanto a idêntica medida aplicável
aos trabalhadores da Administração Pública, era extensiva à situação dos
reformados e pensionistas, sem necessidade de abordar aspetos específicos que
em relação a estes a implementação da medida poderia autonomamente suscitar.
O Tribunal considerou, nessa decisão, que os efeitos
cumulativos e continuados dos sacrifícios impostos às pessoas com remunerações
ou pensões do setor público - resultante da redução salarial imposta aos
trabalhadores da Administração Pública, implementada em 2011 e mantida em 2012,
acrescida da supressão dos subsídios de férias e de Natal, aplicada em 2012, e
que se estendeu, nesse ano, aos reformados e pensionistas -, não tem
equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos
provenientes de outras fontes, correspondendo a uma diferença de tratamento que
não encontra justificação bastante no objetivo
da redução do défice público. Concluindo que o
diferente tratamento imposto a quem aufere remunerações e pensões por verbas
públicas ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade
proporcional, apesar de se reconhecer a grave situação económico-financeira e a
necessidade do cumprimento das metas do défice público estabelecidas nos referidos
memorandos de entendimento.
Ora, há boas razões para considerar que a
situação de desigualdade perante os encargos públicos que justificou esse juízo
de inconstitucionalidade é agora mais evidente no que se refere aos pensionistas.
O Relatório do Orçamento do Estado para 2013 menciona
a situação específica em que se encontram os reformados e pensionistas e, como
aí se refere, foi precisamente “o reconhecimento do caráter específico da sua
situação que conduziu o legislador a decidir, não só pela reposição de um
montante equivalente a um dos subsídios, à semelhança do sucedido com os
trabalhadores do setor público, mas também pela manutenção do pagamento
equivalente a 10% do outro subsídio, ao contrário do que ocorrerá com os
trabalhadores no ativo, aos quais será aplicada uma redução de 100%”.
Parece daqui depreender-se que, do ponto de vista de
política legislativa, a medida da diferença que a situação particular
dos pensionistas e, em especial, a sua maior debilidade perante as alterações
das condições gerais de vida, pode justificar se reconduz ao menor sacrifício
que lhes é imposto, em virtude de a supressão do subsídio de férias não atingir
a sua integralidade, mas apenas o montante equivalente a 90%, situando-se a diferença
no valor residual de 10% por comparação com a medida homóloga aplicada aos
trabalhadores da Administração Pública no ativo.
Deve, no entanto, notar-se
que, pelo efeito cumulado do conjunto das medidas que foram aplicadas, os
pensionistas sofreram agora uma penalização superior à dos trabalhadores do
setor público por referência ao ano de 2012.
De facto, o legislador determinou a
reposição do pagamento de um dos subsídios, tal como se verificou com os
trabalhadores do setor público, e manteve o pagamento de 10% do outro subsídio,
ao contrário do que ocorreu com os trabalhadores no ativo, aos quais foi
aplicada uma redução de 100%. Mas, em contrapartida, os pensionistas ficaram
sujeitos a uma contribuição extraordinária de solidariedade (artigo 78º), que
equivale à redução salarial já sofrida pelos trabalhadores no ativo, no que
respeita às pensões até €5030,64, e que excede em muito essa redução salarial,
no que se refere às pensões que se situem entre esse valor e €7545,96, que
suportam, a esse título, uma taxa adicional de 15%, e ainda mais quanto às
pensões acima deste último montante, sobre as quais incide a taxa adicional de
40%.
Acresce que sobre os contribuintes em
geral passou a incidir uma sobretaxa de 3,5% (artigo 187º), que aplicada aos
titulares de pensões de reforma ou aposentação absorve, na prática, o pagamento
do subsídio de Natal que havia sido reposto, deixando os pensionistas, nesse
plano, em situação idêntica à dos trabalhadores do setor público no ativo, que,
por efeito da incidência dessa mesma sobretaxa, se viram privados do montante
correspondente a esse mesmo subsídio. A que ainda acresce o forte agravamento
fiscal que decorre, de entre outras medidas, da alteração da estrutura dos
escalões de rendimento coletável em IRS e da diminuição ou exclusão de deduções
à coleta.
De tudo resulta que os pensionistas, por
via da aplicação da contribuição extraordinária de solidariedade, que pretendeu
estabelecer uma equiparação com a redução salarial da remuneração mensal
imposta aos trabalhadores do setor público (sem considerar já a situação mais
gravosa daqueles que auferem pensões mais elevadas), passaram a sofrer uma
diminuição do rendimento disponível em medida idêntica à que já se verificava
em relação a esses trabalhadores. Agravando-se também por essa via a situação
de desigualdade, não só em relação a pensionistas que não sofrem a suspensão do
subsídio de férias, como também em relação aos titulares de outros rendimentos,
que apenas foram confrontados com o agravamento fiscal generalizado, que incide
sobre todos os contribuintes.
É por isso de manter em relação à norma do
artigo 77º o julgamento de inconstitucionalidade que foi já formulado no que se
refere à norma do artigo 29º, n.º 1, aplicável aos funcionários e agentes administrativos,
tanto que em relação aos pensionistas não se aplica, até por maioria de razão,
qualquer dos argumentos já analisados a propósito desta última disposição, que,
na perspetiva do proponente da norma,
poderia justificar o tratamento diferenciado, o que se torna agora
particularmente evidente por virtude da inexistência de uma vinculação ao interesse público, por parte dos
pensionistas, e pela impossibilidade de se estabelecer, quanto a eles, qualquer
padrão comparativo com os trabalhadores do setor privado no ativo.
69. Resta referir que as considerações já
antes formuladas relativamente à disposição do artigo 29º, n.º 2, se aplicam mutatis
mutandis ao universo de pensionistas que não se encontra abrangido pela
contribuição extraordinária de solidariedade, que só afeta, segundo uma taxa
progressiva, as pensões de valor mensal superior a €1350.
Trata-se de pensões de valor de tal modo
baixo, que a supressão, ainda que parcial, do pagamento do subsídio de férias,
independentemente do efeito cumulado de outras medidas, é de si excessivamente
gravoso e justificativo de um juízo de inconstitucionalidade por violação do
princípio da igualdade proporcional.
H.
Contribuição extraordinária de solidariedade (artigo 78.º)
70. Os requerentes nos Processos n.ºs 2/2013, 5/2013,
8/2013 e 11/2013 consideram que as normas nos números 1 e 2 do artigo 78.º, e a
título consequente, as restantes normas do mesmo artigo, enfermam de
inconstitucionalidade com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:
- A
contribuição extraordinária de solidariedade criada pelas mencionadas normas
pode ser definida como um imposto diverso do IRS, pelo que ao refletir uma
fragmentação da tributação do rendimento das pessoas singulares, com
agravamentos fiscais ditados para certas categorias de cidadãos, viola o
princípio da unidade do imposto sobre o rendimento pessoal, previsto no n.º 1
artigo 104.º da Constituição;
- A
mesma contribuição, na medida em que tributa, em acumulação com os agravamentos
parafiscais previstos no artigo 77.º e com os agravamentos orçamentais em sede
de IRS, uma categoria específica de pessoas em razão de critérios ligados à sua
condição ou estatuto de inatividade laboral e não do critério constitucional da
capacidade contributiva, discrimina negativamente, de forma desproporcionada e
sem justificação constitucional, os pensionistas, em relação aos trabalhadores
no ativo, do que resulta a violação dos princípios da igualdade e da
proporcionalidade, garantidos pela disposição do n.º 1 do artigo 104.° conjugada
com as normas dos artigos 13.° e 18.°, n.º 2, da Constituição.
-
Ao interpretar-se a CES como sacrifício adicional, redução de rendimento
análoga à que é mantida para os funcionários públicos, colocam-se em causa os
princípios da proteção da confiança e da igualdade perante os encargos
públicos, na medida em que configura uma diferenciação discriminatória dos
pensionistas na participação nos encargos com a diminuição do défice público.
-
As normas violam ainda o núcleo essencial de direitos patrimoniais de
propriedade, garantidos pelo n.º 1 do artigo 62.° da CRP e de acordo com o
disposto no n.º 2 do artigo 18.° da Constituição.
71.
A Lei n.º 66-B/2012 institui, no artigo 78.º, uma medida com a mesma designação
daquela que fora já prevista nas leis que aprovaram os orçamentos do Estado
para 2011 e 2012 (artigos 162º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro,
e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), mas que se
caracteriza, genericamente, não só pelo acréscimo da sua base de incidência,
como também pelo alargamento do universo das pensões atingidas.
Passam
a estar abrangidas pela contribuição extraordinária de solidariedade (CES)
pensões de montante significativamente inferior (a partir de €1350) e a medida
passa a afetar, para além das pensões pagas por entidades públicas, todas as
prestações pecuniárias vitalícias devidas a qualquer título a aposentados,
reformados, pré-aposentados ou equiparados que não estejam expressamente
excluídas por disposição legal. São irrelevantes, para este efeito, e por força
da lei, a designação das prestações (pensões, subvenções, subsídios, rendas,
seguros, indemnizações por cessação de atividade, prestações atribuídas no
âmbito de fundos coletivos de reforma ou outras), a forma que revistam (por
exemplo, pensões de reforma de regimes profissionais complementares), bem como
a natureza pública, privada, cooperativa ou outra, e o grau de independência ou
autonomia da entidade processadora (incluindo-se as suportadas por institutos
públicos, entidades reguladoras, de supervisão ou controlo, empresas públicas,
de âmbito nacional, regional ou municipal, caixas de previdência de ordens
profissionais e por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo).
Deste
modo, as pensões pagas a um único titular passam agora a estar sujeitas a uma
contribuição extraordinária de solidariedade, cuja taxa varia de forma
progressiva, nos seguintes termos:
-
3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre €1350 e €1800;
-
3,5% sobre o valor de €1800 e 16% sobre o remanescente das pensões de valor
mensal entre €1800,01 e €3750, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5%
e 10%;
-
10% sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a €3750.
Acresce
que, neste último escalão, são aplicadas, em acumulação com a taxa de 10%, as
seguintes percentagens:
-
15% sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS €5030,64) mas que não
ultrapasse 18 vezes aquele valor (€7545,96);
-
40% sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS (€7545,96).
A CES passa assim a abranger, não apenas as pensões
pagas por entidades públicas (Caixa Geral de Aposentações, Centro Nacional de
Pensões ou quaisquer outras entidades públicas, diretamente ou por intermédio
de fundos de pensões), mas ainda, por força do n.º 3 do artigo 78.º, «todas as
prestações pecuniárias vitalícias devidas a qualquer título a aposentados,
reformados, pré-aposentados ou equiparados que não estejam expressamente
excluídas por disposição legal, incluindo as atribuídas no âmbito do sistema
complementar, designadamente no regime público de capitalização e nos regimes
complementares de iniciativa coletiva». Estão, assim, inequivocamente
abrangidas pela medida as pensões a cargo dos comummente designados primeiro e
segundo pilares do sistema de segurança social, ou seja, as dos regimes
previdenciais geridos pelo Estado e as que correspondem aos rendimentos
proporcionados por planos de pensões criados por regimes previdenciais de
natureza complementar de iniciativa empresarial ou coletiva.
O n.º 3 do artigo 78.º, numa interpretação a
contrario, afasta a possibilidade de sujeição à CES de planos de pensão de
iniciativa individual (que constituem o terceiro pilar do sistema), na medida
em que, no corpo da disposição, manda incluir neste regime apenas as pensões
atribuídas “nos regimes complementares de iniciativa coletiva”. Sendo assim,
parece que terão que corresponder a esta característica todos os regimes
complementares a que é feita menção nas várias alíneas desse preceito,
incluindo as prestações resultantes de descontos ou contribuições efetuados em
“atividade por conta própria” (alínea c) do n.º 3 do artigo 78.º).
Um elemento que se mantém idêntico ao das medidas
adotadas nos Orçamentos de Estado anteriores é a consignação do valor
resultante da CES, que, nos termos do n.º 8 do artigo 78.º, «reverte a favor do
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no caso das pensões
atribuídas pelo sistema de segurança social e pela Caixa de Previdência dos
Advogados e Solicitadores, e a favor da CGA, I.P., nas restantes situações»,
mantendo-se, assim, adstrito a uma finalidade específica.
72.
No Relatório sobre o Orçamento de Estado para 2013, o Ministério das Finanças
inclui a CES na lista de “medidas do lado da redução de despesa”, explicando
que, com ela, se “visa alcançar um efeito equivalente à medida de redução
salarial aplicada aos trabalhadores do setor público em 2011 e 2012 e que será
mantida em 2013, com a diferença de que os limites de rendimento a partir da
qual a mesma é aplicada aos reformados e pensionistas são inferiores em 10% aos
limites fixados para os ativos. (...) Esta diferença de limites explica-se pelo
facto dos rendimentos de pensões já não estarem sujeitos a contribuições para
sistemas de previdência (RGSS ou CGA), contribuições essas que para os
rendimentos do trabalho ascendem a 11% sobre o rendimento bruto auferido.
Procurou-se, deste modo, criar uma situação de tendencial proximidade de efeito
líquido na aplicação das medidas, entre ativos e pensionistas, tendo por
referência níveis de rendimento equivalentes (após contribuições obrigatórias
para sistemas de previdência). Para pensões de elevado valor (superiores a
€5.030), cumulativamente à redução de 10%, é exigida ainda uma contribuição
extraordinária de solidariedade aos pensionistas, em linha com medida
semelhante já aplicada em 2012”.
Todavia,
esta qualificação poderá ser questionada no ponto em que, ao contrário dos anos
anteriores, recaem no âmbito de incidência da CES quaisquer rendimentos de
pensões ou equivalentes “independentemente da natureza pública, privada,
cooperativa ou outra, e do grau de independência ou autonomia da entidade
processadora” (artigo 78.º, n.º 3, alínea b)), aí se incluindo as pensões ou
similares pagas por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo, como
são os casos, por exemplo, das instituições de crédito, através dos respetivos
fundos de pensões, das companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de
pensões e, até de direito público, como a Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores (CPAS), relativamente às quais não existe qualquer relação com a
despesa do Estado.
A
dúvida quanto à qualificação como medida do lado da despesa, foi também
levantada, do ponto de vista contabilístico, no Parecer Técnico n.º 6/2012 da
Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, no qual se
afirma, a propósito da CES que “o Ministério das Finanças considerou esta
medida no lado da despesa mas, estando em causa a aplicação de uma contribuição
sobre o valor das pensões (prevista no artigo 76º da proposta de lei do
OE/2013), esta situação estará na fronteira entre uma redução de despesa ou um
aumento de receita”.
No sentido
da qualificação como “receita do sistema previdencial” aponta ainda o modus
operandi da efetivação da medida, conforme o previsto no n.º 8 do artigo
78.º, que determina, no caso de pensões não pagas por entidades públicas, que
as entidades processadoras procedam à retenção na fonte do valor correspondente
à contribuição e a entreguem, dentro de determinado prazo, à Caixa Geral de
Aposentações, em correspondência com os procedimentos similares de arrecadação
de receitas em sede fiscal.
73.
Deste modo, no que se refere às pensões processadas e pagas pelo sistema
público de segurança social, a CES assume o efeito prático de uma medida de
redução de despesa. Até ao limite de €5030,64 visa obter, como se
esclareceu no Relatório do OE para 2013, um efeito equivalente à redução
salarial que tem vindo a ser aplicada aos trabalhadores do setor público desde
2011, o que surge evidenciado também pela correspectividade do valor percentual
da dedução relativamente à redução remuneratória também prevista no artigo 27º,
n.º 1, da Lei do OE. E o efeito continua a ser, ainda neste mesmo âmbito, de
redução da despesa pública quanto às pensões sobre que incide a percentagem
adicional de 15%, quando o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS
(€5030,64), e de 40%, quando o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS
(€7545,96). Ainda que, neste último caso, se sujeite os respetivos titulares a
um contributo mais gravoso, por se tratar de prestações de valor elevado que se
entendeu poderem suportar um sacrifício extraordinário em nome do princípio da
solidariedade, face às dificuldades crescentes de sustentabilidade da segurança
social e do sistema público de pensões, sujeito no ano de 2013 a um acréscimo
de esforço financeiro que, em último termo, teria se ser coberto por
transferências do Orçamento de Estado.
Neste
âmbito de incidência, a norma do n.º 2 do artigo 78º da Lei do OE, tendo o
referido efeito de diminuição conjuntural das pensões, por força da aplicação de
taxas fortemente progressivas, não deixa de constituir um instrumento
financeiro de redução de despesa pública, visto que estamos ainda perante
pensões do chamado primeiro pilar de proteção social, e que são suportadas pelo
orçamento da segurança social ou da Caixa Geral de Aposentações, apenas se
diferenciando relativamente à norma do n.º 1, na apreciação da questão de
constitucionalidade, por se tratar, nesse outro caso, da imposição de um
sacrifício muito mais intenso.
Já
o mesmo não pode afirmar-se quanto à sujeição das pensões dos regimes
substitutivos e dos regimes complementares, de iniciativa pública ou de
iniciativa coletiva privada, à contribuição extraordinária de solidariedade,
nos termos genericamente previstos para as pensões atribuídas pelo sistema de
segurança social ou pela CGA. Neste caso, as entidades processadoras devem
efetuar a dedução da contribuição e entregá-la à CGA, até ao dia 15 do mês
seguinte àquele em sejam devidas as prestações (artigo 78º, n.º 8), pelo que a
CES produz aqui o efeito exclusivo de um aumento de receita, por via da
transferência de verbas para o sistema público de segurança social.
74. Embora financeiramente suscetível de ser
perspetivada de modo ambivalente, privilegiando o efeito prático do lado da
despesa ou da receita consoante o seu âmbito subjetivo de incidência, a CES é
juridicamente configurada no preceito que institui a medida, de modo unitário,
como uma contribuição para a segurança social, ainda que apresente a
particularidade de ser exigida aos atuais beneficiários dos regimes
previdenciais. Aliás, em conformidade com esta natureza de tributo para a
segurança social e não de redução formal do montante da prestação, nos termos
do artigo 53.º do CIRS, o valor da pensão, apurado sem ter em conta a incidência
da CES, continua a fornecer a indicação do rendimento bruto tributável pela
categoria H. O montante que resulta da aplicação da CES entra, porém, no passo
seguinte, como dedução específica para apuramento da matéria coletável, nos
termos da alínea b) do n.º 4 do referido preceito que manda deduzir “as
contribuições obrigatórias para regimes de proteção social …”.
Sem dúvida que a incidência, em geral, de uma
obrigação contributiva sobre os próprios beneficiários ativos representa um
desvio ao funcionamento do sistema, na medida em que introduz uma nova
modalidade de financiamento da segurança social que abarca os próprios
beneficiários das prestações sociais, pondo em causa, de algum modo, o
princípio da contributividade, que tem pressuposta a ideia de uma relação
sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às
prestações (artigo 54º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). O que se torna
ainda mais evidente quando a obrigação incide sobre os beneficiários de
modalidades privadas de proteção social, que são exteriores ao sistema público
de segurança social.
No
entanto, a circunstância de o sistema previdencial assentar fundamentalmente no
autofinanciamento, através das quotizações dos trabalhadores e das
contribuições das entidades empregadoras, não obsta a que possa recorrer a
outras fontes de financiamento, incluindo outras receitas fiscais legalmente
previstas, como decorre do artigo 92.º da Lei n.º 4/2007.
A
receita obtida através de um tributo parafiscal que incide sobre os
pensionistas dos regimes complementares e substitutivos não deixa de
corresponder a uma forma de financiamento da segurança social, em termos que
equivalem às quotizações dos trabalhadores no âmbito da obrigação contributiva.
Num contexto de emergência económica e financeira, a contribuição visa, por
outro lado, contrariar a tendência deficitária da segurança social e permitir
satisfazer os compromissos assumidos com as prestações do regime geral de
segurança social e de proteção social da função pública.
E
importa reter que os regimes complementares se encontram especialmente
regulados nos artigos 81º e seguintes da Lei n.º 4/2007, e, ainda que de
iniciativa privada, integram também o sistema de segurança social, que assenta
num princípio de complementaridade, traduzido na articulação de várias
formas de proteção social públicas, sociais, cooperativas, mutualistas e
privadas com o objetivo de melhorar a cobertura das situações abrangidas e
promover a partilha de responsabilidades - artigo 15º (sobre o fundamento e
legitimidade dos regimes complementares, Ilídio
das Neves, Os regimes complementares de segurança social, in Revista
de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXVI, n.º 4, Outubro-Dezembro de 1994, págs.
286 e segs.).
A
contribuição, mesmo quando exigida aos titulares de complementos de reforma,
está, por isso, estreitamente associada aos fins da segurança social, além de
que esses pensionistas beneficiam da solvabilidade do sistema e tiram vantagem
do seu eficaz financiamento, na medida em que o reforço de proteção social que
poderão obter por via da atribuição de prestações complementares só se torna
efetivo se o Estado continuar a satisfazer pontualmente as prestações
concedidas pelo sistema previdencial, de que eles são também destinatários.
As considerações
que antecedem justificam, por maioria de razão, a sujeição à contribuição
extraordinária de solidariedade dos pensionistas dos denominados regimes
especiais, dada a natureza substitutiva das prestações que aí estão em causa
(artigo 53º da Lei n.º 4/2007).
75.
Tratando-se de uma contribuição para a segurança social, como tudo
indica, não obstante a sua atipicidade, ela não está sujeita aos princípios
tributários gerais, e designadamente aos princípios da unidade e da
universalidade do imposto, não sendo para o caso mobilizáveis as regras do
artigo 104.º, n.º 1, da Constituição relativas ao imposto sobre o rendimento
pessoal.
Isso
porque a contribuição para a segurança social prevista no artigo 78º da Lei do
Orçamento do Estado apresenta diversos traços diferenciadores da conceção
tributária estrita dos impostos, quer quanto aos objetivos, quer quanto à
estrutura jurídica. É uma receita consignada, na medida em que se
destina a satisfazer, de modo imediato, as necessidades específicas do subsistema
contributivo da segurança social, distinguindo-se por isso dos impostos, que
têm como finalidade imediata e genérica a obtenção de receitas para o Estado,
em vista a uma afetação geral e indiscriminada à satisfação de encargos
públicos. E não possui um caráter de completa unilateralidade
uma vez que os regimes complementares têm o seu suporte jurídico-institucional
no sistema de segurança social globalmente considerado, e não deixam de manter
uma relação de proximidade com o regime contributivo (que é, por natureza,
obrigatório), retirando um benefício indireto do seu eficaz funcionamento
(quanto à caracterização jurídica da contribuição para a segurança social, Ilídio das Neves, Direito da
Segurança Social, Coimbra, 1996, pág. 360).
Trata-se,
assim, de um encargo enquadrável no tertium genus das “demais
contribuições financeiras a favor dos serviços públicos”, a que passou a
fazer-se referência, a par dos impostos e das taxas, na alínea i) do n.º
1 do art.º 165.º da Constituição.
A situação não é, por isso, também, inteiramente equivalente à
analisada no acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 186/93 (cuja orientação foi depois também seguida pelo
acórdão n.º 1203/96), em que se considerou (ainda que apenas para verificar se
a determinação da incidência e da taxa da contribuição está sujeita a reserva
de lei) que as contribuições para a segurança social
que têm como sujeito passivo a entidade patronal, «quer sejam havidas como
verdadeiros impostos, quer sejam consideradas como uma figura contributiva de
outra natureza, sempre deverão estar sujeitas aos mesmos requisitos a que
aqueles se acham constitucionalmente obrigados». Esta sujeição às regras
constitucionais, na lógica argumentativa do acórdão, decorre do facto de «as
prestações pecuniárias em que estas contribuições se traduzem, talqualmente os
impostos, revestirem caráter definitivo e unilateral», caracterização que não é
inteiramente transponível para o tributo em causa, pelas considerações
já precedentemente formuladas, nem sequer quando a contribuição incide sobre
pensões dos regimes complementares e substitutivos.
E,
deste modo, independentemente das variantes que a norma do artigo 78º, ao
prever a contribuição extraordinária de solidariedade, possa colocar - quer
quando esta equivale a uma medida de redução
de despesa, quer quando constitui uma estrita medida de obtenção de receita -,
a questão de constitucionalidade que vem suscitada acaba por reconduzir-se à
alegada violação do direito de propriedade e dos princípios da igualdade, da
proporcionalidade e da proteção da confiança.
76.
Um aspeto que se torna evidente, por tudo o que já anteriormente se expôs, é
que os pensionistas afetados pela medida não se encontram na mesma situação de
qualquer outro cidadão, justamente porque são beneficiários de pensões de
reforma ou de aposentação e de complementos de reforma, e é a sua distintiva
situação estatutária que determina a incidência da CES, como medida
conjuntural, com a finalidade específica de assegurar a sua participação no
financiamento do sistema de segurança social, num contexto extraordinário de
exigências de financiamento que, de outra forma, sobrecarregariam o Orçamento
do Estado ou se transfeririam para as gerações futuras.
A Constituição
não estabelece a proporção em que o financiamento da segurança social depende
de qualquer uma das suas fontes, sendo essa matéria que está em grande medida à
disposição do Estado no âmbito da sua liberdade de conformação política e
legislativa (Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I,
pág. 817).
No
caso concreto, a imposição de um tributo com a natureza de uma contribuição
para a segurança social, traduz-se, em grande parte, na imediata redução de despesa
por via da dedução de uma percentagem dos montantes devidos a título de pensão
de reforma ou de aposentação pelas próprias entidades a que está consignada e,
noutra parte, incidindo sobre titulares de complementos de reforma e de pensões
com um regime especial, corresponde a uma forma de financiamento que é
assegurada pelos beneficiários ativos de prestações. Podendo descortinar-se na
sua própria condição de pensionistas o fundamento material bastante para, numa
situação de exceção, serem chamados a contribuir para o financiamento do
sistema, o que afasta, à partida, o caráter arbitrário da medida.
A sujeição dos pensionistas a uma contribuição para o
financiamento do sistema de segurança social, de modo a diminuir a necessidade
de afetação de verbas públicas, no quadro de distintas medidas articuladas de
consolidação orçamental, que incluem também aumentos fiscais e outros cortes de
despesas públicas, apoia-se numa racionalidade coerente com uma estratégia de
atuação cuja definição cabe ainda dentro da margem de livre conformação
política do legislador.
E os quantitativos das novas contribuições fixados pelo artigo
78º, da Lei do Orçamento do Estado, não se revelam excessivamente
diferenciadores, face às razões que se admitiram como justificativas da
imposição desta medida penalizadora dos pensionistas, sendo as percentagens
relativas ao montante das pensões constantes do n.º 1, similares às das
reduções das remunerações de quem aufere por verbas públicas, constantes do
artigo 27.º do mesmo diploma, e que foi considerado situarem-se ainda dentro
dos limites do sacrifício exigível, de que se excluiram todos aqueles que
auferem pensões inferiores a €1350.
E se as percentagens das contribuições que incidem sobre as
pensões abrangidas pelo n.º 2, do mesmo artigo 78º, atingem valores bem mais
elevados, elas também incidem sobre pensões cujo montante não deixa de
justificar um maior grau de progressividade. A prossecução do fim de interesse
público que preside a esta medida e a sua emergência, aliadas a um imperativo
de solidariedade, tem uma valia suficiente para fundamentar a diferenciação
estabelecida entre o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 78º.
77. Quanto à análise dos princípios da
proporcionalidade e da proteção da confiança não pode deixar de se ter presente
quer a recente evolução verificada no regime previdencial de segurança social
quer, sobretudo, a natureza conjuntural da CES.
No que se refere ao regime previdencial de segurança
social, o critério de determinação dos montantes das pensões, que provinha do
Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro, e em certa medida era ainda
tributário do modelo concebido nos anos 60 (limitando-se a considerar como
remuneração relevante para fixação do montante global da pensão a
correspondente aos melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva),
foi profundamente alterado pela Lei de Bases da Segurança Social aprovada pela
Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto, que estipulou o princípio segundo o qual o
cálculo de pensões de velhice devia ter por base os rendimentos de trabalho de
toda a carreira contributiva (artigo 57.º, n.º 3).
O Governo e
os parceiros sociais comprometeram-se entretanto a adotar medidas destinadas a
assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, incluindo no
que se refere à reformulação do cálculo das pensões, e nessa sequência foi
publicado o Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de fevereiro, que veio estabelecer
como regra a consideração, para efeitos do cálculo da pensão, das remunerações
anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva, medida que era
justificada não só pela necessidade de assegurar sustentabilidade financeira do
sistema de segurança social, mas também por razões de justiça social (Acordo
para a Modernização da Proteção Social, de 20 de novembro de 2001).
E posteriormente foi celebrado um novo acordo de
concertação social que teve em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que
pretendeu realizar dois objetivos essenciais: (i)
acelerar o prazo de transição para a nova fórmula de cálculo das
pensões; (ii) introduzir um limite superior para o cálculo das pensões
baseado nos últimos anos da carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da
Segurança Social, de 10 de outubro de 2006).
São esses objetivos que surgem plasmados
no novo regime do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, publicado em
desenvolvimento da atual Lei de Bases da
Segurança Social, que visou dar concretização prática ao princípio da aceleração
da transição para a nova fórmula de cálculo de pensões, tornando-se
aplicável aos contribuintes inscritos até 31 de dezembro de 2001 (e, portanto,
àqueles cuja carreira contributiva decorreu em parte ainda na vigência do
Decreto-Lei n.º 329/93) (artigos 33º e 34º) e estabeleceu uma limitação do
montante da pensão destinada a impedir que, por razões de justiça social e
equidade contributiva, venha a ser atribuída uma pensão que se mostre ser
excessiva (artigo 101º).
Por
outro lado, foi introduzido um fator de sustentabilidade no cálculo do montante
da pensão, que permite uma regressão do seu valor em função da alteração da
esperança média de vida - artigo 35º (sobre a evolução legislativa do
sistema de segurança social, o acórdão n.º 188/2009, que se pronunciou pela não
inconstitucionalidade da norma que fixou um teto máximo para o valor das pensões).
78.
Também no domínio do sistema de proteção social da função pública, foram
introduzidas importantes alterações.
A
Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, veio instituir mecanismos de convergência do
regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança
social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões, e
nesses termos, a Caixa Geral de Aposentações deixou, a partir de 1 de janeiro
de 2006, de proceder à inscrição de subscritores (artigo 1º), sendo que o
pessoal que inicie funções a partir dessa data ao qual, nos termos da
legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função
pública em matéria de aposentação (em razão da natureza da instituição a que
venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a
ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito), é
obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social (artigo 2º).
E o Decreto-Lei n.º 117/2006, de 20 de junho, veio
também estabelecer a transição do regime de proteção social dos funcionários e
agentes da Administração Pública, em contrato de trabalho, para o regime geral
de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, passando a cobrir as
eventualidades de proteção na doença, doenças profissionais, maternidade e
desemprego através dos regimes jurídicos do subsistema previdencial, com as
particularidades previstas nesse diploma.
79.
Esta evolução de política legislativa aponta já para uma gradual adaptação do
quadro legal das pensões aos novos condicionalismos sociais, de modo a
garantir-se a maior equidade e justiça social na sua concretização, e que
corresponde a um dos princípios legalmente assumidos do sistema previdencial
(artigo 63º da Lei n.º 4/2007).
Por
outro lado, as normas ora impugnadas surgem impulsionadas por uma necessidade
conjuntural e emergente de redução da afetação de verbas públicas à manutenção
do sistema de segurança social.
A CES
foi, na realidade, concebida exclusivamente para fazer face, juntamente com
outras medidas, à situação de crise económico-financeira, que terá
transitoriamente também exigido, no quadro das opções de base feitas pelo poder
político, um urgente reforço do financiamento do sistema de segurança social, à
custa dos próprios beneficiários.
Perante
a conjugação de uma diminuição das receitas do sistema de segurança social,
face ao forte aumento do desemprego, redução dos salários e às novas tendências
migratórias, com um aumento das despesas com o apoio ao desemprego e às
situações de pobreza, e à consequente necessidade do Estado subsidiar o sistema
de segurança social, agravando desse modo o défice público, o legislador, a
título excecional e numa situação de emergência, optou por estender aos
pensionistas o pagamento de contribuições do sistema de segurança social do
qual são direta ou indiretamente beneficiários, apenas durante o presente ano
orçamental.
É,
pois, atendendo à natureza excecional e temporária desta medida, tendo por
finalidade a satisfação das metas do défice público exigidas pelo Programa de
Assistência Económica e Financeira, que a sua conformidade com os princípios
estruturantes do Estado de direito democrático deve ser avaliada.
80.
São conhecidos, e foram já aqui recordados, os critérios a que o Tribunal
Constitucional dá relevância para que haja lugar à tutela
jurídico-constitucional da «confiança».
E
não pode deixar de reconhecer-se que as pessoas na situação de reforma ou
aposentação, tendo chegado ao termo da sua vida ativa e obtido o direito ao
pagamento de uma pensão calculada de acordo com as quotizações que deduziram
para o sistema de segurança social, têm expectativas legítimas na continuidade
do quadro legislativo e na manutenção da posição jurídica de que são titulares,
não lhes sendo sequer exigível que tivessem feito planos de vida alternativos
em relação a um possível desenvolvimento da atuação dos poderes públicos
suscetível de se repercutir na sua esfera jurídica.
Todavia,
em face do condicionalismo que rodeou a implementação da contribuição
extraordinária de solidariedade, não só as expectativas de estabilidade na
ordem jurídica surgem mais atenuadas, como são sobretudo atendíveis relevantes
razões de interesse público que justificam, em ponderação, uma excecional e
transitória descontinuidade do comportamento estadual.
Como
já resulta da ponderação efetuada noutro local, a propósito deste princípio, o
interesse público a salvaguardar, não só se encontra aqui perfeitamente
identificado, como reveste uma importância fulcral e um caráter de premência
que lhe confere uma manifesta prevalência, ainda que não se ignore a
intensidade do sacrifício causado às esferas particulares atingidas pela nova
contribuição.
No
que se refere às pensões abrangidas pelo n.º 2 do artigo 78º, cabe
adicionalmente referir que essas prestações já haviam sido objeto de uma
contribuição extraordinária de solidariedade de 10 %, incidindo sobre o montante que excede aquele valor, por força
do artigo 162º da Lei n.º 55-A/2010, de
31 de dezembro (Lei do OE de 2011), e que veio a ser agravada, em termos
idênticos aos agora previstos, através do n.º 15 do artigo 20º da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do OE de 2012).
Não
há, pois, nenhuma evidência, em todo este contexto, de uma infração ao
princípio da proteção da confiança.
81. Nem parece que possa ter-se como
violado o princípio da proporcionalidade, em qualquer das suas vertentes de
adequação, necessidade ou justa medida.
Como observa Reis Novais, o princípio da idoneidade ou da aptidão
significa que as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim
prosseguido, ou, mais rigorosamente, devem, de forma sensível, contribuir para
o alcançar.
No entanto, o controlo da idoneidade ou
adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade,
refere-se exclusivamente à aptidão objetiva e formal de um meio para realizar
um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da
oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a
consecução do um fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido,
quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente dos méritos
correspondentes. E, assim, a medida só será suscetível de ser invalidada por
inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se
indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do
fim visado (Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa,
Coimbra, 2004, págs. 167-168).
No caso vertente, é patente que a
incidência de um tributo parafiscal sobre o universo de pensionistas como meio
de reduzir excecional e temporariamente a despesa no pagamento de pensões e obter
um financiamento suplementar do sistema de segurança social é uma medida
adequada aos fins que o legislador se propôs realizar.
Quanto a saber se para atingir esse
objetivo, o meio efetivamente escolhido é o necessário ou exigível,
por não existirem outros meios, em princípio, tão idóneos ou eficazes, que
pudessem obter o mesmo resultado de forma menos onerosa para as pessoas
afetadas, não se vislumbra, num critério necessariamente de evidência, a
existência de alternativas que, mantendo uma coerência com o sistema no qual
estas medidas se situam, com igual intensidade de realização do fim de
interesse público, lesassem em menor grau os titulares das posições jurídicas
afetadas.
Nestes termos, a medida cumpre o princípio
da necessidade.
Por fim, a norma suscitada não se afigura
ser desproporcionada ou excessiva, tendo em consideração o seu caráter excecional e transitório e o patente esforço em
graduar a medida do sacrifício que é exigido aos particulares em função do
nível de rendimentos auferidos, mediante a aplicação de taxas progressivas, e
com a exclusão daqueles cuja pensão é de valor inferior a €1350, relativamente
aos quais a medida poderia implicar uma maior onerosidade.
Acresce que, em termos práticos, ela
corresponde, em grande parte, a uma extensão da medida de redução salarial já
aplicada aos trabalhadores do setor público em 2011 e 2012, e que foi mantida
em 2013, a qual no acórdão n.º 396/2011 também se considerou não ser
desproporcionada ou excessiva.
Relativamente
à previsão do n.º 2 do artigo 78º da Lei do Orçamento do Estado, a questão de
constitucionalidade justifica, no entanto, outros desenvolvimentos, por estar
aí em causa a aplicação de taxas fortemente progressivas que se alega
revestirem uma natureza confiscatória.
82. Defende o Requerente do pedido formulado no
processo n.º 2/2013 que a carga de esforço tributário que é potenciada pelo
disposto no artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado pode, igualmente, pôr em
causa direitos patrimoniais conexos com o direito de propriedade privada, que
se reconduz à norma do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição e que beneficia,
com adaptações, do regime garantístico dos direitos, liberdades e garantias
contido no seu artigo 18°.
O mesmo argumento foi já mobilizado relativamente à
suspensão parcial do subsídio de férias dos reformados e pensionistas,
mantendo-se válidas as considerações que, a esse propósito, foram formuladas.
De facto, essa perspetiva poderia arrancar da ideia de
que o conceito de propriedade vertido no citado preceito constitucional não se
circunscreve aos direitos reais tipificados no Código Civil, mas engloba outros
direitos com relevância económica direta, tais como os salários ou as pensões
de reforma, constituindo um equivalente de «património» (sobre estes aspetos, Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade
do Estado e dever de indemnizar do legislador, Coimbra, 1998, págs. 547 e
segs.; Sousa Franco/Oliveira Martins,
A Constituição Económica Portuguesa, Coimbra, 1993, pág. 174).
A posição foi também sufragada pelo Tribunal
Constitucional no acórdão n.º 491/02, em que se entendeu que «o direito de
propriedade a que se refere o artigo 62.º da Constituição não abrange apenas a proprietas
rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade
industrial, mas também outros direitos que normalmente não são incluídos sob a
designação de «propriedade», tais como, designadamente, os direitos de crédito
e os «direitos sociais» – incluindo, portanto, partes sociais como as ações ou
as quotas de sociedades» (no mesmo sentido ainda os acórdãos n.ºs 273/04 e
374/03).
No entanto, mesmo que situemos o direito à pensão
neste plano de análise, a violação do direito à propriedade, por virtude da
redução do montante das prestações que forem devidas a esse título, apenas
poderia colocar-se se fosse possível afirmar um estrito princípio de
correspectividade no âmbito da relação jurídica de segurança social, de modo a
que existisse efetiva equivalência entre o montante das contribuições e o valor
das prestações.
Todavia o princípio que vigora é antes de uma
equivalência global que poderá sempre ser corrigida em função do princípio
da solidariedade, como um dos fatores estruturantes do sistema de segurança
social (João Loureiro, Adeus ao
estado social? O insustentável peso do não-ter, BFD 83 (2007), págs.
168-169).
Estes aspetos foram analisados no já citado acórdão
n.º 188/2009, onde se afirmou:
A
referência legal a uma relação sinalagmática direta entre a obrigação
legal de contribuir e o direito às prestações parece pressupor um princípio
contratualista de correspectividade entre os direitos e obrigações que integram
a relação jurídica de segurança social. Mas diversos outros indicadores apontam
no sentido de que o legislador pretendeu apenas referir-se à necessária
interdependência entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir, o
que não significa que exista uma direta correlação entre a contribuição paga e
o valor da pensão a atribuir (cfr. Ilídio
das Neves, Direito da Segurança Social. Princípios Fundamentais numa
Análise Prospetiva, Coimbra, 1996, págs. 303 e segs.).
Em
primeiro lugar, o âmbito material do sistema previdencial não se circunscreve
às pensões de invalidez e velhice, mas abrange diversas outras eventualidades
que determinam perda de rendimentos de trabalho, como a doença, maternidade,
paternidade e adoção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças
profissionais, ou a morte, não estando excluído, sequer, que a proteção social
que assim se pretende garantir seja alargada, no futuro, em função da
necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais (artigo 52º da Lei n.º
4/2007).
E,
pela natureza das coisas, não há, em relação a cada situação e categoria de
beneficiários, uma plena correspondência pecuniária entre os valores
comparticipados ao longo da carreira contributiva e os benefícios obtidos em
consequência da verificação das eventualidades que se encontram cobertas pelo
sistema previdencial.
Por
outro lado, a obrigação de contribuir não impende apenas sobre os
beneficiários, mas também, no caso de exercício de atividade profissional
subordinada, sobre as respetivas entidades empregadoras (obrigação que para
estas se constitui com o início do exercício da atividade profissional dos
trabalhadores ao seu serviço - artigo 56º, n.ºs 1 e 2), sendo o respetivo
montante determinado por aplicação de taxa legalmente prevista às remunerações
que constituam a base de incidência contributiva (artigo 57º, n.º 1).
Além
disso, a lei pode prever limites contributivos, quer através da aplicação de
limites superiores aos valores das remunerações que servem de base de
incidência, quer por via da redução da taxa contributiva, isto é, do valor em
percentagem que deve incidir sobre a base salarial para a determinação do
quantitativo exato da contribuição ou quotização (artigo 58º).
Acresce
que a falta do pagamento de contribuições relativas a períodos de exercício de
atividade dos trabalhadores por conta de outrem, que lhes não seja imputável,
não prejudica o direito às prestações (artigo 61º, n.º 4), e na determinação
dos montantes das prestações podem ser tidos em consideração, para além do
valor das remunerações registadas, que constitui a base de cálculo, outros
elementos adicionais, como a duração da carreira contributiva e a idade do
beneficiário (artigo 62º, n.ºs 1 e 2).
Todos os referidos aspetos do regime legal
conduzem a concluir que o cálculo do montante da pensão não corresponde à
aplicação de um princípio de correspectividade que pudesse resultar da capitalização
individual das contribuições, mas radica antes num critério de repartição que
assenta num princípio de solidariedade, princípio este que aponta para a
responsabilidade coletiva das pessoas entre si na realização das finalidades do
sistema e se concretiza, num dos seus vetores, pela transferência de recursos
entre cidadãos – cfr. artigo 8º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), da Lei n.º 4/2007
(neste sentido, João Loureiro, ob.
e loc. cit.).
83. O argumento não tem idêntica
validade quanto aos complementos de reforma, que funcionem segundo um regime de
capitalização. No entanto, como se assinalou, os regimes complementares estão
associados ao sistema de segurança social na sua integralidade, e estando em
causa a incidência de uma contribuição similar às quotizações dos trabalhadores
no ativo, não se vê em que termos é que esses rendimentos devam encontrar-se
cobertos pelo âmbito de proteção do direito de propriedade, quando ainda
estamos no domínio da parafiscalidade.
Na verdade, a
responsabilidade do Estado na tomada de decisões político-legislativas, no
domínio do financiamento dos regimes de segurança social, resulta da sua
qualidade de garante superior do sistema, com a incumbência de
organizar, coordenar e subsidiar um programa de proteção social dos cidadãos
nas situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade
de trabalho - artigo 63º, n.º 2, da Constituição (Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social,
citado, pág. 334).
O legislador dispõe de
liberdade de conformação para delimitar a fronteira entre o sistema básico de
segurança social público e os sistemas privados complementares (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo I, págs. 646-647), o que também pressupõe, por
efeito do englobamento dos diferentes regimes no sistema único de segurança
social, o enquadramento normativo da obrigação contributiva.
84. Tenha-se, por último, em consideração
que a redução das pensões, mesmo quando influenciadas pela aplicação de taxas
contributivas percentuais muito elevadas – como sucede em relação às pensões
abrangidas pelo n.º 2 do artigo 78º -, não corresponde a uma ablação do direito
à pensão, constituindo antes uma medida conjuntural de caráter transitório, justificada
por situação de emergência económica e financeira, pelo que não pode ainda aqui
atribuir-se a essa contribuição uma natureza confiscatória.
A
questão das taxas confiscatórias tem sido matéria tratada, no domínio
tributário, no âmbito do princípio da proporcionalidade ou proibição de
excesso, considerando-se que, implicando o imposto uma restrição ao direito de
propriedade, o tributo não pode assumir uma tal dimensão quantitativa que
absorva «a totalidade ou a maior parte da matéria coletável», nem pode ter um
efeito de estrangulamento, impedindo «o livre exercício das atividades humanas»
(Diogo Leite de Campos/Mónica Leite de
Campos, Direito Tributário, Coimbra, 1996, pág. 148, e Diogo Leite de Campos, As três fases
de princípios fundamentantes do Direito Tributário, in O Direito, ano 139º,
2007, pág. 29), ou pondo em causa que «a cada um seja assegurado um mínimo de
meios ou recursos materiais indispensáveis (…) [à] dignidade [da pessoa
humana]» (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª Edição, pág. 162).
A
variável quantitativa não é, contudo, contrariamente ao que possa parecer,
única ou determinante. Para aferição do que seja ou não imposto confiscatório,
apela-se a uma ideia de equidade ou «tributação equitativa»: «saber se um
imposto tem efeitos confiscatórios não depende apenas dos montantes das
respetivas taxas. Importa, isso sim, aferir desses efeitos confiscatórios em
relação a determinado contribuinte em concreto. O fator decisivo não é aquilo
que o imposto retira ao contribuinte, mas o que lhe deixa ficar» (Luís Vasconcelos Abreu, Algumas notas
sobre o problema da confiscatoriedade tributária em sede de imposto sobre o
rendimento pessoal», in Fisco, n.º 31, maio 1991, págs. 26 e segs.).
Transpondo
esta doutrina para o caso aqui em análise, considerando que as taxas adicionais
de 15% e 40% são aplicadas só a partir de rendimentos especialmente elevados e
deixam ainda uma margem considerável de rendimento disponível, e – como se
referiu já - revestem caráter transitório e excecional, não se afigura que se
lhes possa atribuir caráter confiscatório.
O Tribunal pronuncia-se, nos termos expostos, pela não
inconstitucionalidade da norma do artigo 78º.
I.
Contribuição sobre os subsídios de doença e de desemprego (artigo 117.º, n.º 1)
85.
Os autores do pedido que deu origem ao Processo n.º 8/13 suscitam a questão de
constitucionalidade da norma do artigo 117.º, n.º 1, alegando, no essencial,
que a sujeição dos beneficiários de prestações do sistema previdencial a uma
contribuição de 5% sobre o montante dos subsídios concedidos por doença e de 6%
sobre o montante de subsídios concedidos em caso de desemprego, consubstancia,
na prática, uma redução das correspetivas prestações sociais, e põe em causa a
aplicação do princípio constitucional da igualdade, uma vez que os
trabalhadores que deles beneficiam não se encontram em situação idêntica à dos
demais trabalhadores devido à impossibilidade temporária de obtenção de meios
de subsistência. Entendem ainda que viola os artigos 59.º, n.º 1, alíneas e) e
f), e 63.º, n.º 3, da Constituição, que consagram o direito de todos os
trabalhadores à assistência material, o direito a assistência e justa reparação
quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional e ainda o
direito à proteção dos cidadãos na doença, bem como no desemprego e em todas as
outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de
capacidade para o trabalho.
86.
O citado artigo 117.º sujeita os montantes dos subsídios concedidos no âmbito
das eventualidades de doença ou de desemprego a uma “contribuição”,
respetivamente, de 5% e de 6%, com exceção das situações previstas nos seus
n.ºs 2 e 3 (subsídios referentes a período de incapacidade temporária de
duração inferior ou igual a 30 dias e situações de majoração do subsídio de
desemprego previstas no artigo 118.º). A referida contribuição será deduzida
pelas instituições de segurança social do montante das prestações por ela pagas
e constituirá uma receita do sistema previdencial (n.º 4 do artigo 117.º).
O
regime jurídico de proteção social em caso de doença encontra-se regulado
no Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs
146/2005, de 26 de agosto, 302/2009, de 22 de outubro, pela Lei n.º 28/2011, de
16 de junho, e pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho. Trata-se de uma
prestação cuja atribuição visa a compensação da perda de remuneração em
consequência de incapacidade temporária para o trabalho por doença. Em termos
gerais, têm direito ao subsídio por doença os beneficiários do subsistema
previdencial no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de
outrem e dos trabalhadores independentes (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º
28/2004). Nos termos do artigo 16.º do referido diploma, o montante diário do
subsídio de doença é calculado pela aplicação à remuneração de referência
(artigo 18.º) de uma percentagem variável (entre 55% e 100%), em função da
duração do período de incapacidade para o trabalho ou da natureza da doença,
sendo que o montante diário não pode ser inferior a 30% do valor diário da
retribuição mínima mensal (artigo 19.º, n.º 1).
Por
seu turno, o subsídio de desemprego destina-se a compensar a perda das
remunerações de trabalho de quem perdeu o emprego de forma involuntária. Em
geral, tem direito ao subsídio de desemprego quem tenha estado vinculado por
contrato de trabalho e esteja em situação de desemprego involuntário ou tenha
suspendido o contrato de trabalho com fundamento em salários em atraso e, em
qualquer caso, tenha capacidade e disponibilidade para o trabalho e esteja
inscrito para procura de emprego no centro de emprego da área de residência
(Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, alterado, por último, pelo
Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março).
Num
caso como no outro, estamos perante prestações contributivas (incluídas no
regime geral de segurança social contributivo e obrigatório) e substitutivas de
rendimento de trabalho (sistema previdencial).
Cumpre,
ainda, salientar que, tendo a norma do artigo 117.º natureza orçamental,
aplica-se-lhe o correspondente regime de vigência anual (artigo 106.º, n.º 1,
da Constituição).
87.
Quer o regime do subsídio por doença, quer o regime do subsídio de desemprego
sofreram recentes alterações, por via, respetivamente, dos citados
Decretos-Leis n.ºs 133/2012 e 64/2012, que, pelo menos em parte, e como
expressamente se refere nos respetivos preâmbulos, foram ditadas pela atual
situação económica e financeira do País e pela necessidade de cumprimento das
medidas constantes do Memorando de Entendimento.
Tais
alterações, no âmbito da proteção na eventualidade de doença, traduziram-se
essencialmente na adequação das percentagens de substituição do rendimento
perdido em função de novos períodos de atribuição do subsídio de doença, protegendo-se
diferentemente períodos de baixa até 30 dias e períodos mais longos, entre 30 e
90 dias; na introdução de uma majoração de 5% das percentagens para os
beneficiários cuja remuneração de referência seja igual ou inferior a €500, que
tenham três ou mais descendentes a cargo, em determinadas condições; na
alteração da forma de apuramento da remuneração de referência nas situações de
totalização de períodos contributivos, passando a considerar-se o total das
remunerações desde o início do período de referência até ao dia que antecede a
incapacidade para o trabalho.
No
caso do subsídio de desemprego, procedeu-se à majoração temporária de 10% do
respetivo montante nas situações em que ambos os membros do casal sejam
titulares de subsídio de desemprego e tenham filhos a cargo, abrangendo esta
medida igualmente as famílias monoparentais; foi reduzido de 450 para 360 dias
o prazo de garantia para o subsídio de desemprego; foi introduzida uma redução
de 10% sobre o valor do subsídio a aplicar após 6 meses de concessão, como
forma de incentivar a procura ativa de emprego; reduziu-se o limite máximo do
montante mensal, mantendo-se os valores mínimos; reduziu-se o período de
concessão do subsídio, possibilitando-se a ultrapassagem desse limite para
trabalhadores com carreira contributiva mais longa; criou-se a possibilidade do
pagamento parcial do montante único das prestações de desemprego.
88.
O Relatório sobre o Orçamento de Estado para 2013 não se refere especificamente
à “contribuição” a que as prestações por doença e desemprego passaram a estar
sujeitas, nos termos do artigo 117.º aqui questionado. No entanto, infere-se do
“Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social”, anexo
àquele Relatório (pág. 261) que o sistema previdencial tem vindo a revelar uma
tendência deficitária de 2006 para 2012 (com exceção de 2008) e que «o momento
atual, com a diminuição das receitas contributivas e o aumento da despesa com
prestações sociais, conduz a uma revisão dos cenários e ao reforço da necessidade
de se virem a tomar medidas estruturais que contrariem esta tendência». Ao
longo do citado Relatório sobre o Orçamento de Estado há várias referências ao
aumento da despesa com prestações sociais, em particular, com o subsídio de
desemprego (págs. 29, 30, 42 e 264) e salienta-se a necessidade de operar «um
esforço financeiro suplementar do Orçamento de Estado que assegura o equilíbrio
da situação orçamental do sistema de segurança social com uma transferência
extraordinária» (pág. 121).
89.
A “contribuição” agora prevista tanto pode ser vista como uma redução do
montante das prestações de subsídio por doença e de subsídio de desemprego,
tendo em conta que diminui as despesas com as referidas prestações no âmbito do
orçamento da segurança social (qualificação que lhe é atribuída pelos
requerentes), como uma contribuição (tal como é designada pela própria lei), na
medida em que constitui obrigatoriamente uma receita do sistema previdencial
(artigo 117.º, n.º 4), traduzindo uma receita para o orçamento da segurança
social a suportar pelos próprios beneficiários ativos, apresentando, neste
ponto, alguma similitude com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade a
que se refere o artigo 78º da Lei do Orçamento do Estado, aplicável aos
aposentados e reformados, e já antes analisada.
Em
relação à contribuição incidente sobre os subsídios por doença e desemprego,
afigura-se ser, em todo o caso, mais evidente a sua caracterização como medida
de redução de despesa, tendo em conta que, contrariamente ao que sucede com a
CES, é exclusivamente no interior do sistema público, que se processa e paga o
subsídio, que se obtém o resultado orçamental pretendido, por minoração do
conteúdo da posição creditória dos beneficiários de uma prestação previdencial.
O valor da contribuição é, na verdade, descontado na importância a receber pelo
beneficiário, por compensação parcial entre crédito e débito, tudo se passando
como se a prestação a que o beneficiário tem direito fosse reduzida no seu
montante.
E é
este, em último termo, o efeito prático produzido na esfera dos obrigados à
“contribuição” e que tem correspondência direta no modus operandi
legalmente previsto para a sua efetivação, por força do n.º 4 do artigo 117.º,
quando aí se dispõe que a contribuição é «deduzida pelas instituições de
segurança social do montante das prestações por elas pagas».
A
circunstância de se tratar de uma “contribuição” que obedece a uma taxa fixa,
de montante reduzido, invariável e não progressiva, sem qualquer isenção na
base, incidente sobre uma prestação decorrente de situações eventuais e não
certas, como a pensão por reforma ou aposentação, reforça o entendimento de que
estamos perante uma situação que se não enquadra no universo tributário,
tratando-se antes de uma redução do montante dos subsídios a que têm direito.
90.
Porém, mesmo que entenda tratar-se de uma medida de natureza tributária
destinada a obter uma receita suplementar para o sistema previdencial da
segurança social, não pode deixar de qualificar-se essa medida como um tributo
parafiscal equivalente às contribuições para a segurança social, ainda que
incidindo sobre os sujeitos ativos da relação prestacional, e que, pela sua
própria natureza, e à semelhança do que também sucede com a CES, não se encontra
subordinada aos princípios da constituição fiscal, e, designadamente, aos
princípios da unicidade e da universalidade do imposto.
A
incidência de uma obrigação contributiva sobre os próprios beneficiários
ativos, isto é, sobre aqueles que, em determinado momento, se encontram na
situação de risco social que é coberto pelo pagamento de prestações
substitutivas dos rendimentos de trabalho, poderá pôr em causa, num sentido
estrito, o princípio da contributividade e a correlação entre a quotização e o
direito no futuro a uma prestação social, mas não descaracteriza, em si, a
relação jurídica contributiva, ou seja, a existência de uma relação jurídica do
tipo tributário.
A sobrecarga
contributiva fixada nestes termos, que vai onerar precisamente as categorias
de sujeitos que se encontram numa posição de vulnerabilidade - em razão da qual
foi organizado o sistema de proteção -, não suscita em si um problema de
invalidade constitucional por referência ao direito à segurança social (artigo
63º, n.º 3, da Constituição), constituindo antes um desvio ao funcionamento do
sistema, na medida em que introduz uma nova modalidade de financiamento da
segurança social que abarca os próprios beneficiários das prestações sociais.
Podendo apenas discutir-se, em tese geral, a razoabilidade ou a
proporcionalidade da medida.
Assim
sendo, mesmo na perspetiva de que estamos perante uma receita do sistema
previdencial, a questão que é colocada pelos requerentes reconduz-se a saber se
é constitucionalmente legítimo, por referência aos princípios decorrentes dos
artigos 59º, n.º 1, alíneas e) e f), e 63º da Lei Fundamental, operar a
diminuição do montante pecuniário que é devido nas situações de doença ou
desemprego. E a resposta a essa questão não será diversa daquela que puder ser
formulada quando se entenda, diferentemente, que o artigo 117º da Lei do
Orçamento não pretendeu mais do que instituir uma medida de redução de despesa.
91.
O n.º 3 do artigo 63.º da Constituição, inserido no capítulo dedicado aos
“Direitos e deveres sociais”, estabelece que «[o] sistema de segurança social
protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como
no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de
subsistência ou de capacidade para o trabalho». Especificamente quanto aos
trabalhadores que “involuntariamente se encontrem em situação de desemprego”,
o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), inserido no capítulo dedicado aos “Direitos e
deveres económicos”, confere expressamente a esses trabalhadores o direito a
“assistência material”. Assim, o subsídio de desemprego, que tem uma «função
sucedânea da remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado»,
constitui um «direito fundamental dos trabalhadores», embora a sua
concretização esteja dependente das «disponibilidades financeiras e materiais
do Estado» (Jorge Miranda/Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 1160, e acórdão n.º
275/2007).
A
inserção sistemática do artigo 59.º revela que os direitos consagrados neste
preceito são configurados como direitos económicos, sociais e culturais, ainda
que algumas das dimensões dos direitos aí enunciados possam ter uma estrutura
análoga à dos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se-lhes, quando assim
seja, o regime dos direitos liberdades e garantias, nos termos do artigo 17.º (idem,
pág. 1148).
Diversamente
do que acontece com o subsídio de desemprego, não há, na Constituição, uma
referência expressa à assistência material por doença não profissional. O
âmbito de tutela da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição abrange
apenas os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, pelo que esse
preceito, contrariamente ao invocado, não fornece um parâmetro adequado de
fiscalização da norma aqui questionada. No ordenamento infraconstitucional,
esse direito está concretizado nas prestações por riscos profissionais,
designadamente prestações por incapacidade e por morte. Diversamente, a
“doença” que permite acionar o subsídio aqui em causa é necessariamente uma
doença não profissional e não decorrente de acidente de trabalho.
No
entanto, como referem os autores há pouco citados (ob. cit., pág.
1161), «da conjugação do artigo 59.º, n.º 1, alínea e), com o artigo 63.º, n.º 3,
resulta que a lei deve prever formas de assistência material aos trabalhadores
que, não estando desempregados, se encontram, por outro fundamento (v. g.
doença), impedidos temporariamente da prestação de trabalho, sem prejuízo da
liberdade de conformação do legislador (v. g. excluindo o subsídio de
doença nos primeiros dias de faltas ao trabalho)». Pode até sustentar-se que o
disposto no n.º 3 do artigo 63.º basta para fundar tal conclusão, pois, sendo a
doença aí encarada como causa de incapacidade para o trabalho e da consequente
perda de remuneração, a proteção que, por imperativo constitucional, o sistema
de segurança social deve assegurar, contra essa eventualidade, não pode deixar
de abarcar, sob pena de um défice de tutela, formas de assistência material.
92.
Em suma, a Constituição assegura diretamente um direito dos trabalhadores a
assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de
desemprego e dirige um comando ao legislador no sentido de este prever, no
sistema de segurança social, formas de assistência material aos trabalhadores
em situação de doença. Foi este o imperativo a que o legislador deu execução,
no âmbito do subsistema previdencial, através dos regimes jurídicos de proteção
social nas eventualidades de desemprego e doença.
No
entanto, a Constituição não assegura o direito a um concreto montante de
assistência material, mesmo em caso de desemprego, pelo que a irredutibilidade
dos montantes prestacionais não se inclui no âmbito de proteção do direito dos
trabalhadores à assistência material em situação de desemprego e, por maioria
de razão, no âmbito do direito à assistência em situação de doença.
Só
assim não seria se a redução em causa fosse de tal ordem que descaracterizasse
estas prestações, inviabilizando a função previdencial por elas desempenhada
(substituição das remunerações) e dando-lhes um cunho que pouco as
diferenciaria das prestações assistencialistas. Mas não será esse o caso de uma
redução na ordem dos 5% ou 6%, como a que aqui está em causa.
Por
outro lado, quer no caso do subsídio de desemprego quer no caso do subsídio por
doença, a contribuição agora imposta é acompanhada por outras medidas de
sentido inverso, que aumentam as prestações a que têm direito, em determinados
casos específicos, os trabalhadores em situação de desemprego involuntário ou
os trabalhadores doentes. Será este o efeito da majoração do montante do
subsídio de desemprego quando ambos os cônjuges estejam desempregados e tenham
filhos (artigo 118.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013), ou da alteração
da forma de apuramento da remuneração de referência relevante para o subsídio
de doença, a qual passa a considerar o total das remunerações desde o início do
período de referência até ao dia que antecede a incapacidade para o trabalho –
artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, na redação
dada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012.
Ora,
o cumprimento do programa constitucional de proteção dos cidadãos na doença e no
desemprego, depende, em cada momento histórico, de fatores financeiros e
materiais, sendo tarefa do legislador definir o elenco das situações que
carecem de proteção e o conteúdo do correspondente direito social.
O
que tem aplicação no caso vertente. E é tanto mais assim quanto é certo, pelo
menos em face dos dados normativos atualmente vigentes, estarmos perante uma
medida excecional, de caráter transitório, uma vez que as reduções das
prestações devidas aos beneficiários de subsídio de doença e de desemprego
apenas se encontram previstas para o corrente ano orçamental.
Nestes
termos, tudo induz a concluir que a norma não é constitucionalmente desconforme
por referência aos parâmetros invocados pelo requerente.
93. Uma dificuldade séria é, no entanto, suscitada
pela ausência de uma qualquer cláusula de salvaguarda que impeça que os
montantes pecuniários correspondentes aos subsídios de doença e de desemprego,
por força da dedução agora prevista, possam ficar abaixo do limite mínimo que o
legislador fixou, em geral, para o conteúdo da prestação devida para qualquer
dessas situações.
Sendo o montante diário do subsídio de doença
calculado pela aplicação à remuneração de referência de uma percentagem
variável em função da duração do período de incapacidade para o trabalho ou da
natureza da doença (artigo 16º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro,
na redação por último introduzida pelo Decreto-Lei n.º 133/12, de 27 de junho),
determina o artigo 19º desse diploma que esse montante diário não pode ser
inferior a 30% do valor diário da retribuição mínima mensal estabelecida para o
setor de atividade do beneficiário, ainda que não possa ser superior ao valor
líquido da remuneração de referência que lhe serviu de base de cálculo (n.ºs 1
e 3).
Por outro lado, o montante diário do subsídio de
desemprego, fixado em 65% da remuneração de referência e já reduzido em 10% a
partir de 180 dias de concessão (artigo 28º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3
de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março), não pode
ser inferior, em regra, ao valor do indexante dos apoios sociais (artigo 29º,
n.º 1), que se encontra fixado atualmente em €419,22 (artigo 79º da Lei n.º
64-B/2011, de 20 de dezembro).
Não
está, por conseguinte, excluído que a contribuição sobre subsídios de doença e
desemprego, implicando, na prática, uma redução dos montantes pecuniários a que
os beneficiários têm direito, venha a determinar que a prestação a auferir
fique, em certos casos, aquém do nível mínimo que foi já objeto de concretização
legislativa e que se encontra sedimentado por referência a uma certa
percentagem da retribuição mínima mensal, no caso do subsídio por doença, ou ao
indexante dos apoios sociais, no caso do subsídio de desemprego.
94. Uma tal solução pode confrontar-se, desde logo, com o
princípio da proporcionalidade, que impõe que a solução normativa se revele
como idónea para a prossecução dos fins visados pela lei, se mostre necessária
por não ser viável ou exigível que esses fins sejam obtidos por meios menos
onerosos para os direitos dos cidadãos, e se apresente ainda como uma medida razoável,
e, por isso mesmo, não excessiva ou desproporcionada (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. I, ppág. 392-393).
Pretendendo o legislador reforçar o financiamento da segurança
social e contrariar o défice resultante da diminuição de receitas contributivas
e do aumento de despesa com as prestações sociais, dificilmente se poderá
conceber como adequada uma medida que, sem qualquer ponderação valorativa,
atinja aqueles beneficiários cujas prestações estão já reduzidas a um montante
que o próprio legislador, nos termos do regime legal aplicável, considerou
corresponder a um mínimo de sobrevivência para aquelas específicas situações de
risco social.
Por
outro lado, uma tal opção legislativa é de todo desrazoável, quando é certo que
ela atinge os beneficiários que se encontram em situação de maior
vulnerabilidade por não disporem de condições para obterem rendimentos do
trabalho para fazer face às necessidades vitais do seu agregado familiar, e
abrange as prestações sociais que precisamente revestem uma função sucedânea da
remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado, e que era suposto
corresponderem, no limite, ao mínimo de assistência material que se encontrava
já legalmente garantido.
95.
Além disso, justifica-se questionar se não poderá estar aí em causa a garantia
da existência condigna.
O
Tribunal Constitucional, como já foi referido a seu tempo a propósito da norma
do artigo 29º, n.º 2, sem pôr em causa a liberdade de conformação do legislador
na definição do conteúdo dos direitos sociais a prestações, a quem são
dirigidas, em primeira linha, as diretrizes constitucionais, tem vindo a
reconhecer, ainda que indiretamente, a garantia do direito a uma
sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência,
seja a propósito da atualização das pensões por acidentes de trabalho (acórdão
n.º 232/91), seja a propósito da impenhorabilidade de certas prestações sociais
(acórdãos n.ºs 62/02, 349/91, 411/93, 318/99, 177/02), fundando um tal direito
na conjugação do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à
segurança social em situações de carência, e estabelecendo como padrão o
salário mínimo nacional ou o salário mínimo garantido. O direito às condições
mínimas de existência condigna foi evidenciado, por outro lado, mais
recentemente, através do acórdão n.º 509/02, não apenas na sua dimensão
negativa, mas como um direito a prestações positivas do Estado, num caso em que
se pronunciou pela inconstitucionalidade de um diploma que limitava o âmbito
subjetivo dos beneficiários de uma determinada prestação, dela excluindo os
jovens entre os 18 e os 25 anos sem encargos familiares.
Sabe-se
que através da atribuição de prestações sociais por doença ou desemprego, o que
se tem em vista não é assegurar os mínimos vitais de cidadãos em situação de
carência económica e contribuir para a satisfação das suas necessidades
essenciais, mas antes garantir, no âmbito do sistema previdencial, assente num
princípio de solidariedade de base profissional, o pagamento de prestações
pecuniárias destinadas a compensar a perda da remuneração por incapacidade
temporária para o trabalho ou impossibilidade de obtenção de emprego.
Os limites mínimos que o legislador fixa para essas
prestações compensatórias, ainda que não tenham por referência os critérios de
fixação do salário mínimo nacional, não deixam de constituir a expressão de um
mínimo de existência socialmente adequado.
No caso, a norma sindicada, ao instituir a contribuição sobre os
subsídios de doença e de desemprego, não salvaguardou a possibilidade de a
redução do montante que resulta da sua aplicação vir a determinar o pagamento
de prestações inferiores àquele limite mínimo, não garantindo o grau de concretização do direito que deveria
entender-se como correspondendo, na própria perspetiva do legislador, ao mínimo
de sobrevivência de que o beneficiário não pode ser privado.
Embora
não possa pôr-se em dúvida a reversibilidade dos
direitos concretos e das expectativas subjetivamente alicerçadas, não pode
deixar de reconhecer-se que haverá sempre de ressalvar, ainda que em situação
de emergência económica, o núcleo essencial da existência mínima já efetivado
pela legislação geral que regula o direito às prestações nas eventualidades de
doença ou desemprego, pelo que poderá estar, também, aqui em causa o parâmetro
constitucional da existência condigna.
O Tribunal
pronuncia-se, nestes termos, no sentido da inconstitucionalidade da sobredita
norma do artigo 117º, n.º 1.
J.
Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
(artigo 186.º, na parte em que altera os artigos 68.º, 68.º-A, 78.º e 85.º)
1.
Alteração dos escalões de rendimento coletável do IRS (artigos 68º e 68º-A)
96.
Os mesmos requerentes questionam ainda a constitucionalidade do artigo 186.º da
Lei do Orçamento de Estado para 2013, na parte em que altera os artigos 68.º,
78.º e 85.º e adita o artigo 68.º-A ao Código do IRS.
A
Lei veio reduzir o número de escalões de rendimento coletável de oito para
cinco e, em geral, aumentar as taxas normais e médias aplicáveis a cada
escalão. A comparação mais detalhada entre o regime anterior e o atual revela o
seguinte:
― Foram fundidos os anteriores dois primeiros escalões
(o escalão inicial até €4 898 e o 2.º escalão balizado entre €4 898 e €7 410,
aos quais se aplicavam taxas normais de 11% e 14%, respetivamente), passando o
1.º escalão a abranger o rendimento coletável até €7 000, com uma taxa normal
de 14,5%. Manteve-se inalterada a regra do “mínimo de existência”, no âmbito da
qual não são tributados os sujeitos titulares de rendimentos predominantemente
originados em trabalho dependente ou em pensões, com «um rendimento líquido de
imposto inferior ao valor anual da retribuição mínima mensal acrescida em 20%»
[em 2011 e 2012, € 8148 (485x14=6790x20%)] ou «cuja matéria coletável, após
aplicação do quociente conjugal, seja igual ou inferior a €1911» (artigo 70.º
do CIRS, na redação dada pela citada LOE2012);
― O atual 2.º escalão (rendimento coletável entre €7000 e € 20 000 ao
qual se aplicam taxas normal e média de 28,5% e 23,6%, respetivamente)
corresponde ao anterior 3.º escalão (que se situava entre €7410 e €18375, com
taxas normal e média de 24,5% e 19,599%);
― O atual 3.º escalão (rendimento coletável entre €20 000 e €40 000, ao
qual se aplicam taxas normal e média de 37% e 30,3%, respetivamente)
corresponde ao anterior 4.º escalão (que se situava entre €18375 e €42 259, com
taxas normal e média de 35,5% e 28,586%);
― O atual 4.º escalão (rendimento coletável entre €40 000 e €80 000, ao
qual se aplicam taxas normal e média de 45% e 37,65%, respetivamente)
corresponde ao anteriores 5.º, 6.º e, em parte, 7.º escalões (que se situavam:
o 5.º escalão, entre €42 259 e €61 244, com taxas normal e média de 38% e
31,5040%; o 6.º escalão, entre €61 244 e €66 045, com taxas de 41,5% e
32,2310%; e o 7.º escalão, entre €66 045 e €153 300, com taxas de 43,5% e
38,6450%);
― O 5.º e último escalão (rendimento coletável superior a €80 000, ao
qual se aplica a taxa de 48%) corresponde aos anteriores 7.º (em parte) e 8.º
escalões (o 7.º escalão abrangia rendimentos coletáveis entre €66 045 e €153
300, com taxas de 43,5% e 38,6450%; e o 8.º escalão incluía os superiores a
€153 300, com uma taxa de 46,5%);
― A taxa adicional de solidariedade aplica-se ao rendimento coletável
incluído no último escalão e é de 2,5% nos rendimentos entre €80 000 e €250 000
e de 5% nos rendimentos superiores a €250 000 (enquanto que a anterior “taxa de
solidariedade” era de 2,5% e aplicava-se a rendimentos superiores a €153 300,
limite inferior do anterior 8.º escalão).
Do
exposto, forçoso é concluir que as alterações aos artigos 68.º e 68.º-A do
CIRS, operadas pela Lei n.º 66-B/2012, conduzem a um agravamento da carga
fiscal, resultante, quer da redução do número de escalões, quer do aumento das
taxas normais e médias aplicáveis a cada escalão. Como se lê no Relatório sobre
o Orçamento do Estado para 2013 (pág. 67), «tendo em conta as alterações
propostas estima-se, para o total da economia, que a taxa média de IRS aumente
dos atuais 9.8% para 11.8%, quando se considera apenas as alterações à
estrutura de escalões e taxas de IRS.» Aí se refere, também, que as «alterações
introduzidas na estrutura de taxas de IRS, embora contribuam para aumentar a
receita cobrada em sede de IRS, procuraram combinar, por um lado, a salvaguarda
das famílias de mais baixos rendimentos através da manutenção do mínimo de
existência, e por outro, aumentar a progressividade do imposto» e que «[e]mbora
as alterações propostas em sede de IRS tenham sido desenhadas de modo a
distribuir o esforço por uma parte significativa da população […] uma parte
muito significativa da carga fiscal está concentrada nos agregados de maior
rendimento, deste modo, os contribuintes situados dois últimos decis contribuem
com cerca de 86% do total de receita cobrada neste imposto» (págs. 65-66).
97.
Os requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 8/2013 consideram que
estas alterações aos escalões e taxas do IRS violam o princípio da
progressividade, em síntese, porque o respeito deste princípio não se
satisfaz com a mera existência de mais do que um escalão, e porque tal
alteração reduz a progressividade de forma incompatível com a Constituição.
A
questão da progressividade dos escalões do imposto sobre o rendimento pessoal
não foi, até à data, diretamente analisada pelo Tribunal Constitucional. No
acórdão n.º 399/2010, o Tribunal debruçou-se sobre duas alterações ao artigo
68.º, n.º 1, do CIRS (efetuadas pelas Leis n.ºs 11/2010 e 12-A/2010) que
introduziram um novo escalão e novas taxas no imposto sobre o rendimento
pessoal. No entanto, as questões de constitucionalidade aí tratadas em nada se
assemelham à que agora é colocada, pois naquele aresto esteve essencialmente em
causa a (ir)retroatividade de tais medidas.
No
caso em apreço, a única questão que é colocada pelos requerentes é a da
compatibilidade destas normas com o princípio da progressividade fiscal, pelo
que é esta a questão que será agora objeto de análise.
98.
O sistema fiscal, ou seja, o conjunto (articulado e integrado) dos impostos,
tem dois objetivos essenciais constitucionalmente definidos: a satisfação das
necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a
repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º, n.º 1, da
Constituição).
Ora,
como salientam Gomes Canotilho/Vital
Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I,
pág. 1089), esta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à
diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza
exige que o mesmo seja progressivo.
Essa
exigência está expressamente consagrada no âmbito da tributação do rendimento
pessoal. De acordo com o n.º 1 do artigo 104.º, o imposto sobre o rendimento
pessoal visa «a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo
em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar».
A
progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de
rendimentos seja mais do que proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando
aos contribuintes com maiores rendimentos uma taxa de imposto superior. Por
outras palavras, há progressividade quando o valor do imposto aumenta em
proporção superior ao incremento da matéria coletável.
A
progressividade é passível de mais do que uma justificação teórica. Numa certa
perspetiva, ela surge associada ao princípio da capacidade contributiva, à luz
da teoria marginalista, segundo a qual «o rendimento vale tanto menos
para o contribuinte quanto maior ele é» (cfr. autores citados em Sérgio Vasques, Capacidade
Contributiva, Rendimento e Património, Fiscalidade, Revista de Direito e
Gestão Fiscal, 23, julho-setembro 2005, Separata, págs. 15-45). Para os
defensores desta perspetiva, «o princípio da capacidade contributiva exige que
os contribuintes sejam tratados com igualdade e que os seus pagamentos
impliquem um sacrifício igual para cada um deles, resultando daí que a
tributação progressiva será mais justa que a proporcional, pois que o
sacrifício objetivo que é imposto pela tributação é tanto menor quanto maior
for o rendimento» (Sousa Franco, Finanças
Públicas e Direito Financeiro, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, pág. 195).
Ao
controlo de constitucionalidade interessa apenas um conceito normativo de
progressividade, ajustado às opções de valor que informam toda a Constituição.
99.
Progressividade é um conceito indeterminado, suscetível de graus muito
diversificados de concretização. E não é possível inferir do imperativo
constitucional o grau de amplitude que, em concreto. permita satisfazer o
requisito de progressividade exigível. Ainda que mais detalhada, em domínio
fiscal, do que muitas outras leis fundamentais, a Constituição portuguesa não
se pronuncia sobre o número de escalões nem sobre a grandeza das taxas
respetivas, questões que são deixadas à margem de apreciação
político-legislativa. Na verdade, o grau de progressividade, assim como o nível
de tributação, a carga fiscal ou a relação entre os diferentes impostos são
questões de “política fiscal” que é, ela própria, um instrumento de política
governamental (neste sentido, Gomes
Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 1102).
Mas
isso não significa que a Constituição não tenha estabelecido, nesta matéria, um
conjunto de vinculações objetivas, que condicionam intensamente a ordem
infraconstitucional e a liberdade do legislador ordinário, sobretudo quanto ao
imposto sobre o rendimento pessoal.
Como
contexto mais amplo (e também mais difuso) de referências valorativas, há a
reter que a ordem constitucional comete ao Estado, especificamente através da
política fiscal, a incumbência de operar as necessárias correções das
desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento (artigo 81.º, alínea
b)).
No
âmbito específico da “constituição fiscal”, estabelece-se a funcionalização do
sistema fiscal a uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza, a par da
satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas
(artigo 103.º, n.º 1).
Como
corolário, prescreve-se, no artigo 104.º, n.º 1, visando a “diminuição das
desigualdades”, a progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, tendo
em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
Numa
interpretação articulada do conjunto dos segmentos do disposto no artigo 104.º,
n.º 1, e integrada no contexto das opções constitucionais que enquadram esse regime,
impõe-se a conclusão de que a progressividade aí expressamente consagrada é “um
elemento intrínseco do Estado social configurado na Constituição” (assim, Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob.
cit., pág. 1089; Estabelecendo também uma ligação da progressividade ao
princípio do estado social, Casalta
Nabais, ob. cit., págs. 555-577).
100.
Tendo isso presente, é seguro que nem todos os modos e graus de concretização
de progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal satisfazem a exigência
constitucional. Esse elemento conformador dessa espécie de imposto é
estabelecido como forma de cumprimento, constitucionalmente vinculada, da
tarefa que cabe ao sistema fiscal, no seu conjunto, de promover uma justa
repartição dos rendimentos e da riqueza. Consequentemente, a Constituição exige
mais do que uma qualquer progressividade, exige uma progressividade com a
virtualidade intrínseca de contribuir para uma diminuição da desigualdade de
rendimentos.
Assim,
à luz da Constituição, não é possível validar um sistema de “progressividade
mínima”, traduzido na existência de uma taxa única, proporcional (flat tax),
associada à garantia da não tributação do rendimento correspondente ao mínimo
de existência. Como salienta Saldanha
Sanches (Manual de Direito Fiscal, pág. 237), o objetivo
constitucional da “repartição justa dos rendimentos” não é compatível com uma
progressividade mínima, pois a existência de um imposto de rendimento pessoal
que vise a “diminuição das desigualdades” implica «um grau mais elevado de progressividade
do que aquele que existe num sistema que, sem conter preocupações
redistributivas, se limita a não tributar os rendimentos mínimos».
No
caso em apreço, as alterações operadas pela Lei do Orçamento não são
reconduzíveis a uma situação de mera proporcionalidade ou sequer de progressão
mínima. O sistema continua a revelar suficiente sensibilidade à diferença de
níveis de rendimento para se poder concluir que a fração livre de imposto é
proporcionalmente mais elevada para os rendimentos mais baixos, com um
assinalável grau de progressão.
Na
verdade, o rendimento coletável continua a ser distinguido através da sua
distribuição por um número considerável de escalões (cinco), suficientemente
diferenciador de vários níveis de rendimento, aos quais são aplicáveis taxas
progressivas, ou seja, crescentemente mais elevadas à medida que aumenta a
matéria coletável (efeito que é acentuado pela existência de taxas normais e
taxas médias dentro de cada escalão, com exceção do último).
A redução
do número de escalões, ainda que associada a um aumento generalizado das taxas
correspondentemente aplicáveis, deixa ainda de pé uma taxação progressiva, da
qual não pode ser afirmado que se revela manifestamente inadequada a uma justa
repartição de rendimentos. É certo que a diminuição do número de escalões
coloca dentro do mesmo escalão rendimentos muito diferentes (há escalões em que
o limite mínimo do rendimento coletável é metade do seu limite máximo) e essa
diferença não será totalmente esbatida pela regra do n.º 2 do artigo 68.º que
determina a divisão do quantitativo do rendimento coletável em duas partes e a
correspondente aplicação de taxas diferenciadas: a taxa média (tendencialmente
mais baixa) a uma parte do rendimento e a taxa normal ao excedente.
No
entanto, ainda que as alterações aos escalões possam corresponder a uma certa
diminuição do grau de progressividade, ela não é, em si mesma,
inconstitucional. Concretamente, o número de escalões agora fixado (cinco), a existência
de taxas diferenciadas e progressivas para os diversos escalões e a existência
de duas taxas dentro de cada escalão (com exceção do primeiro), não permitem
concluir pela violação do princípio constitucionalmente estabelecido, pois,
ainda que o grau de progressividade tenha sido reduzido, essa redução situa-se
na margem de livre conformação da política fiscal. Só não o seria se da nova
configuração se pudesse afirmar – o que não é o caso – que ela ostensivamente
não contribui para a repartição justa dos rendimentos.
101.
O mesmo se diga relativamente à “taxa adicional de solidariedade”
consagrada no artigo 68.º-A do CIRS. Esta corresponde a uma verdadeira “taxa
adicional”, na medida em que “apenas” eleva a taxa aplicável ao último escalão,
sendo certo que, com a alteração operada pela Lei do Orçamento, tal aumento é
agora dotado de maior progressividade, nos termos acima referidos. Acresce que,
contrariamente à alteração operada ao artigo 68.º, a manutenção de uma “taxa
adicional de solidariedade” não pode deixar de se entender como limitada ao ano
orçamental em curso, atenta a natureza extraordinária da medida em causa.
Por
isso e também pelas razões já aduzidas a propósito da alteração da estrutura
dos escalões e das taxas gerais previstas no artigo 68.º, não se afigura que a
referida taxa adicional de solidariedade se apresente desconforme à
Constituição.
Pelo
exposto, o Tribunal pronuncia-se pela não inconstitucionalidade da norma do
artigo 186.º da Lei do Orçamento de Estado para 2012, na parte em que alterou
os artigos 68.º e 68.º-A do CIRS.
2.
Redução das deduções à coleta (artigos 78.º e 85.º CIRS)
102.
As alterações operadas pela Lei do Orçamento do Estado para 2013 aos artigos
78.º e 85.º do CIRS, que os requerentes questionam, consubstanciam uma redução
dos limites estabelecidos para as deduções à coleta relativas a despesas de
saúde, de educação e formação, respeitantes a pensões de alimentos, encargos
com lares e com imóveis e equipamentos novos de energias renováveis (78.º, n.ºs
7 e 8), bem como na redução do montante dos encargos com imóveis que são
suscetíveis de dedução à coleta (85.º, n.º 1, alíneas a) a d)).
A
revisão dos limites globais progressivos para as deduções à coleta (e para os
benefícios fiscais) é apresentada, no Relatório do OE2013 (pág. 60), como uma
medida fiscal do lado do aumento da receita, assim sumariada: «[s]ão, também,
ajustados os limites globais progressivos para as deduções à coleta e para os
benefícios fiscais, tendo em conta a nova tabela dos escalões do IRS,
salvaguardando-se, contudo, os contribuintes do primeiro escalão (isentos da
aplicação de qualquer limite ou teto máximo), o caso das pessoas com
deficiência, bem como o princípio da proteção fiscal da família através da
atribuição de uma majoração da dedução fiscal personalizante em função do
número de filhos.»
Invocam
os requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 8/2013, que as
alterações no regime das deduções à coleta – na medida em que eliminam deduções
ou que as colocam em patamares efetivamente simbólicos – não têm em conta as
necessidades dos agregados familiares nem a real capacidade contributiva das
famílias. Mais alegam, citando o acórdão n.º 84/2003, que o princípio da
capacidade contributiva, não sendo irrelevante como parâmetro de aferição da
constitucionalidade das normas de natureza fiscal, exprime e concretiza o
princípio da igualdade fiscal na sua vertente de uniformidade – o dever de
todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – critério esse em que a incidência
e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica de
cada um.
103.
A questão que o Tribunal é chamado a resolver é a de saber se a redução ou
eliminação da possibilidade de se efetuar deduções à coleta em sede de imposto
sobre o rendimento das pessoas singulares é compatível com o princípio da
capacidade contributiva (enquanto decorrência do princípio da igualdade fiscal)
e com o princípio da consideração fiscal da família.
O
problema não pode ser resolvido sem antes se esclarecerem devidamente os
elementos que têm que ser postos em confronto: por um lado, determinar o
alcance das normas questionadas, o que implica perceber qual o papel das
“deduções à coleta”, no âmbito do IRS; por outro lado, esclarecer o
posicionamento dos invocados princípios no plano constitucional, a fim de
determinar o respetivo alcance paramétrico.
Para
melhor compreender a função fiscal das “deduções à coleta”, importa relembrar
como se apura o imposto em sede de IRS: ao rendimento bruto de cada categoria
de rendimentos começam por ser feitos abatimentos automáticos, consoante a
origem dos rendimentos, que são as denominadas “deduções específicas” (no caso
dos rendimentos da categoria A, estão previstas nos artigos 25.º a 27.º do
CIRS), obtendo-se o rendimento líquido de cada categoria que, depois de somado
(englobamento), conduz ao “rendimento global líquido” que, após “dedução de
perdas”, corresponde ao “rendimento coletável” (matéria coletável). Ao
rendimento coletável apurado aplica-se a taxa do imposto (e o quociente
conjugal, quando aplicável), assim se chegando (desde que salvaguardado o
“mínimo de existência”, nos termos do artigo 70.º do CIRS) ao montante da
coleta. É sobre esta que são feitas as deduções à coleta que, uma vez
subtraídas, determinam o montante do imposto a pagar ou a receber.
Esta
esquematização evidencia que, contrariamente às entretanto eliminadas “deduções
à matéria coletável”, as atuais “deduções à coleta” não têm qualquer influência
na determinação da taxa de imposto aplicável, pois não contribuem para diminuir
o quantum sujeito a tributação, que vai determinar o escalão
contributivo e a respetiva taxa. Como vimos, as deduções à coleta são efetuadas
sobre o montante de imposto já apurado através da aplicação da taxa ao rendimento
coletável.
A
alteração (ocorrida em 1999) de considerar determinadas despesas como “deduções
à coleta” (abatimentos ao próprio imposto) em vez de permitir que
influenciassem a determinação do rendimento coletável através da anterior
técnica das “deduções à matéria coletável” visou favorecer os sujeitos passivos
com rendimento mais baixos em relação aos que têm rendimentos mais elevados. Na
verdade, a conjugação do regime dos abatimentos (à matéria coletável) com as
taxas progressivas, tende a resultar num maior benefício para os sujeitos com
rendimentos mais elevados e a ser mais penalizador para os sujeitos passivos de
baixos rendimentos, pois as deduções no cálculo da matéria coletável irão
determinar o escalão em que se insere o sujeito passivo e a correspondente
taxa, sendo que a redução do escalão corresponde a uma maior poupança para
aqueles do que para estes (Saldanha
Sanches, ob. cit., pág. 334).
No
regime atual, as deduções à coleta abrangem, nomeadamente: a) as chamadas
“deduções pessoais” (previstas no artigo 79.º CIRS), que correspondem a
percentagens do valor do IAS, por cada sujeito passivo e por cada dependente,
afilhado civil ou ascendente; b) as despesas, até determinado limite,
designadamente, com a saúde, educação e habitação (artigos 78.º e 85.º, aqui
questionados); c) determinados benefícios fiscais, tais como os
relacionados com aplicações com planos poupança-reforma, prémios de seguro que
cubram exclusivamente riscos de saúde e donativos (artigos 21.º, n.º 2, 74.º e
63.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais).
A
soma das deduções à coleta previstas nos artigos 82.º, 83.º, 83.º-A, 84.º e
85.º (despesas com saúde, educação, pensões alimentos, lares e imóveis) não
pode exceder os limites constantes da tabela do n.º 7 do artigo 78.º Por seu
turno, a soma dos benefícios fiscais dedutíveis à coleta não pode exceder os
limites constantes da tabela do n.º 2 do artigo 88.º do CIRS.
No
caso em apreço, relembre-se, apenas estão em causa os limites das deduções à
coleta aplicáveis à soma das deduções motivadas por despesas relacionadas com
saúde, educação, pensões de alimentos, lares e imóveis (artigo 78.º, n.º 7, do
CIRS) e, quando a estes últimos, também os limites dos montantes dedutíveis com
encargos com imóveis (artigo 85.º, n.º 1).
Note-se
que o atual conjunto das deduções à coleta não obedece a um critério orientador
uniforme, antes corresponde ao acolhimento, pelo legislador ordinário, de
situações muito diversas, cujo elemento comum é apenas o facto de constituírem
despesas do sujeito passivo. Assim, as diferentes deduções à coleta têm
um fundamento substantivo variável, dependente do tipo de despesas que são
eleitas como dedutíveis.
No
que aqui mais interessa, a consideração, como deduções à coleta, de certos
encargos com a saúde, educação, lares ou habitação, reflete a perda da
capacidade contributiva ligada a estas despesas. Isto é, estamos perante
deduções pessoais ligadas à redução da capacidade contributiva que são usadas
para determinar o rendimento líquido subjetivo. E que por isso têm de ser
qualificadas como deduções pessoais ou abatimentos em sentido próprio – como
formas de quantificação do imposto – e que conduzem à sua efetiva personalização
(idem, pág. 335).
104.
O princípio da capacidade contributiva representa uma certa conceção do sistema
fiscal segundo a qual “cada contribuinte deve pagar na medida da sua
capacidade”, opondo-se, assim, a uma conceção em função do princípio do
benefício, que determinaria o dever de “cada um pagar na medida dos benefícios
que recebe do Estado”.
Sendo
certo que a Constituição não se refere expressamente ao princípio da capacidade
contributiva, existe uma consistente construção doutrinária e jurisprudencial
em torno desse conceito.
Sousa Franco (Finanças
Públicas e Direito Financeiro, vol. II, citado, págs. 186-187), é
perentório na afirmação de que a capacidade contributiva está subjacente à
Constituição fiscal, extraindo-se da «forte personalização do imposto sobre o
rendimento, com a consideração da situação do agregado familiar, fator que
parece ser essencial – mas não único – para que se possa considerar que um
sistema leva efetivamente em conta as faculdades contributivas». Saldanha Sanches (ob. cit., pág.
227), analisando a estrutura do sistema fiscal português que resulta dos
artigos 103.º e 104.º da Constituição, conclui haver uma «definição indireta da
capacidade contributiva como princípio estruturante do sistema através da
tributação do rendimento». Casalta Nabais
(ob. cit., págs. 445 e segs.) afirma que o princípio da
capacidade contributiva extrai-se do princípio da igualdade, estabelecido no
artigo 13.º da Constituição. Também Sérgio
Vasques (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2011, pág. 251),
considera que o princípio da capacidade contributiva representa «o critério
material de igualdade adequado aos impostos».
O
Tribunal Constitucional, debruçando-se sobre um conjunto de normas da Lei Geral
Tributária respeitante à avaliação indireta da matéria coletável, através de
“métodos indiciários” ou de “presunções”, começou por afirmar que o princípio
da capacidade contributiva não tem expressa consagração constitucional,
sublinhando a dificuldade em «retirar consequências jurídicas muito líquidas e
seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de
inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo
legislador fiscal», concluindo-se que, no caso aí em apreço, o princípio da
capacidade contributiva não era sequer “parâmetro constitucional relevante”
(acórdão n.º 84/2003).
Mas
foi mais afirmativo em jurisprudência posterior. Reportando-se à
admissibilidade constitucional de normas que estabelecem presunções em matéria
tributária, veio a acolher o entendimento de que a capacidade contributiva,
apesar da sua não consagração expressa na Constituição, mais não será do que «a
expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido
material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto» (cfr.
acórdãos n.ºs 211/2003, 452/2003 e 601/2004).
É,
assim, de reafirmar que o princípio da capacidade contributiva está
implicitamente consagrado na Constituição, enquanto corolário tributário dos
princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o
legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista
as capacidades contributivas de cada um.
A
proposição mais elementar que flui do princípio da capacidade contributiva
respeita ao modo de organizar a tributação, que, deverá necessariamente ser
orientada para a seleção de fatos tributários que revelem a maior ou menor
capacidade contributiva do sujeito, apontando-se, desde logo, o imposto sobre o
rendimento, como o mais apto a espelhar a força económica dos contribuintes. Mas,
como nota Saldanha Sanches (ob.
cit., pág. 228), o princípio da capacidade contributiva padece de uma
relativa “indeterminabilidade estrutural”, que coloca problemas na sua
aplicação, quando confrontado com uma concreta solução legislativa. Essa indeterminação
resulta do fato de, por um lado, o conceito de capacidade contributiva não
caber numa definição exata e precisa, mas corresponder a um princípio ordenador
do ordenamento jurídico tributário.
105.
Das várias implicações inerentes à consideração da capacidade contributiva como
critério estruturante do sistema fiscal, interessam agora, apenas, as que se
relacionam com a necessidade de o imposto sobre o rendimento pessoal dever ter
em conta «as necessidades e os rendimentos do agregado familiar» ― como expressamente se lê no n.º 1 do artigo 104.º da
Constituição. Neste ponto, em particular, o conceito de capacidade contributiva
associa-se à ideia de “personalização” do imposto, bem como à necessidade de
considerar fiscalmente o agregado familiar.
A
especificação constitucional que manda atender às necessidades e rendimentos do
agregado familiar deve ser entendida como um comando para o legislador
ordinário, que este está obrigado a respeitar na estruturação do imposto sobre
o rendimento das pessoas singulares, mas cujas implicações concretas, nos
vários aspetos do respetivo regime, cabe ao legislador definir, desde que não
ponha em causa o conteúdo essencial daquele comando constitucional (Casalta Nabais, ob. cit.,
pág. 530).
Concretamente,
em matéria de deduções (objetivas e subjetivas) em sede de IRS, o legislador
não pode deixar de ter uma ampla margem de apreciação, como tem sido
reconhecido pela jurisprudência constitucional. Como se salientou no acórdão
n.º 173/2005, a respeito de “deduções específicas” (deduções objetivas, que
correspondem a despesas indispensáveis à formação do rendimento), «matérias
como a dos limites a deduções, sobretudo para rendimentos relativamente
elevados, não podem considerar-se, à partida, como tipicamente merecedoras de
uma estabilidade tal que as torne imunes a alterações, ou, mesmo, que possam
fundar uma confiança digna de proteção na manutenção do respetivo regime».
106.
O alcance das alterações questionadas, no caso vertente, é mais percetível se atentarmos
na tabela constante do n.º 7 do artigo 78.º e confrontarmos a atual redação com
que lhe tinha sido conferida pela Lei do Orçamento de Estado para 2012. Resulta
dessa comparação que os limites para as reduções à coleta foram modificados nos
seguintes termos:
― No escalão de rendimento coletável até €7000 (correspondente aos
anteriores dois primeiros escalões, cujo limite superior era €7410), continuam
a admitir-se deduções “sem limite”;
― No escalão de mais de €7000 até €20000, o limite é de €1250 (idêntico
ao que vigorava para o anterior escalão de mais de €7410 até €18 375);
― No escalão de mais de €20 000 até €40 000, o limite foi reduzido para
€ 1000 (no anterior escalão de mais de €18 375 até €42 259, o limite era de €1
200);
― No escalão de mais de €40 000 até €80 000, o limite foi estabelecido
em €500 (quando anteriormente o escalão entre €42 259 até €61 244 tinha um
limite de €1 150; e o escalão entre €61 244 até €66 045 tinha um limite de €1
100);
― No último escalão, superior a €80 000, não há lugar a deduções (no
regime anterior a inexistência de deduções começava no escalão de mais de €66
045).
Nos
termos do n.º 8 do artigo 78.º, estes limites continuam a ser majorados em 10%
por cada dependente ou afilhado civil que não seja sujeito passivo de IRS nos
escalões com rendimento coletável entre €7 000 e €80 000 (anteriormente, esta
majoração abrangia rendimentos coletáveis entre €7 410 e €66 045).
No
que respeita às deduções dos encargos com imóveis (artigo 85.º) – que, relembre-se,
devem ser somadas às demais deduções e, em qualquer caso, não podem exceder os
limites globais constantes da citada tabela do n.º 7 do artigo 78.º – os
limites baixaram de €591 para €296, quanto a importâncias relativas a juros de
dívidas, prestações e rendas por contrato de locação financeira (alíneas a), b)
e c) do n.º 1 do artigo 85.º) e de €591 para €502, quanto a importâncias
suportadas a título de renda, (alínea d) do n.º 1 do artigo 85.º).
Os
escalões de rendimento coletável para efeito dos limites de deduções à coleta
correspondem àqueles que se encontram definidos no artigo 68º para determinação
da taxa aplicável ao imposto. E, assim, a redefinição dos limites às deduções
resulta, em certa medida, da necessidade de adaptação à nova estrutura de
escalões, que foi reduzida de sete para cinco níveis por efeito da alteração
introduzida àquele preceito. Nos escalões intermédios, que situam logo acima do
limiar em que não há restrição para as deduções, a alteração não é
significativa. A redução dos limites das deduções é mais expressiva no atual
4.º escalão (rendimento coletável de mais de €40 000 até €80 000), pois o
limite baixou para menos de metade (de €1 150 e € 1 100 passou para €500),
embora a faixa superior deste escalão tenha passado a beneficiar da
possibilidade de efetuar deduções (e da citada majoração por existência de
dependentes ou afilhados civis), que anteriormente lhe estava vedada
(rendimentos coletáveis entre €66 045 e €80 000). A exclusão de qualquer
dedução, que operava, no regime precedente, a partir de rendimentos superiores
a €66 045 (abrangendo os antigos 7º e 8º escalões), verifica-se agora a partir
de rendimento superiores a €80 000, a que corresponde atualmente o último
escalão.
Em
geral, estas alterações correspondem a uma diminuição dos descontos que cada
sujeito passivo está autorizado a fazer ao imposto, embora tenha subido - como
se referiu -, o limite do rendimento coletável a partir do qual não há lugar a
deduções à coleta.
107.
O maior grau de problematicidade quanto à conformidade constitucional do novo
regime situa-se precisamente na redução substancial do limite das deduções à
coleta nas situações em que o rendimento coletável oscila entre €40 000 até €80
000 e na total eliminação da possibilidade de dedução nos casos em que esse
rendimento vai além deste último valor.
Há
aqui objetivamente uma desconsideração da capacidade contributiva e do critério
de tributação segundo as necessidades do agregado familiar, que tem como
necessária consequência um agravamento do imposto a pagar por parte dos
titulares de rendimentos mais elevados, contribuindo para diminuir o grau de
personalização do imposto.
Não
pode ignorar-se, em todo o caso, que as limitações às deduções à coleta
operadas pela Lei do Orçamento do Estado de 2013 ocorrem num contexto de
aumento generalizado da carga fiscal, em que um maior esforço de participação
na satisfação os encargos públicos é exigido a todas as categorias de
contribuintes a partir de um rendimento mínimo tributável.
Neste
condicionalismo, pode entender-se que a adoção de soluções legislativas mais
exigentes em relação a titulares de rendimentos mais elevados, no que se refere
à dedução de despesas com a satisfação de necessidades básicas, como as de
saúde, educação ou habitação – que esses contribuintes, em princípio, sempre
estarão em condições de suportar -, pode ainda manter-se dentro dos critérios
da constituição fiscal.
Um
juízo de inadmissibilidade constitucional poderá colocar-se se entender que o
princípio da capacidade contributiva impõe ao legislador infraconstitucional a
previsão de deduções subjetivas, de forma a que o rendimento para a satisfação
de necessidades básicas seja encarado como rendimento vinculado que o
contribuinte não tem liberdade para o empregar de outro modo.
No
entanto, e uma vez que – como se concluiu - o princípio da capacidade
contributiva surge como um critério ordenador do sistema fiscal, que não
fornece uma resposta precisa sobre quantum das deduções e os seus
limites, não parece possível seguir essa outra via, e não pode deixar de
enquadrar-se a opção consubstanciada nas alterações aos artigos 78.º e 85.º do
CIRS dentro da margem de liberdade de conformação do legislador.
L.
Sobretaxa em sede de IRS (artigo 187.º)
108.
Os requerentes no Processo n.º 8/2013 invocam a inconstitucionalidade da norma
do artigo 187º da Lei do Orçamento do Estado para 2013, que cria uma sobretaxa
em sede de IRS, alegando, em síntese - para além da violação do caso
julgado, que se já analisou antecedentemente -, que essa norma institui um novo
imposto sobre o rendimento, sujeito a regras de retenção na fonte diversas das
previstas para o IRS, e que, incidindo na proporção de 3,5% sobre todos os
rendimentos, não respeita o princípio da unidade e da progressividade do
imposto sobre o rendimento.
O
citado artigo 187.º estabelece uma “sobretaxa em sede do IRS” de 3,5% que, na
parte que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima
mensal garantida (€485x14 = €6790), incide sobre o rendimento coletável,
englobado nos termos do artigo 22.º do CIRS (ou seja, sobre o rendimento que
resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada
ano, depois de feitas as deduções específicas), acrescido dos rendimentos sujeitos
às taxas especiais constantes do artigo 72.º, n.ºs 3, 6, 11 e 12 (rendimentos
provenientes de gratificações, auferidos em atividades de “elevado valor
acrescentado”, acréscimos patrimoniais não justificados e rendimentos de
capitais devidos por entidades sedeadas fora de Portugal, em território sujeito
a regime fiscal claramente mais favorável).
Ao
montante do imposto devido a título de “sobretaxa” serão deduzidos os montantes
referidos no n.º 2 do artigo 187.º: 2,5% do valor da retribuição mínima mensal
garantida (€485x2,5% = €12,125) por cada dependente ou afilhado civil que não
seja sujeito passivo de IRS e as importâncias retidas a título de retenção na
fonte que, quando superiores à sobretaxa devida, conferem direito ao reembolso
da diferença.
Do
exposto resulta que a “sobretaxa em sede do IRS” está associada a este imposto,
na medida em que incide sobre rendimentos apurados segundo regras do IRS
(rendimento líquido englobado acrescido de determinados rendimentos sujeitos a
taxas especiais), aplicando-se-lhe também as regras de liquidação e pagamento
do IRS. No entanto, a referida “sobretaxa” apresenta elementos dissonantes das
regras gerais do IRS:
― Tem uma taxa fixa (em vez de se lhe aplicarem as taxas gerais
progressivas previstas no artigo 68.º do CIRS);
― É sujeita a um regime próprio de retenção na fonte (n.º 5 do artigo
187.º);
― Tem deduções à coleta próprias, quer quanto ao tipo de despesas
atendíveis quer quanto aos seus limites (n.º 2 do artigo 187.º), distintas das
previstas nos artigos 78.º e segs. do CIRS.
109.
A obtenção de receita fiscal adicional, através do lançamento de uma sobretaxa
extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS, já ocorreu em 2011, em
plena execução orçamental, tendo sido politicamente fundamentada nas exigências
de cumprimento do défice estabelecido para esse ano, no âmbito do PAEF,
acordado com as instituições europeias e com FMI. Para esse efeito, a Lei n.º
49/2011, de 7 de setembro, veio estabelecer uma sobretaxa extraordinária de
3,5% para vigorar apenas no ano fiscal de 2011 (n.º 3 do artigo 2.º da citada
Lei). Não obstante a transitoriedade da medida, ela foi consagrada através de
um aditamento de duas normas ao CIRS (artigos 72.º-A e 99.º-A), cuja vigência
entretanto caducou.
Na
Lei do Orçamento do Estado para 2013, agora questionada, optou-se por técnica
legislativa diversa: a sobretaxa em sede do IRS é agora consagrada, não em
aditamento ao CIRS, mas em norma da própria lei do orçamento (artigo 187.º),
sem que se faça qualquer referência à sua vigência temporal.
Não
pode, no entanto, haver dúvida quanto ao caráter não permanente desta
sobretaxa. É certo que o artigo 187.º não constitui uma mera discriminação de
receitas e despesas do Estado, como é típico das normas com natureza especificamente
orçamental. No entanto, como se salientou no acórdão n.º 396/2011, sobre norma
diversa que colocava problema idêntico, estas são normas que «não podem ser
consideradas cavaliers budgétaires, pois apresentam uma imediata
incidência financeira, já que visam diretamente reduzir o valor das despesas
[neste caso, aumentar as receitas] inscritas no orçamento para o ano a que
respeita. Não pode, assim, sustentar-se que elas regulam matéria alheia à
função específica e mais estrita do orçamento, enquanto instrumento de
programação anual económico-financeira da atividade do Estado. Pelo contrário.
Dando suporte normativo a uma dada previsão de despesas, e sendo a sua
aplicação indispensável à sua correta execução, elas repercutem-se diretamente
no próprio quadro contabilístico do orçamento, integrando-se substancialmente
neste diploma, como sua componente essencial. E nisso parece esgotar-se a sua
eficácia, pois não se projetam, com independência, para fora da aprovação e
execução do Orçamento do Estado.»
Forçoso
é, por isso, concluir que a sobretaxa em sede do IRS vertida no sobredito
artigo 187.º constitui uma medida de caráter orçamental que, por força da regra
do n.º 1 do artigo 106.º da Constituição, não pode gozar de vigência que não
seja anual.
110.
As questões de constitucionalidade que vêm entretanto suscitadas respeitam a
saber se a sobretaxa é suscetível de violar os princípios da unidade e da
progressividade do imposto sobre o rendimento, como tal consagrados no artigo
104º, n.º 1, da Constituição.
Para
uma resposta afirmativa, quanto ao primeiro desses princípios, poderia
concorrer a circunstância de a sobretaxa poder ser caracterizada como um
imposto extraordinário ou um adicional extraordinário a um imposto,
qualificação que foi, aliás, seguida no acórdão n.º 412/2012, a respeito da
sobretaxa extraordinária de 2011 (ainda que se apreciasse aí apenas a validade
constitucional da norma do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, na parte em
que fazia reverter integralmente a receita da sobretaxa para o Orçamento de
Estado).
No
entanto, e apesar de poder aceitar-se essa qualificação, não é evidente que
implique uma violação ao princípio da unidade do imposto.
Deve
começar por dizer-se, a este propósito, que o princípio acolhido no citado artigo
104.º, n.º 1, da Constituição, levaria, no seu alcance máximo, à consagração de
um “imposto único” que, englobando todos os rendimentos pessoais, submetesse
essa base tributária a um regime unitário, a taxas iguais e progressivas, sem
quaisquer distinções entre os diferentes tipos de rendimentos.
A
unidade do imposto sobre o rendimento pessoal foi inscrita logo na versão
originária da Constituição de 1976 (no então artigo 107.º), num contexto em que
o sistema de impostos pré-constitucional assentava numa tributação parcelar
(cedular) dos rendimentos, consoante a respetiva natureza (v.g.
contribuição predial, industrial, imposto profissional) a que, mais tarde, foi
adicionado um imposto complementar. Apesar do comando constitucional, o sistema
cedular de tributação e a sua substituição pelo atual imposto sobre o
rendimento das pessoas singulares só ocorreu com a reforma do sistema fiscal de
1984-1988, cujos objetivos foram assumidamente os da equidade, eficiência e
simplicidade do sistema fiscal. E, ainda assim, essa reforma não atingiu
plenamente a ideia da unidade do imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares: em sede de IRS mantêm-se, ainda hoje, diversos elementos de sentido
contrário, designadamente, a utilização de várias categorias de rendimentos e,
mais intensamente, a existência de taxas liberatórias para certas categorias de
rendimentos.
Tendo
isso presente, e a realidade pré-constitucional que a regra visou, em primeira
linha, contrariar, ganha consistência a ideia de que é sobretudo a fragmentação
de rendimentos pessoais, de acordo com as suas distintas fontes, e não tanto,
como resulta da sobretaxa, a sobreposição de uma taxa suplementar às taxas já
incidentes sobre um valor global de todo o rendimento pessoal,
compreensivamente calculado, que põe em causa a observância da unidade.
Considerando
a concentração de todos os rendimentos pessoais numa única base de incidência
tributária como a dimensão essencial da regra constitucional da unidade, esta
não é afetada, no fundamental, pelo regime da sobretaxa, não obstante as
especificidades que ele apresenta, em relação ao do IRS. Os elementos
dissonantes, incidindo aliás, em parte, sobre aspetos secundários, de pura
“execção, como é a forma de liquidação, mais não representam do que uma
acomodação (transitória) do sistema de imposto sobre o rendimento pessoal a
interesses públicos relevantes. Essa iniciativa está incluída na margem de
conformação que não pode deixar de caber ao legislador infraconstitucional, na
medida em que a resposta normativa adequada a situações de grave dificuldade
financeira do Estado exige juízos e ponderações que são próprios da função
político-legislativa. E a resposta mantém-se dentro dos limites do
constitucionalmente admissível, desde que não comprometa os valores,
constitucionalmente tutelados, de igualdade e justiça fiscal, que incumbe à
forma de tributação do rendimento pessoal contribuir para realizar, também
através da regra da unidade.
111.
Uma outra questão que se coloca é a de saber se a sobretaxa preenche o
requisito da progressividade do imposto sobre o rendimento.
É
sabido que a sobretaxa tem uma taxa fixa de 3,5%, que incide sobre os
rendimentos que excedam, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição
mínima mensal garantida. Estamos assim perante um tributo que se afasta da
lógica de progressividade que inspira o artigo 68º do Código do IRS, na medida
em que pressupõe a aplicação de uma mesma taxa aos rendimentos cobertos pelo
respetivo âmbito de incidência, independentemente dos montantes que, em cada
caso, possam estar em causa. Não é possível, no entanto, afirmar que essa é uma
taxa meramente proporcional. Estabelecendo a lei uma isenção até ao limite do
valor anual da retribuição mínima mensal garantida, a subtração desse valor ao
rendimento coletável, para efeito do cálculo da receita a cobrar, confere à
sobretaxa um mínimo de progressividade, no ponto em que a coleta aumenta, não
apenas em função da grandeza dos rendimentos tributados, mas também em razão da
maior diferença do valor do rendimento por referência à remuneração mínima
garantida.
Contudo,
o ponto que parece ser decisivo, e que resulta da conclusão a que já antes se
chegou quanto à regra da unidade, é que a consideração conjunta da sobretaxa e
do IRS e ao seu efeito agregado sobre a esfera patrimonial dos contribuintes,
mantém, na globalidade do sistema, um suficiente índice progressividade. Ou
seja, uma sobretaxa de taxa única conduz, sem dúvida, a uma progressividade em
menor grau do imposto sobre o rendimento pessoal do que a que resultaria se a
sobretaxa estivesse submetida a taxas marginais progressivas. Mas ela está
ainda dentro da margem de liberdade do legislador fiscal, pois não se mostra
manifestamente ofensiva da progressividade constitucionalmente exigida.
Foi essa também a solução a que se chegou no acórdão
n.º 11/83, que se pronunciou, ainda que num contexto normativo diverso, sobre a
constitucionalidade de um imposto extraordinário sobre os rendimentos, em que
se tomou em linha de conta que, ainda que as taxas
previstas não respeitem o princípio da progressividade, a tributação do
rendimento pessoal não deixa de continuar a ser sujeita a uma taxa progressiva,
por efeito das taxas fixadas na lei fiscal para outros impostos sobre o
rendimento.
É
de concluir que a criação de “sobretaxa em sede de IRS”, com natureza
excecional e transitória, destinada a dar resposta a necessidades de finanças
públicas extraordinárias, não contende com as regras da progressividade e da
unidade na tributação do rendimento pessoal, estabelecidas no artigo 104.º, n.º
1, da Constituição da República.
M.
Apreciação conjunta dos efeitos dos artigos 186.º e 187.º
112.
Os requerentes do pedido que deu origem ao Processo n.º 8/2013 pedem, por
último, a fiscalização da constitucionalidade da norma do artigo 186.º da Lei
do Orçamento do Estado para 2013 (na parte em que altera os artigos 68.º, 71.º,
72.º, 78.º, 85.º e adita o artigo 68.º-A ao Código do IRS), bem como do seu
artigo 187.º, reputando como inconstitucional a diferença de tratamento fiscal
dispensada, por um lado aos rendimentos provenientes do trabalho e das pensões
e, por outro, à tributação dos rendimentos do capital e, concretamente, na
parte em que aqueles são sujeitos a taxas que podem ser superiores a 50% e
estes ficam sujeitos à taxa liberatória única de 28% (quanto aos rendimentos
obtidos em território português).
Entendem
os requerentes que esta diferença de tratamento viola os artigos 13.º e 104.º
da Constituição, enquanto contraria os princípios da igualdade na repartição
dos encargos públicos, e o princípio da justiça fiscal, e que, além disso, é
violadora do caso julgado formado pelo acórdão n.º 353/2012, visto que é
manifesta a falta de equidade na repartição dos sacrifícios entre os
rendimentos do trabalho e os rendimentos provenientes de outras fontes.
A
dúvida que se suscita prende-se com o exato sentido da alusão ao regime das
taxas liberatórias e à integração sistemática que melhor lhe cabe, se na
fundamentação, se no objeto do pedido.
Na lógica
de todo o discurso argumentativo e da posição dos requerentes quanto ao
agravamento da carga fiscal, parece seguro que não se pretende contestar,
contrariamente ao teor literal do pedido, o artigo 186.º na parte em que altera
os artigos 71.º e 72.º, ou seja, a subida de taxas a que generalizadamente os
rendimentos tributáveis a essas taxas ficam sujeitos. Mas já é muito duvidoso
se faz parte do objeto do pedido a impugnação desse regime, em si mesmo.
A
verdade é que os requerentes não formulam nenhum pedido no sentido de ser
apreciada a inconstitucionalidade dos citados artigos 71.º e 72.º, enquanto
normas que acolhem taxas liberatórias para a tributação dos rendimentos aí
discriminados. Apenas aludem a esse regime para estabelecerem o confronto entre
os “níveis confiscatórios”, que atinge a taxa máxima de IRS, e a taxa
liberatória. Ou seja, em sede do princípio da igualdade e da justiça fiscal,
utilizam o tratamento que é dispensado aos rendimentos do capital tributáveis
por aquelas taxas como ponto de comparação, para evidenciarem a inequidade das
taxas a que ficam sujeitos os rendimentos do trabalho e das pensões.
Parece,
deste modo, ser mais consistente com o sentido do pedido considerar que à
referência ao regime das taxas liberatórias é atribuído um papel apenas
fundamentador da conclusão que se quer tirar quanto à injustiça da taxação dos
rendimentos do trabalho. É no plano argumentativo, para enfatizar a “manifesta
falta de equidade na repartição dos sacrifícios entre os rendimentos do trabalho
e os rendimentos provenientes de outras fontes”, que se situa a referência aos
rendimentos sujeitos a taxa liberatória.
Assim,
em obediência ao princípio do pedido, o Tribunal considera, no âmbito do
presente processo, que não constitui objeto do processo a matéria da
constitucionalidade dos artigos 71.º e 72.º do CIRS, na medida em que neles se
estabelecem taxas liberatórias para a tributação de determinados rendimentos.
113.
A questão de constitucionalidade que cumpre decidir, nesta parte, é a de saber
se é compatível com a Constituição, concretamente, com o princípio da igualdade
na repartição dos encargos públicos e com o princípio da justiça fiscal, que o
legislador estabeleça taxas aplicáveis à tributação do rendimento proveniente
do trabalho e de pensões que podem ser superiores a 50%, enquanto que, no que
respeita à tributação dos rendimentos de capital, lhes aplica uma taxa única de
28%.
Ou
seja, o problema é o de saber se é constitucionalmente admissível a medida
da diferença da carga fiscal que subjaz ao tratamento diferenciado (quanto
às taxas aplicáveis) dos rendimentos abrangidos pela incidência normal do IRS,
por um lado, e dos rendimentos sujeitos a taxas liberatórias ou especiais, por
outro.
Para
poder dar resposta cabal à questão colocada, o Tribunal teria primeiro que
estabelecer os pontos de comparação entre as diferenças de tributação dos
vários rendimentos sujeitos a IRS, para depois encontrar a medida dessa
diferença e finalmente, confrontá-la com o princípio da igualdade na repartição
dos encargos públicos e com o princípio da justiça fiscal.
Ora,
o universo de rendimentos abrangidos pelas taxas liberatórias e especiais dos
artigos 71.º e 72.º do CIRS é tão variado, na natureza e origem desses
rendimentos e nas razões eventualmente subjacentes à sua inclusão nessa sede,
que não permite agrupar tais realidades num único conjunto para depois o pôr em
confronto com os rendimentos, nomeadamente do trabalho e das pensões, que estão
sujeitos a englobamento obrigatório e às taxas gerais do artigo 68.º do CIRS.
Desde
logo, não é possível incluir nesta comparação os rendimentos auferidos por não
residentes em território português, a que se reportam vários números dos
artigos 71.º e 72.º, nem os rendimentos devidos por entidades que não tenham
aqui domicílio (artigo 72.º, n.º 2), pois a tributação destas realidades não é
fiscalmente comparável com a tributação dos rendimentos de trabalho e pensões
obtidos em território nacional, por sujeitos aqui residentes.
Da
mesma forma, não se afigura que os requerentes pretendam aqui questionar o
tratamento diferenciado dado, por exemplo, às gratificações auferidas em razão
da prestação de trabalho (artigo 72.º, n.º 3), nem pode concluir-se, sem mais,
que o pretendam fazer quanto à tributação autónoma dos rendimentos prediais
(artigo 72.º, n.º 7), pois omitem totalmente essa realidade.
Do
quadro excessivamente impreciso que os requerentes traçam, resulta apenas a
ideia de que o elemento reputado inconstitucional é o tratamento mais favorável
da tributação dos rendimentos de capital (juros, dividendos), que ficam
sujeitos à taxa liberatória de 28% (que concretiza o pagamento integral e
definitivo do IRS através do mecanismo da retenção na fonte) e podem, ou não,
ser objeto de englobamento se for essa a opção dos titulares (n.ºs 1 e 6 do
artigo 71.º), bem como da tributação das mais-valias à taxa autónoma de 28%
(n.ºs 1 e 4 do artigo 72.º), por confronto com o tratamento fiscalmente mais
agravado dos rendimentos provenientes de salários e pensões.
Assim,
o que aparentemente é pedido ao Tribunal é que compare a diferença de
tratamento traduzida na consagração de uma taxa fixa (liberatória ou autónoma)
para a tributação dos rendimentos de capitais e de mais-valias, por um lado, e
no estabelecimento de taxas progressivas cujo intervalo se situa entre os 14,5%
para um rendimento coletável até €7000 e 48% (a que acresce a taxa adicional de
solidariedade entre 2,5% e 5%) para rendimentos coletáveis acima dos €80 000.
114.
Esta é uma comparação inviável. Primeiro, porque tais taxas não incidem sobre
rendimentos apurados da mesma forma; depois, porque sendo diferente a natureza
das referidas taxas e o modo como operam, não é possível estabelecer uma
comparação baseada no seu valor nominal; e ainda porque as taxas em causa
correspondem a mecanismos com uma lógica de funcionamento diversa (progressiva vs
proporcional) e que, por isso, concretizam de modo diferente a distribuição da
carga fiscal: as taxas gerais assentam numa lógica de tributação pessoal,
enquanto que as taxas liberatórias ou autónomas correspondem a uma tributação real.
Ainda
que, em termos empíricos e genéricos, se possa concluir pela benevolência das
taxas fixas de 28% relativamente às taxas gerais do IRS (situadas entre os 14,5%
e os 48%), não é, em rigor, possível formular um juízo comparativo fiscal entre
estas duas realidades tão distintas, para efeitos de retirar dessa comparação
uma medida de diferença, sindicável em termos de igualdade e justiça fiscal.
Note-se,
que as taxas proporcionais, que variam entre 14,5% e 48%, aplicam-se a
rendimentos coletáveis divididos por escalões, enquanto que a taxa fixa,
proporcional, de 28% se aplica a todos os rendimentos (de capital e de
mais-valias) independentemente do seu montante. Se simplesmente se baixasse a
taxa proporcional máxima de 48% (que incide, necessariamente, sobre o mais alto
escalão de rendimento coletável) e se aumentasse a taxa proporcional fixa
(liberatória ou autónoma) de 28% (que abrange indistintamente todos os
montantes de rendimento), não se obteria necessariamente uma melhor solução, em
termos de maior justiça e igualdade fiscal.
Em
suma, não tendo os requerentes, como vimos, questionado a (in)admissibilidade constitucional
de exceções à tributação geral (tendencialmente única, progressiva e
personalizada) dos rendimentos, e mostrando-se inviáveis os termos da
pretendida comparação, por estarem em causa taxas inscritas em mecanismos de
diferente natureza e operatividade, mostra-se impossível encontrar a “medida da
diferença” e, consequentemente, decai a invocada inconstitucionalidade.
III
– Decisão
Pelos
fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a)
Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República
Portuguesa, da norma do artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
b)
Declarar a inconstitucionalidade consequencial da norma do artigo 31.º da Lei
n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, na medida em que manda aplicar o disposto no
artigo 29º dessa Lei aos contratos de docência e de investigação;
c)
Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República
Portuguesa, da norma do artigo 77.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
d)
Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do
princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 2.º da CRP, da norma do artigo
117.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
e)
Não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 27.º, 45.º, 78.º,
186.º, na parte em que altera os artigos 68.º, 78.º e 85.º e adita o artigo
68.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e 187.º
da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Lisboa, 5 de abril de 2013.- Carlos Fernandes
Cadilha – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano (com declaração de
voto quanto à decisão da alínea d), que anexo) – Pedro Machete (vencido
quanto às alíneas a), b) e c) da decisão, nos termos da declaração conjunta;
vencido quanto à alínea d) e quanto aos juízos de não inconstitucionalidade
contidos na alínea c) da decisão, relativamente à contribuição extraordinária
de solidariedade e à redução das deduções à colecta previstas no Código do IRS,
nos termos da declaração individual) – Maria João Antunes (vencida
quanto às alíneas a), b) e c) da Decisão, pelas razões constantes da declaração
conjunta anexada) – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida parcialmente
nos termos da declaração junta) – José Cunha Barbosa (vencido
parcialmente nos termos da declaração conjunta que subscrevi e da declaração
individual que junto) – Catarina Sarmento e Castro (acompanhei a decisão
na parte em que declara a inconstitucionalidade das normas do art.º 29º, 77º e
117º, n.º 1; Fiquei parcialmente vencida quanto à norma do art.º 31º e quanto à
norma do art.º 186º (na alteração ao art.º 78º e 85º do CIRS); fiquei vencida
relativamente às normas do art.º 27º e 78º, nos termos da declaração de voto
junta.) – Maria José Rangel de Mesquita (vencida parcialmente nos termos
da declaração de voto anexa) – Fernando Vaz Ventura (vencido quanto ao
juízo constante da alínea e) da decisão, na parte em que se decidiu não
declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 27º e 78º de
Lei do Orçamento de Estado para 2013, nos termos da declaração de voto junta) –
Maria Lúcia Amaral (vencida quanto às alíneas a), b) e c) da decisão,
nos termos da declaração conjunta) – Vítor Gomes (Vencido quanto às als.
A), b), c) e d) da decisão. Quanto `alínea d), aderindo, na parte
correspondente ao essencial da declaração de voto do Senhor Cons. Pedro
Machete) – Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO
DE VOTO
Votei a declaração de
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 117.º, da Lei n.º 66-B/2012,
de 31 de Dezembro, por entender que o legislador ao não estabelecer, ao
contrário do que fez relativamente aos pensionistas e aos “funcionários
públicos”, um patamar quantitativo a partir do qual seriam devidas as
contribuições para a segurança social, não salvaguardando assim aqueles que
recebem subsídios de baixo valor, impôs sacrifícios manifestamente
desproporcionados, face aos interesses orçamentais visados, a quem a exiguidade
dos rendimentos auferidos já impõe substanciais provações.
É, pois, a ausência do
estabelecimento desse patamar, fixado segundo critérios de razoabilidade e de
paridade com as outras categorias de cidadãos atingidos por cortes nos seus
rendimentos, que determina a inconstitucionalidade da referida norma, por
violação do princípio da proporcionalidade, enquanto princípio estruturante do
Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º, da Constituição.
João
Cura Mariano
DECLARAÇÃO
DE VOTO
Vencido quanto à alínea d) da
decisão e quanto aos juízos de não inconstitucionalidade contidos na alínea e)
da decisão, relativamente à contribuição extraordinária de solidariedade e à
redução das deduções à coleta previstas no Código do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Singulares.
§ 1.º - Consideração prévia e de
ordem geral
1. A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2013 - concretiza os compromissos de
Portugal assumidos no quadro da assistência financeira acordada
internacionalmente e no âmbito da União Europeia em 2011 e pretende retirar
consequências da declaração de inconstitucionalidade do Acórdão deste Tribunal
n.º 353/2012 relativo à lei do Orçamento do Estado para 2012. Além disso, a Lei
do Orçamento do Estado para 2013 toma em consideração a modificação das
condições macroeconómicas, para pior, ocorrida em 2012, condições essas que
continuaram a sofrer uma evolução negativa no período posterior à apresentação
da proposta do Orçamento para 2013 e durante o primeiro trimestre da respetiva
execução.
O presente acórdão não ignora estes
desenvolvimentos. Contudo, faz relevar principalmente o interesse público
premente na consecução das metas quantitativas no que respeita ao défice
orçamental, sem retirar, depois, as inelutáveis consequências para a
limitação da liberdade conformadora do legislador que decorrem do objetivo
da consolidação orçamental a prosseguir naquele quadro normativo e nas
condições impostas pela nova conjuntura económica. Isto é, o acórdão não
discute – e bem – a “estratégia escolhida [e] os índices de correção orçamental
a que o Estado se vinculou internacionalmente”, afirmando mesmo que “outras
opções de base, quanto à política de consolidação orçamental, são teoricamente
admissíveis, [m]as, justamente, esse é o domínio da definição das linhas de
atuação política, sujeito a controvérsia e debate nas instâncias próprias, e
reservado ao legislador democraticamente legitimado”. Aceita, portanto, que o
fim político escolhido é consentâneo com a Constituição. Contudo, depois, não
problematiza a realidade que justifica a Lei do Orçamento do Estado para 2013 e
a que a mesma Lei se destina; limita-se a descrever os seus traços essenciais.
Refere, é certo, a novidade da situação; mas não explicita as reapreciações e
novas ponderações que tal novidade impõe, face às avaliações e ponderações
subjacentes aos Acórdãos n.os 396/2011 e 353/2012.
Julgo ainda que o acórdão não faz
uma leitura integrada do programa orçamental para 2013 nem o compreende
como um todo dotado de coerência interna em que cada medida, para além da sua
identidade própria, tem um significado e impacte direto e imediato quanto às
possibilidades de alcançar a meta quantitativa definida para o défice.
A necessidade de compatibilização
prática dos imperativos, entre si conflituantes nas presentes condições, de
«garantir a independência nacional e criar as condições económicas e sociais
que a promovam» e de «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a
igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos
económicos e sociais» (cfr. as alíneas a) e d) do artigo 9.º da Constituição)
reduz muito significativamente o leque de opções do legislador. Em meu
entender, e pelas razões adiante referidas, sob pena de uma menor fundamentação
dos seus juízos de inconstitucionalidade e uma menor consistência dos mesmos
face à realidade material apreciada, impunha-se que o Tribunal explicitasse
claramente e com referência à presente realidade constitucional os pressupostos
em que assentam as suas próprias ponderações e avaliações nos casos em que as
mesmas se afastam das opções feitas pelo legislador. Não tinha – nem obviamente
podia fazê-lo - de se lhe substituir; mas, tratando-se de uma lei orçamental
vinculada à consecução de um determinado resultado quantitativo em matéria de
défice, o afastamento das escolhas feitas pelo legislador exigiria a
demonstração da evidência da sua inadmissibilidade constitucional no
mencionado contexto normativo e económico. Não foi, todavia, e como referido,
esse o caminho trilhado pelo acórdão, que se bastou com um enunciado meramente
descritivo das diferentes condicionantes sem as ponderar suficientemente nos seus
juízos de inconstitucionalidade.
2. Em 2011, confrontado com uma
pressão crescente nos mercados financeiros que conduziu a uma forte subida dos spreads
da sua dívida soberana, Portugal tornou-se incapaz de se refinanciar a taxas
compatíveis com a sustentabilidade orçamental a longo prazo. Paralelamente, o
setor bancário nacional, fortemente dependente do financiamento externo,
especialmente da área do euro, viu-se cada vez mais afastado do financiamento
pelo mercado. Perante tal grave perturbação económica e financeira, Portugal
solicitou formalmente assistência financeira à União Europeia, aos
Estados-Membros cuja divisa é o euro e ao Fundo Monetário Internacional (FMI),
tendo em vista apoiar um programa de políticas para restaurar a confiança e permitir
o regresso da economia a um crescimento sustentável e, desse modo, salvaguardar
a estabilidade financeira. Em 3 de maio de 2011, o Governo e uma missão
conjunta da Comissão, do FMI e do Banco Central Europeu (BCE) chegaram a acordo
relativamente a um vasto programa de políticas para três anos (até meados de
2014), a estabelecer num Memorando sobre as Políticas Económicas e
Financeiras (MEFP) e num Memorando de Entendimento sobre as
Condicionalidades da Política Económica (o «Memorando de Entendimento»).
Tal programa de políticas económicas e financeiras – o Programa de
Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) – é avaliado trimestralmente e
exige um esforço continuado e progressivo de consolidação orçamental tendo em
vista determinadas metas quantitativas. As várias parcelas do apoio financeiro
acordado são entregues somente no caso de o juízo conclusivo de cada avaliação
ser positivo.
Depois de uma primeira revisão em
alta dos valores iniciais operada em setembro de 2012, na sequência da quinta
avaliação regular realizada pela missão conjunta da Comissão, do FMI e do BCE
(e posteriormente aprovados pelo Eurogrupo e pelo ECOFIN), os valores daquelas
metas fixados para os anos de 2013 e 2014 foram, respetivamente, e com
referência ao valor do produto interno bruto (PIB), de 4,5% e 2,5% (por
contraposição aos iniciais de 3% e de 2,3%). Já este ano, em março, e na
sequência da sétima avaliação regular, foram fixados novos limites para o
défice orçamental dos anos 2013, 2014 e 2015: respetivamente, 5,5%, 4,0% e
2,5%. Como se pode ler na Declaração da CE, do BCE e do FMI Sobre a Sétima
Missão de Avaliação em Portugal:
« O crescimento
real do PIB diminuiu acentuadamente no último trimestre de 2012, tendo o PIB
real decaído 3,2 % em 2012. As projeções apontam agora para que a atividade
económica decresça 2,3 % em 2013 […], vindo a crescer 0,6 % em 2014. Refletindo
a redução da atividade, o desemprego poderá atingir um máximo superior a 18 %.
As perspetivas de crescimento mais
fracas exigem um ajustamento da trajetória do défice orçamental. O défice
orçamental atingiu 4,9 % do PIB em 2012. O tratamento estatístico de
determinadas transações, tal como a concessão dos aeroportos (ANA), resultará
porém num défice nominal mais elevado [o valor reportado ao Eurostat foi de 6,4%
do PIB – e este é, portanto, o ponto real de partida para o ajustamento
orçamental em 2013]. Embora o Governo esteja empenhado em respeitar uma
trajetória em matéria de despesas amplamente coerente com o ajustamento
orçamental estrutural, conforme previsto anteriormente, um crescimento inferior
e níveis de desemprego mais elevados reduzirão as receitas e aumentarão as
prestações sociais. A fim de permitir o funcionamento de estabilizadores
orçamentais automáticos, o Governo solicitou – e as equipas da CE, do BCE e do
FMI concordaram – a revisão dos objetivos em matéria de défice de 4,5 % para
5,5 % do PIB em 2013, e de 2,5 % para 4 % do PIB em 2014. O objetivo em matéria
de défice para 2015 (2,5 % do PIB) ficará abaixo do limite de 3 % do Pacto de Estabilidade
e Crescimento
Os novos objetivos em matéria de
défice serão apoiados por um esforço de consolidação permanente, bem orientado
e baseado na despesa. O Governo está a proceder a uma revisão completa e
transparente das despesas públicas a fim de identificar possíveis poupanças
capazes de permitir o cumprimento os objetivos em matéria de défice para
2013-2014. Estas medidas visam a racionalização e modernização da administração
pública, a melhoria da sustentabilidade do sistema de pensões e maiores reduções
de custos em todos os ministérios. Para consolidar a credibilidade da
trajetória revista do défice orçamental, o Governo está empenhado em adotar e
publicar nas próximas semanas uma versão detalhada do quadro orçamental de
médio prazo, permitindo assim a conclusão formal da presente avaliação.»
A consolidação orçamental é, por
outro lado, instrumental relativamente à contenção e diminuição da dívida
pública. Recorde-se que o défice orçamental de um dado ano tem de ser
financiado por uma de duas vias: alienação de património ou dívida pública.
Esta última, segundo a 1.ª Notificação de 2013 realizada pelo Instituto
Nacional de Estatística no âmbito do «Procedimento por Défices Excessivos»,
divulgada em 28 de março de 2013 (e disponível em http://www.ine.pt/xportal/xmain ),
estima-se que tenha ascendido em 31 de dezembro de 2012 a 204 485 milhões
de euros (o equivalente a 123,6% do PIB; mais 19 245 milhões de
euros do que no final de 2011; a estimativa para aquele ano de 2012 consignada
no Quadro II.2.3. do Relatório do Orçamento do Estado para 2013 , p. 44,
era de 119,1% do PIB…). Correspondentemente, o défice orçamental relevante em
termos de procedimento por défice excessivo, não obstante todo o esforço já
realizado, evoluiu, como referido, de 4,4% em 2011, para 6,4% em 2012 (v. a
mencionada Notificação). E o custo daquela dívida – traduzido no valor
dos juros pagos aos credores - não é negligenciável: 7,29 mil milhões de euros
em 2012 (mais cerca de 300 milhões de euros do que no ano anterior).
Isto não significa que o aludido
esforço de consolidação não tenha produzido até à data os seus frutos. Aliás, o
Relatório do Orçamento do Estado para 2013, p. 43, dá conta disso mesmo:
“em termos de consolidação orçamental, o ajustamento tem sido substancial,
tendo-se vindo a obter progressos na direção do equilíbrio de médio prazo. Com
efeito, o défice estrutural deverá diminuir cerca de 4,5 p.p. em apenas
dois anos (2011 e 2012), reduzindo-se cerca de metade. A redução da despesa
pública, em particular da despesa corrente primária, tem tido um
papel importante no prosseguimento deste objetivo (Gráfico II.2.2.)” (itálicos
aditados). Com efeito, o saldo primário em 2010 era de –7% do PIB e,
para 2012, o citado Relatório faz uma estimativa do mesmo saldo de
apenas – 0,8%. Só que, para a contabilização da dívida pública, relevam também
a componente cíclica e os juros que se vão vencendo.
No que se refere à estratégia de
consolidação orçamental para 2013, o acórdão dá conta dos pressupostos em que
assentou a preparação do Orçamento para 2013 - e que não consideram os
ajustamentos feitos na sequência da mencionada sétima avaliação regular: o
intencionado efeito agregado da consolidação de valor correspondente a 3,2% do
PIB é devido, em larga medida, ao aumento da receita: 4,3124 mil milhões de
euros (2,6% do PIB), contra 1,0256 mil milhões de euros (0,6% do PIB) do lado
da despesa (cfr. também o Quadro II.3.1. do Relatório do Orçamento do Estado
para 2013, p. 47). De salientar ainda a necessidade de encontrar medidas
substitutivas daquelas que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais
no seu Acórdão n.º 353/2012. A esse respeito, o Governo diz o seguinte (cfr. o Relatório
do Orçamento do Estado para 2013, p. 46):
«A solução do Governo nesta matéria
assenta numa abordagem abrangente que tem em conta as implicações do princípio
da igualdade na repartição dos encargos públicos. Neste contexto, será reposto
1 subsídio aos funcionários públicos e 1,1 subsídios aos aposentados e
reformados. O aumento de despesa para o Estado que resulta destas reposições
será compensado por medidas de carácter fiscal. Estas medidas visam
deliberadamente uma distribuição mais equitativa no esforço de consolidação
orçamental entre i) sector público e sector privado, por um lado; e entre ii)
rendimentos do trabalho e rendimentos de capital, por outro. A repartição do
esforço entre o sector público e o sector privado será alcançada por via dos
impostos diretos, com particular incidência no IRS, enquanto a repartição do
esforço entre rendimentos do trabalho e do capital será garantida pela
introdução de elementos adicionais de tributação sobre o capital e o
património.» (itálicos aditados)
Importa a este respeito ter presente
que, segundo os dados constantes do Quadro III.1.1. do mesmo Relatório,
p. 90, a despesa pública prevista para 2013 corresponde a 46,8% do PIB
(dos quais mais de 70% correspondem a despesas com pessoal e prestações sociais
- isto é, cerca de 33% do PIB é afetado a estas duas rubricas).
Do lado da receita, prevê-se no
citado Quadro, para 2013, um aumento das receitas fiscais e das contribuições
sociais. Mas a verdade é que, não obstante o aumento de impostos verificado em
2011, em 2012 as receitas fiscais decresceram. E o mesmo deverá suceder com as
contribuições sociais, em virtude do expectável aumento do desemprego. Tal
diminuição das receitas fiscais já foi, de resto, confirmada pelo Instituto
Nacional de Estatística (a quebra indicada é de 3,669 mil milhões de euros –
cfr. o relatório intitulado Principais Agregados das Administrações Públicas,
divulgado também em 28 de março de 2013 e igualmente disponível em http://www.ine.pt/xportal/xmain ).
Esta situação é ainda agravada pela revisão em baixa do cenário macroeconómico
feita na sequência da já citada 7.ª avaliação: a contração do PIB é agora
estimada em 2,3% (e não 1%); e a taxa de desemprego em 18,2% (contra os
anteriores 16,4%). No tocante à meta para o défice orçamental de 2013, estas
últimas alterações são acomodadas, como referido, pelo novo valor permitido de
5,5% do PIB.
3. É perante estes dados da
realidade que, do ponto de vista jurídico-constitucional, interessa relevar
como fatores delimitadores da liberdade de conformação do legislador, tendo em
conta o princípio da construção e aprofundamento da União Europeia e a própria
relevância interna do direito internacional, incluindo o da citada União
(respetivamente, artigos 7.º, n.º 5, e 8.º, ambos da Constituição): (i) o princípio
da cooperação leal com a União Europeia e os demais Estados-membros (artigo
4.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia), em especial no tocante ao objetivo
da estabilidade da «Zona Euro»; e (ii) o reconhecimento normativo expresso no
próprio quadro da União de situações em que um Estado membro se encontre em
dificuldades devidas a ocorrências excecionais que o mesmo Estado-membro não
possa controlar justificativo de medidas excecionais (cfr. os artigos
122.º, n.º 2, 123.º e 125.º, todos do Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia).
Na verdade, e como resulta dos
Considerandos 3, 4 e 5 do Regulamento (UE) n.º 407/2010 do Conselho, de 11 de
maio de 2010 – o instrumento criador do Mecanismo Europeu de Estabilização
Financeira, a ativar no âmbito de um apoio conjunto União Europeia/FMI, e ao
abrigo do qual foi aprovada a assistência financeira a Portugal pelas
Instituições da União Europeia (cfr. a Decisão de Execução n.º 2011/344/UE, do
Conselho, de 30 de maio de 2011) – a crise financeira mundial e a recessão
económica que atingiram o mundo a partir de 2008 afetaram gravemente o
crescimento económico e a estabilidade financeira e originaram uma acentuada
deterioração das situações de défice e de dívida dos Estados-membros da área do
euro, conduzindo a uma grave deterioração das condições de empréstimo em vários
desses Estados-Membros; tal situação – caracterizada como excecional e
como escapando ao controlo dos Estados-membros - poderia constituir uma séria
ameaça para a estabilidade, unidade e integridade de toda a área do euro se não
se lhe pusesse termo urgentemente.
O PAEF constitui, precisamente, e
com referência a Portugal, o meio destinado a tal fim. O mesmo concretiza as
medidas especificadas nos n.os 5 a 8 do artigo 3.º da mencionada
Decisão n.º 2011/344/UE, do Conselho. A existência daquele Programa
justifica-se, por conseguinte, em virtude de uma situação ou estado
de emergência financeira, expressamente reconhecido como tal, e que ameaça
simultaneamente a economia e finanças portuguesas e a estabilidade, unidade e
integridade da própria «Zona Euro» globalmente considerada. Permanece válido,
assim, para as diferentes medidas de estabilização orçamental que integram o
mencionado Programa o que este Tribunal afirmou em relação às medidas do PEC
(2010-2013) no seu Acórdão n.º 396/2011 (cfr. o n.º 5):
« [Constituem a]
resposta normativa a uma conjuntura excecional, que se pretende corrigir com
urgência e em prazo o mais breve possível, para padrões de normalidade.»
É, aliás, esse o quadro
expressamente assumido no Relatório do Orçamento do Estado para 2013, em
ordem a justificar as diferentes medidas de consolidação orçamental constantes
da Lei do Orçamento do Estado para 2013 (cfr. pp. 39 e 40):
« [N]o momento em
que entramos no segundo ano da execução do PAEF, e quando já decorreu mais de
metade do período em que o Estado Português se viu dependente do financiamento
dele resultante, a alternativa que neste momento se coloca ao País é simples:
continuar a percorrer, até ao termo de vigência do PAEF, a via difícil da
consolidação orçamental, a qual inevitavelmente envolve sacrifícios para todos
os Portugueses, mas com a certeza, porém, de que o País deixará, a breve
trecho, de carecer de ajuda externa e recuperará, assim, a sua plena autonomia
na condução da sua política, que naturalmente assenta na sua sustentabilidade
económico-financeira; ou, pelo contrário, descurar as medidas de consolidação
orçamental e regressar ao ponto de partida, da insolvência iminente do Estado
Português. Esta última hipótese, que não pode ser configurada como opção
viável, esvaziaria de conteúdo e de sentido todos os esforços e os enormes
sacrifícios até ao momento assumidos pelos Portugueses, os quais teriam assim sido
em vão, ao mesmo tempo que conduziria, seguramente, a sacrifícios bem
superiores.
Acresce ainda que, conforme foi
salientado nos relatórios dos Orçamentos do Estado para 2011 e 2012, da
possibilidade de levar a bom termo o PAEF e, consequentemente, da adoção das
medidas propugnadas pelo Governo, depende também, em primeira linha, a própria
manutenção e sustentabilidade do Estado social.
Torna-se assim evidente que,
subjacente às medidas de consolidação orçamental propostas para 2013, numa
conjuntura económico-financeira de contornos cuja excecionalidade é claramente
demonstrada pela necessidade de ajuda internacional a que o País se viu, e
continua a ver, forçado a recorrer, está a salvaguarda de valores e princípios
estruturantes da ordem constitucional portuguesa.
[…A]s medidas agora propostas
assumem-se como a única opção que garante a prossecução do objetivo
traçado, tendo em vista o cumprimento do limite de 4,5% do PIB para o défice
orçamental, satisfazendo, ao mesmo tempo, as exigências dos princípios da
igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança.» (itálico aditado)
Decerto que o quadro de
emergência descrito não tem, por si, força normativa: num Estado de Direito
não vale a máxima salus populi suprema lex esto nem são os fins
que legitimam os meios. Contudo, é igualmente uma exigência da própria
normatividade – da força normativa das normas jurídicas - que a sua
interpretação e aplicação tomem em linha de conta a realidade a que as normas
se dirigem. E, em especial, no que se refere à Constituição e à fiscalização do
seu cumprimento por parte dos órgãos do poder político, a cargo do Tribunal
Constitucional, muito particularmente quando está em causa uma Lei do Orçamento
do Estado, importa ter bem presentes as diferentes responsabilidades e
possibilidades de cada instância quanto à avaliação e prognose de
dinâmicas próprias da realidade constitucional.
Nessa perspetiva, e com referência
ao caso vertente, mantém-se inteiramente atual, mas agora como posição de princípio,
aquela que o Tribunal Constitucional assumiu no seu Acórdão n.º 396/2011 (cfr.
o n.º 8):
« [À] situação de
desequilíbrio orçamental e à apreciação que ela suscitou nas instâncias e nos
mercados financeiros internacionais são imputados generalizadamente riscos
sérios de abalo dos alicerces (senão, mesmo, colapso) do sistema
económico-financeiro nacional, o que teria também, a concretizar-se,
consequências ainda mais gravosas para o nível de vida dos cidadãos. As
reduções remuneratórias [- mas o mesmo vale para as demais medidas de
consolidação orçamental -] integram-se num conjunto de medidas que o poder
político, atuando em entendimento com organismos internacionais de que Portugal
faz parte, resolveu tomar, para reequilíbrio das contas públicas, tido por
absolutamente necessário à prevenção e sanação de consequências desastrosas, na
esfera económica e social. São medidas de política financeira basicamente
conjuntural, de combate a uma situação de emergência, por que optou o órgão
legislativo devidamente legitimado pelo princípio democrático de representação
popular.
Não se lhe pode contestar esse
poder-dever. Como se escreveu no Acórdão n.º 304/2001:
“ Haverá, assim,
que proceder a um justo balanceamento entre a proteção das expetativas dos cidadãos
[e – acrescentar-se-á - as demais exigências] decorrentes do princípio do
Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do
legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual,
inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de
tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as
mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’
relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte”.»
Tal posição não pode deixar
de implicar para o Tribunal Constitucional uma atitude de prudência na
apreciação das medidas que lhe foram submetidas, a consciencialização dos
limites funcionais da jurisdição constitucional e a ponderação das consequências
da eventual rejeição daquelas medidas, incluindo a consideração das
alternativas disponíveis. Decidindo no sentido da inconstitucionalidade de
alguma das medidas em causa, impõe-se ao Tribunal um acrescido ónus de
fundamentação em que os parâmetros da avaliação e a ponderação dos
pressupostos e das consequências da sua decisão sejam devidamente explicitados.
O mesmo ónus é ainda agravado pela posição assumida pelos órgãos do poder
político – Governo e Assembleia da República – no quadro de compromissos
relevantes do ponto de vista do direito internacional e do direito da União
Europeia no sentido de o «pacote de medidas» de natureza económico-financeiras
objeto do programa orçamental para 2013 corresponder ao meio indispensável
à consecução dos objetivos de consolidação orçamental para este ano – o dito
«pacote» é, na expressão Relatório do Orçamento do Estado para 2013, “a
única opção que garante” tal desiderato.
4. Decorre do exposto supra
no número 2, e muito em particular do cenário macroeconómico aí referido - e
que é aquele que sustenta do ponto de vista material as opções do legislador -,
não ser indiferente proceder à consolidação orçamental pelo lado da receita,
aumentando-a, ou pelo lado da despesa, diminuindo-a. A diferença não é nem apenas
contabilística nem meramente formal. E este é um dado a ter em conta na
avaliação jurídico-constitucional das diferentes medidas de estabilização
orçamental previstas na Lei do Orçamento do Estado para 2013, uma vez que, sem
pôr em causa o objetivo da consolidação, frequentemente a rejeição de uma
medida do lado da despesa só poderá ser compensada pelo acréscimo de medidas do
lado da receita – sendo, portanto, a liberdade de escolha do legislador muito
reduzida. De resto, esta preocupação torna-se ainda mais premente, tendo em
conta a estratégia de consolidação orçamental subjacente à Lei do Orçamento do
Estado para 2013: como referido, o intencionado efeito agregado da consolidação
de valor correspondente a 3,2% do PIB é feito predominantemente do lado da
receita. Isto significa que a rejeição de medidas de consolidação do lado da
despesa, compensáveis apenas por medidas do lado da receita tem necessariamente
um acrescido impacte negativo na consistência da mencionada estratégia e, por
isso, na coerência interna daquela Lei.
De resto, a eficácia orçamental e a
própria eficiência económica de cada uma daquelas duas vias é
significativamente diferente. E juridicamente também é diferente o
enquadramento constitucional da posição do Estado enquanto empregador, prestador
ou titular do poder tributário (a que, de resto, o acórdão não foi
insensível, pelo menos no plano conceptual).
O Estado controla a incidência e a
taxa dos tributos, mas já não a sua coleta, uma vez que esta depende, em grande
medida, da intensidade da atividade económica (argumento da eficácia).
Como se acentua no acórdão, a propósito da redução remuneratória dos
trabalhadores da Administração Pública, “o que distingue as verbas despendidas
com as remunerações dessa categoria de trabalhadores [- tal como sucede com
outras rubricas da despesa pública corrente, poderá acrescentar-se -] é o seu
impacto certo, imediato e quantitativamente relevante nas despesas correntes do
Estado”. Em segundo lugar, a receita fiscal traduz-se numa diminuição do
rendimento disponível dos particulares e, mesmo que tal receita venha a ser
afetada a despesas com pessoal e com prestações sociais, aumentando desse modo
a procura interna (e, assim, contribuindo para a dinamização da economia por
via do aumento do consumo), a verdade é que, por isso mesmo, e numa medida
muito significativa, a poupança indispensável ao investimento não deixará de
ser prejudicada (argumento da afetação da poupança). Finalmente – e esse
é o aspeto mais crítico e específico da crise em que nos encontramos – está em
causa na presente situação também a sustentabilidade da própria dívida
externa portuguesa, de que a dívida pública é uma componente não
negligenciável (aquela dívida inclui, além da componente imputável ao Estado, a
dívida dos bancos, das empresas e de todos os particulares).
Segundo a Nota de Informação
Estatística do Banco de Portugal, de 21 de fevereiro de 2013 (disponível em
http://www.bportugal.pt/EstatisticasWEB/
), sem prejuízo da evolução positiva ao nível da capacidade de financiamento (o
saldo da balança corrente e de capital foi em 2012, e pela primeira vez em
muitos anos, positivo: 0,8% do PIB), no final de 2012 a dívida externa
líquida portuguesa situou-se em 164,6 mil milhões de euros, o equivalente a
99,1 % do PIB (12,8 pontos percentuais acima do observado no final de 2011).
Este valor, em si mesmo, é
significativo a vários títulos.
Em primeiro lugar, ocorreu durante demasiado
tempo um excesso do consumo sobre a produção, um excesso de despesa que teve de
ser financiado por dívida (argumento do excesso de consumo ou do
sobreendividamento). Em segundo lugar, o nível de endividamento líquido
face ao exterior comprova a dependência de Portugal relativamente ao
financiamento externo: o País, antes de concluir o ajustamento a que se
comprometeu internacionalmente, e de recuperar parte significativa da sua
capacidade líquida de financiamento, só pode continuar a funcionar cumprindo
todas as suas tarefas constitucionais, mesmo que com sacrifícios acrescidos,
desde que continue a obter financiamentos provenientes do exterior. Depois, a
evolução negativa ao longo dos últimos anos só foi possível devido a um
crescimento económico muito débil, quase anémico. Em quarto lugar, a conjugação
dos três aspetos anteriores justifica as dúvidas dos credores internacionais
quanto à real capacidade da «economia portuguesa» de «pagar aquilo que deve» (argumento
da insustentabilidade da dívida externa) – circunstância que, por sua vez,
explica o aumento dos spreads e as dificuldades em obter financiamento
nos mercados sem apoio institucional externo (o que vale sobretudo para o
Estado, mas, como se viu, em 2011 quando foi necessário pedir ajuda financeira
externa, também diz respeito aos bancos). Finalmente, a inversão da trajetória
de crescimento da dívida externa exige que a economia cresça e que a balança
corrente e de capital apresente saldos positivos (segundo estimativas do FMI
publicitadas na imprensa portuguesa, um crescimento do PIB da ordem dos 2%
combinado com um saldo externo de cerca de 5% do PIB).
A consequência que se impõe retirar
desta análise é a de que na atual crise financeira que Portugal atravessa há
aspetos conjunturais e aspetos estruturais. Conjuntural foi – e continua
a ser - a incapacidade do País se financiar autonomamente nos mercados. Porém,
a necessidade de inverter a trajetória de endividamento – e, portanto, de
reduzir drasticamente o consumo público e privado, ajustando-o à real
capacidade produtiva – é estrutural, no sentido de que não é sustentável
continuar ou retomar o caminho seguido até 2011. Daí ser pertinente apreciar
muitas das medidas que na justificação da Lei do Orçamento do Estado para 2013
– o já aludido Relatório do Orçamento do Estado para 2013 - são
apresentadas como «medidas excecionais de estabilidade orçamental» ou como
«medidas conjunturais», não apenas como tal, mas, prospectivamente, enquanto
medidas de caráter mais duradouro ou, porventura, mesmo estrutural. E, pelo
menos prima facie, a passagem pelo crivo da admissibilidade estrutural
imporá, até por maioria de razão, a sua aceitação temporária durante o período
do exercício orçamental.
5. Assim, por exemplo, no que se
refere à manutenção da redução remuneratória referente aos trabalhadores da
Administração Pública (artigo 27.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013),
concordando embora com o juízo de não inconstitucionalidade do acórdão, não me
parece que o mesmo, em sede de avaliação do princípio da igualdade, na vertente
da igualdade proporcional, se mostre fundamentado de modo consequente.
Desde logo, porque o «argumento da
eficácia imediata das medidas de redução salarial» conserva – se é que não vê
reforçada - a sua pertinência, pelas razões indicadas supra no número 4,
e que não se reconduzem a uma urgência, por assim dizer, «pontual»; a urgência
em causa é a que decorre da necessidade de regressar a uma certa «normalidade
financeira» caracterizada pela desnecessidade de uma quase-tutela em que a
«libertação» periódica de parcelas de um apoio financeiro pré-definido está
condicionada a avaliações positivas.
Depois porque, sob pena de remeter o
legislador exclusivamente para a via fiscal e de inviabilizar, pelo menos no
curto e médio prazo, a redução da rubrica «despesas com pessoal» no total da
despesa pública, é inevitável que o legislador nas atuais circunstâncias se
socorra, em alguma medida, da diminuição das remunerações dos trabalhadores da
Administração Pública. Com efeito, não só as mesmas remunerações representam
encargos públicos, como não é possível a curto ou médio prazo – e provavelmente
nem sequer é desejável – utilizar, em relação àqueles trabalhadores, um
mecanismo com lógica idêntica à do despedimento coletivo, aplicável no âmbito
das relações de trabalho de direito privado. A Administração do Estado tem
responsabilidades e tarefas que a diferenciam qualitativamente de organizações
com escopo lucrativo como as empresas, que podem e devem ajustar
permanentemente a sua dimensão e âmbito de atividades, de modo a maximizarem o
seu lucro. Por isso, o Estado e os seus serviços não podem ser geridos como
empresas. Daqui decorre, como consequência lógica, que a situação de um
trabalhador da Administração Pública e a de um trabalhador com vínculo laboral
privado, em pleno emprego, e com a mesma capacidade de ganho, não é comparável,
contrariamente ao que é assumido no acórdão. Do exposto decorre também que a
imposição de sacrifícios mais intensos aos trabalhadores que exercem funções públicas
pode ser justificada por fatores macroeconómicos relacionados com a
necessidade imperiosa de reduzir ou financiar a despesa pública, prevenindo
desse modo o recurso à via fiscal, tida como inconveniente por agravar a
recessão económica e o aumento do desemprego – como sucedeu precisamente nas
leis orçamentais referentes a 2011, 2012 e 2013.
Finalmente, também não compreendo
por que se considera que o Governo não «executou» o Acórdão n.º 353/2012 – que
expressamente admitiu a possibilidade de alguma diferenciação entre
trabalhadores do setor público administrativo e do setor privado – em virtude
de ter conjugado a diminuição de remunerações dos trabalhadores da
Administração Pública com um aumento da carga fiscal aplicável a todos os
cidadãos. Pode decerto discutir-se a medida do sacrifício imposto aos
primeiros, mas o tipo de solução em si mesma considerada parece-me uma resposta
ou reação legítima em face do mencionado Acórdão; não representa
necessariamente (ou objetivamente) um “entorse ao princípio da igualdade de
contribuição para os encargos públicos”. Tudo dependerá da medida do sacrifício
adicional imposto (e, sobre esta, v. a declaração de voto conjunta relativa ao
artigo 29.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013).
§ 2.º - Declaração referente
à alínea d) da decisão: a não inconstitucionalidade do artigo 117.º, n.º
1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (contribuição sobre prestações de
doença e desemprego)
Vencido quanto ao juízo de
inconstitucionalidade relativamente ao artigo 117.º, n.º 1, da Lei do Orçamento
do Estado para 2013 que consagra uma «contribuição sobre prestações de doença e
de desemprego».
1. O acórdão declarou
inconstitucional o citado artigo 117.º, n.º 1, em virtude de o mesmo não conter
“uma qualquer cláusula de salvaguarda que impeça que os montantes pecuniários
correspondentes aos subsídios de doença e de desemprego, por força da dedução
agora prevista, possam ficar abaixo do limite mínimo que o legislador fixou, em
geral [entenda-se na legislação específica sobre estas duas prestações], para o
conteúdo da prestação devida para qualquer dessas situações”. Porém, o acórdão
reconhece igualmente não só que aquela redução corresponde a uma “medida
excecional, de caráter transitório”, como “o cumprimento do programa constitucional
de proteção na doença e no desemprego, depende, em cada momento histórico, de
fatores financeiros e materiais, sendo tarefa do legislador definir o elenco
das situações que carecem de proteção e o conteúdo do correspondente direito
social”. E, se assim é, não pode considerar-se, à partida, constitucionalmente
ilegítimo um retrocesso em relação a anteriores decisões político-legislativas.
Desde logo, pelas razões enunciadas supra
no § 1.º, não posso concordar com o juízo de inconstitucionalidade formulado,
porquanto o que está em causa no preceito em apreço é precisamente a definição
legislativa, com caráter temporário e excecional, de novos valores – incluindo
novos valores mínimos – mais reduzidos para aquelas duas prestações do sistema
previdencial geral.
Será que, se em vez de consagrada
num artigo autónomo da Lei do Orçamento do Estado para 2013 – como acontece com
o artigo 117.º - tal opção legislativa tivesse sido objeto de uma alteração
aprovada pela mesma Lei orçamental ao regime legal específico de cada uma
daquelas duas prestações, a questão de constitucionalidade seria diferente? Ou
ainda: deverá entender-se que os valores das mesmas prestações não podem ser
fixados por um determinado período de tempo?
Creio que a resposta a qualquer uma
destas interrogações é negativa, tendo em conta que está em causa a
determinação legal do conteúdo de direitos sociais, que “depende, em cada
momento histórico, de fatores financeiros e materiais”, e, como referido, por
ser assim, não pode considerar-se, à partida, constitucionalmente ilegítimo um
retrocesso em relação a anteriores decisões político-legislativas.
2. Por outro lado, as duas
prestações em análise correspondem a aspetos parcelares de um regime de
proteção social correspondente ao sistema previdencial geral, que não está
vocacionado para satisfazer o direito a uma existência condigna, mas antes
substituir parcialmente e mitigar a perda de remuneração nas eventualidades de
doença e desemprego. Aquele direito – que corresponde a um corolário da
dignidade da pessoa humana - é assegurado, na sua vertente positiva,
fundamentalmente pelos diversos componentes do sistema de proteção social de
cidadania previsto no artigo 26.º e seguintes da Lei n.º 4/2007, de 16 de
janeiro – Lei de Bases da Segurança Social.
3. Finalmente, no que se refere à
apreciação do artigo 117.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2013 à
luz do princípio da proporcionalidade, é, desde logo, manifesto verificar-se o
requisito da adequação: a redução do valor das prestações em causa é idónea a
contribuir para o esforço de diminuição da despesa pública. Já quanto à
razoabilidade, e uma vez que estão em causa reduções percentuais dos valores de
prestações que podem, eles próprios, ser fixados a um nível mais baixo, não
creio que exista evidência de que aquelas reduções sejam excessivas. Acresce
que a poupança que se estima associada à diminuição do valor de tais prestações
de que dá conta a Nota enviada pela Presidência do Conselho de Ministros
a este Tribunal, a título de resposta aos diversos pedidos de fiscalização da
Lei do Orçamento do Estado para 2013 - 153 milhões de euros (cfr. p. 3) –
aponta no sentido de o interesse orçamental prosseguido ser suficientemente
importante para justificar a medida.
§ 3.º - Declaração referente à
alínea e) da decisão: a inconstitucionalidade do artigo 78.º da Lei n.º
66-B/2012, de 31 de dezembro (contribuição extraordinária de solidariedade)
Vencido quanto ao juízo de não
inconstitucionalidade relativamente ao artigo 78.º da Lei do Orçamento do
Estado para 2013 que consagra uma «contribuição extraordinária de
solidariedade» (CES) a cargo dos pensionistas.
1. A contribuição extraordinária em
causa é, como o acórdão evidencia, uma figura híbrida, mas que, mercê do
seu regime unitário, deve ser perspetivada como uma única figura. Acresce que,
pelas referências que contém a uma pluralidade de institutos relevantes no
domínio da segurança social, deve ser descodificada de acordo com a pertinente
legislação, com particular destaque para a Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro -
Lei de Bases da Segurança Social.
No Relatório do Orçamento do
Estado para 2013 a dita contribuição é apresentada como uma «Medida do Lado
da Redução de Despesa» que “visa um efeito equivalente à medida de redução salarial
aplicada aos trabalhadores do setor público” (cfr. p. 51). E se o alcance da
CES fosse apenas esse, até poderiam valer em relação a ela os argumentos que
justificam o juízo de não inconstitucionalidade relativamente ao artigo 77.º -
suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalentes de aposentados e
reformados (cfr. a declaração de voto conjunta e supra o § 1.º).
Todavia, o paralelismo não existe, seja na medida em que se pretende alcançar
um «efeito corretivo» das pensões de valor mensal superior a 5 030,64 €
(cfr. o n.º 2), seja no que se refere ao universo das pensões atribuídas no
âmbito de regimes especiais (v.g. o regime dos advogados e
solicitadores) ou de regimes complementares - o público e os privados -
da segurança social. Daí ser compreensível que na já mencionada Nota da
Presidência do Conselho de Ministros, ainda que sem um comprometimento
definitivo, se admita poder tratar-se de um imposto - não um novo
imposto sobre o rendimento dos reformados e pensionistas, mas um adicional
ao imposto sobre o seu rendimento, instituído em benefício da segurança social
e que, portanto, se reconduziria ainda ao mesmo imposto (cfr. p. 50).
No acórdão a medida é perspetivada
simultaneamente como redução da despesa (pensões processadas no âmbito
dos sistemas previdenciais públicos de segurança social – o sistema
previdencial do artigo 50.º e seguintes da Lei de Bases da Segurança Social e o
sistema correspondente ao regime de proteção social convergente objeto da Lei
n.º 4/2009, de 29 de janeiro) e como tributo parafiscal (pensões dos
regimes complementares de iniciativa pública ou de iniciativa coletiva
privada). Todavia, também se reconhece a sujeição da CES a uma disciplina
unitária – a diferenciação de taxas em razão do valor das pensões distribuído
por diversos escalões, o englobamento de todas as pensões, o modus operandi
e a consignação prevista no artigo 78.º, n.º 8 – que convoca a ideia de um
tributo.
E é esse o seu traço
unificador mais marcante: atinge, diminuindo-os, os rendimentos de uma certa
categoria de pessoas – as que se encontram em situação de reforma ou similar –
que, tendo cumprido as suas obrigações contributivas, contavam agora com as
prestações correspondentes. E, ao fazê-lo, para além de contrariar direitos
definidos de acordo com a lei anterior, a CES quebra a relação de conexão
entre a contribuição e o benefício. Com efeito, ainda que num sistema
assente na repartição possa não existir uma rigorosa ou proporcional
correlação entre o montante da contribuição e a perceção de uma futura pensão,
a contribuição é sempre a contraprestação, o pressuposto causal e a medida do
benefício.
No quadro da CES não é isso que se
verifica: o valor da pensão auferida é um dado que indicia a capacidade de
contribuir para os sistemas previdenciais públicos. A obrigação de contribuir –
ou seja, de pagar a CES – é, nesta perspetiva, imposta unilateralmente para
acorrer a despesas que, atento o subfinanciamento do sistema previdencial,
também são gerais, funcionando a pensão como manifestação de capacidade
contributiva e fonte de financiamento suplementar. Deste modo, a CES
incide sobre um rendimento pessoal específico – a pensão – sobrecarregando o
seu titular, já sujeito, nos termos gerais, ao Imposto sobre o Rendimento das
Pessoas Singulares. E a única especificidade de tal rendimento radica na
qualidade de pensionista do seu titular – característica inadequada para
justificar a dupla incidência da tributação do rendimento.
Recaindo aquele imposto e a CES
sobre o mesmo rendimento – a pensão – compreende-se que o valor da primeira
possa ser abatido ao rendimento global, para efeito de apuramento da matéria
coletável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (cfr. o
artigo 53.º do respetivo Código), evitando-se, por essa via, a dupla
tributação. Contudo, isso não impede que os contribuintes pensionistas – apenas
por serem pensionistas - independentemente da sua capacidade contributiva,
possam vir a ter de suportar uma taxa média de impostos sobre o rendimento
pessoal superior à de outros contribuintes com rendimentos de outras
categorias, incluindo os rendimentos do trabalho, e isto sem uma justificação
objetiva fundada na própria natureza do rendimento (como pode acontecer com as
taxas liberatórias, relativamente aos rendimentos de capital). Com efeito, tal
sucede apenas porque se trata de pensionistas e porque se considera necessário
reduzir o peso dos encargos com a segurança social no orçamento geral do
Estado. Nessa medida, existe, desde logo, uma violação do princípio da
igualdade.
Acresce que a mesma contribuição não
toma em consideração, a qualquer título, as necessidades do agregado familiar -
sendo certo que, por força da alínea f) do n.º 2 do artigo 67.º da
Constituição, incumbe ao Estado, para proteção da família, “regular os impostos
e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares”. Enquanto
tributação autónoma em relação ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares, não são tomadas em consideração na CES quaisquer mecanismos ou técnicas
que permitam acomodar os encargos familiares, como é o caso do método do
quociente conjugal, acompanhado no ordenamento fiscal português de um sistema
de deduções à coleta. Ora, como se decidiu no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 57/95, “o princípio da igualdade é desrespeitado quando
pessoas em condições iguais pagam impostos desiguais”.
Assim, os rendimentos dos
pensionistas são afetados mais penosamente em sede de tributação incidente
sobre o rendimento pessoal do que os rendimentos de várias outras categorias de
contribuintes. E não se vislumbra a justificação para tal penalização,
independentemente da proveniência pública ou privada das pensões e da concreta
capacidade contributiva dos pensionistas. O artigo 78.º da Lei do Orçamento do
Estado para 2013 viola, pelo exposto, o artigo 104.º, n.º 1, da
Constituição.
2. Mas o mesmo preceito suscita
preocupações adicionais.
Com efeito, a CES é não apenas
híbrida, mas, na parte em que se reporta aos regimes especiais e
complementares, antissistémica. Como o próprio acórdão deixa
transparecer, o sistema de segurança social não é monolítico: ao lado do
sistema previdencial, de natureza obrigatória e assente no princípio da
contributividade, há que considerar outras realidades, como os sistemas complementares,
que são facultativos e de base não necessariamente contributiva. O tratamento
uniforme de realidades tão díspares conduz inevitavelmente a injustiças. Por
outro lado, mesmo as necessidades de reforma dos sistemas previdenciais
públicos (o geral e o específico da função pública) também não podem deixar de
considerar diversas especificidades e de atender à proteção da confiança
legítima.
3. Em primeiro lugar, no que se
refere ao sistema previdencial e ao regime de proteção social
convergente (v., respetivamente, a Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro,
artigos 50.º a 66.º, e a Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro), não pode excluir-se
em absoluto a admissibilidade de uma medida extraordinária de redução de
despesa – como, por exemplo, a redução das pensões - paralela àquela que foi
adotada em relação aos trabalhadores da Administração Pública. Se é certo que
ambos os regimes previdenciais em causa funcionam com base num sistema de
repartição, os mesmos, devido ao seu subfinanciamento estrutural, exigem
em cada ano um contributo do Orçamento do Estado. E, numa situação de exceção
como aquela que se vive, não deve ser afastada a possibilidade de os respetivos
beneficiários serem chamados a dar o seu contributo para o esforço de
consolidação global. Tal solução justifica-se tanto mais quanto a alternativa a
tal contributo passaria por exigir um esforço acrescido aos atuais
contribuintes para o sistema – os trabalhadores presentemente no ativo – sendo
certo que os mesmos, por força das indispensáveis reformas no sistema da
segurança social já realizadas e a realizar, e da evolução menos positiva da
demografia, (já) estão neste momento a contribuir para o pagamento de pensões
de valor muito superior àquele de que alguma vez irão poder beneficiar ao
abrigo do mesmo regime previdencial.
Porém, uma coisa são as medidas
pontuais de caráter excecional em vista de estabilização orçamental, outra, bem
diversa, é a introdução de medidas corretivas e a aplicação do princípio da
justiça ou solidariedade intergeracional com vista a assegurar a
autossustentabilidade do próprio sistema. Não se pretende negar a necessidade
ou conveniência de tais medidas reformadoras. As mesmas, todavia, carecem de
ser pensadas e concebidas dentro do próprio sistema como uma sua reforma
estrutural. Tal não se compadece nem com um limiar mínimo de aplicação tão
elevado como o referido no artigo 78.º, n.º 1 (pensões acima de 1 350 €)
nem com o tratamento indiferenciado de situações tão diversas (ao longo do
tempo a base de cálculo da pensão variou muito – há quem tenha pensões
calculadas com base em cinco, dez ou trinta anos de contribuições). Numa
eventual reforma promotora da autossustentabilidade do sistema haverá que
respeitar, ao lado da justiça intergeracional, também a justiça intrageracional.
Do mesmo modo, haverá que atender à situação daqueles que, por terem confiado
na suficiência da pensão atribuída no quadro do sistema previdencial, não
sentiram necessidade de investir em esquemas complementares de reforma.
Em suma, um dos riscos associados à
CES é justamente o de a mesma poder ser tomada como um «embrião de reforma»
do sistema previdencial da segurança social, quando tal medida é, devido à
indiferenciação que a caracteriza, totalmente inadequada para o efeito.
4. As disfunções da CES são ainda maiores
na sua aplicação aos regimes especiais e ao sistema complementar.
Os primeiros, pelo seu caráter
obrigatório e devido à base contributiva, substituem relativamente aos
trabalhadores abrangidos o sistema previdencial geral. A legitimidade e autonomia
legais dos mesmos decorrem, hoje, dos artigos 53.º e 103.º da Lei de Bases da
Segurança Social e não se afigura que a sua existência contrarie o disposto no
artigo 63.º da Constituição. Por outro lado, trata-se de sistemas
autossuficientes e autossustentáveis, em relação aos quais o Estado não tem
qualquer interferência, para além de os reconhecer enquanto modo idóneo de
efetivação do direito à segurança social. Sem poder excluir a possibilidade do
Estado exercer uma função regulatória em relação aos mesmos, enquanto
garantidor último do sistema de efetivação de tal direito (cfr., por exemplo,
os princípios do primado da responsabilidade pública e da unidade previstos,
respetivamente, nos artigos 14.º e 16.º da Lei de Bases da Segurança Social), a
verdade é que, à data, tal função não se encontra prevista, pelo que também
nada justifica o desvio de verbas dos regimes especiais em benefício exclusivo
do regime geral.
5. Quanto aos segundos, cumpre
começar por recordar que revestem natureza complementar o regime
público de capitalização e os regimes complementares privados de iniciativa
coletiva (em que se integram os regimes profissionais complementares –
artigo 83.º, n.º 2, da Lei de Bases da Segurança Social) e de iniciativa
individual (cfr. o artigo 81.º, n.º 1, da Lei de Bases da Segurança
Social). Trata-se, nos termos da lei, de “instrumentos significativos de
proteção e de solidariedade social, concretizada na partilha das
responsabilidades sociais, devendo o seu desenvolvimento ser estimulado pelo Estado
através de incentivos considerados adequados” (cfr. o artigo 81.º, n.º 2, da
Lei de Bases da Segurança Social). A adesão aos mesmos é voluntária e a sua
«complementaridade» decorre da circunstância de as pertinentes prestações serem
atribuídas em acumulação com aquelas que são concedidas pelos sistemas
previdenciais (cfr. quanto ao regime público de capitalização, o artigo 82.º,
n.º 1, da Lei de Bases da Segurança Social). Por outro lado, e diferentemente
do que sucede com os regimes previdenciais gerais de caráter obrigatório – e
que correspondem ao chamado «primeiro pilar» - os sistemas complementares
assentam o respetivo financiamento em sistemas de capitalização individual:
o benefício a receber por cada pensionista é função do capital investido que lhe
seja imputável. Portanto, cada regime complementar deve ser autossustentável e
suportar os seus riscos próprios e o beneficiário dos regimes complementares é,
à partida, titular de um direito de crédito quantificável segundo regras
pré-definidas. Tal benefício corresponde à remuneração da poupança realizada ou
investida em vista da reforma.
Esta última circunstância, conjugada
com a base contratual (ou para-contratual) dos regimes em análise, obriga,
desde logo, a equacionar a tutela do direito à prestação complementar em termos
distintos do direito estatutário à pensão definida na base de um sistema de
repartição. Com efeito, e sem prejuízo da necessidade de apreciação de cada
regime complementar em concreto, não pode afastar-se nesta sede, sem mais e tal
como se faz no acórdão a propósito do direito à pensão qua tale, a
pertinência da tutela do direito de propriedade, com todas as consequências em
matéria de igualdade perante os encargos públicos.
Por outro lado, também não pode
esquecer-se que todo o beneficiário de um regime complementar é, em princípio,
igualmente beneficiário de um regime previdencial. Significa isto que o
contributo para o financiamento dos sistemas previdenciais obrigatórios exigido
aos beneficiários de regimes complementares é, por comparação com o que é
exigido àqueles que são apenas beneficiários dos regimes previdenciais, não só duplicado,
como agravado, em virtude do englobamento e da progressividade das taxas
(cfr. os n.os 1, 2 e 5 do artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado para
2013) – circunstância que inculca uma violação da igualdade proporcional.
Acresce que, aceitando como exata a
interpretação do âmbito de aplicação da CES feita no acórdão, nomeadamente no
que se refere à não inclusão no n.º 3 do artigo 78.º da Lei do Orçamento do
Estado para 2013 dos regimes complementares de iniciativa individual a que se
refere o artigo 84.º da Lei de Bases da Segurança Social (as pensões e
benefícios do chamado «terceiro pilar»), não é inteligível a razão da diferença
de tratamento face aos demais regimes complementares (as pensões e benefícios
do chamado «segundo pilar»), e, de modo especial, no que se refere ao regime
público de capitalização, expressamente definido pela lei como “de adesão
voluntária individual” (cfr. o o artigo 82.º, n.º 1, da Lei de Bases da
Segurança Social). Com efeito, fica por explicar por que é que quem confiou as
suas poupanças ao Estado em vista da obtenção de um complemento de reforma é
chamado a «participar» na CES e quem confiou as poupanças a uma instituição de
crédito privada ou a uma seguradora já não tem de contribuir…
Finalmente, coloca-se aqui com toda
a acuidade o problema da tutela da confiança.
A subtração de benefícios devidos no
âmbito de sistema complementar da segurança social para financiar os sistemas
previdenciais de caráter geral e obrigatório – e é esse inequivocamente o
alcance da consignação de receitas estatuída no n.º 8 do artigo 78.º da Lei do
Orçamento do Estado para 2013 – contraria não apenas pontualmente a confiança
daqueles que agora são também beneficiários de regimes complementares, como,
sobretudo, cria objetivamente insegurança quanto ao próprio sistema de
segurança social e às bases em que assentará a sua indispensável reforma. Com
efeito, já há muito, e seguramente desde a reforma da segurança social
realizada em 2007, que são conhecidas as limitações estruturais dos sistemas
previdenciais gerais existentes. Por isso mesmo, foi apontada como via
alternativa a quem se encontra ainda no ativo o «investimento» em regimes complementares.
É precisamente a essa luz que se entende o favorecimento de tais regimes
previsto no já citado artigo 81.º, n.º 2, da Lei de Bases da Segurança Social:
o Estado deve estimular o seu desenvolvimento através de incentivos. Por
isso, recorrer agora aos mesmos regimes – aliás, não a todos, mas apenas
àqueles em que a partilha de responsabilidades sociais é mais intensa, como
acontece nos regimes de iniciativa coletiva; ou àqueles que, embora de
iniciativa individual, se baseiam na confiança depositada no Estado, como
acontece com o regime público de capitalização – para obter recursos
necessários ao financiamento dos sistemas previdenciais gerais, não pode deixar
de suscitar sérias dúvidas quanto à consistência e eficácia protetiva das
soluções apontadas pelo próprio legislador como alternativas desejadas para
assegurar uma evolução virtuosa do sistema de segurança social no seu todo.
É conhecida a jurisprudência do
Tribunal Constitucional sobre o princípio da segurança jurídica na vertente
material da confiança. De acordo com essa jurisprudência (cfr., entre muitas, a
síntese feita no Acórdão n.º 154/2010),
« [P]ara que esta
última seja merecedora de tutela é necessário que se reúnam dois pressupostos
essenciais:
a)
A afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível,
quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os
destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b)
Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes
(deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente
consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do
artigo 18.º da Constituição).
Como se disse no Acórdão n.º
188/2009, os dois critérios enunciados são finalmente reconduzíveis a quatro
diferentes requisitos ou «testes». Para que haja lugar à tutela
jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o
Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar
nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas
ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem
os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de
continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que
não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não
continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Este princípio postula, pois, uma
ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da
ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a
confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro
requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui
proteção.»
In casu, no que se refere aos
beneficiários dos regimes complementares, é inequívoca a verificação dos
primeiros três requisitos. Por outro lado, e quanto ao último «teste», não me
parece que os benefícios financeiros imediatos para os sistemas previdenciais
gerais possam suplantar os danos de confiança causados, já que o descrédito de
alternativas consistentes àqueles regimes previdenciais tem a grande probabilidade
de redundar, a prazo, num maior prejuízo para o sistema de segurança social
globalmente considerado e numa menor garantia do direito fundamental à
segurança social (artigo 63.º, n.º 1, da Constituição).
§ 4.º - Declaração referente à alínea
e) da decisão: a inconstitucionalidade do artigo 186.º da Lei n.º
66-B/2012, de 31 de dezembro, na parte na parte em que altera o artigo 78.º do
Código do IRS (eliminação e redução das deduções à coleta)
Vencido em parte, porquanto
julgo inconstitucional a inadmissibilidade legal de deduções à coleta a partir
de determinado valor do rendimento coletável.
Acompanho a fundamentação do
acórdão, quer no tocante à teleologia das deduções à coleta, quer no que se
refere à existência de um amplo espaço de conformação do legislador na fixação
dos seus montantes. Considero, todavia, que, se o quadro de emergência
económica e financeira em que o Orçamento do Estado para 2013 foi aprovado
ainda pode justificar circunstancialmente uma redução drástica e a valores
quase simbólicos do montante de algumas dessas deduções; o mesmo quadro já não
explica a pura e simples irrelevância fiscal de despesas normalmente associadas
às necessidades próprias do agregado familiar (em especial, as despesas de
saúde, de educação e formação, as importâncias respeitantes a pensões de
alimentos e os encargos com lares e com imóveis). Na exata medida de tal
irrelevância, o legislador ordinário ultrapassou o espaço de livre conformação
que lhe deve ser – e é - reconhecido neste domínio.
Com efeito, a impossibilidade
absoluta de deduzir à coleta parte do valor daquele tipo de despesas no escalão
de rendimento coletável superior a 80 000 euros redunda, desde logo, numa desconsideração
do agregado familiar contrária à diretriz do artigo 67.º, n.º 2, alínea f),
e ao estatuído no artigo 104.º, n.º 1, ambos da Constituição. Além disso, a
mesma impossibilidade cria uma desigualdade de tratamento incompatível
com o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição entre sujeitos passivos posicionados
no mesmo escalão de rendimento coletável – uma desigualdade, por assim dizer,
horizontal –, já que, ao impedir em absoluto tais deduções, a lei abstrai por
completo da circunstância dos sujeitos passivos em causa viverem sozinhos ou
antes integrados num agregado familiar, suportando as inerentes e acrescidas
necessidades financeiras: por causa destas últimas, o rendimento disponível –
ou seja, aquele que deve relevar para a determinação da capacidade contributiva
no âmbito dos impostos sobre o rendimento (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, da Lei
Geral Tributária) – de quem vive sozinho é sempre superior ao de quem tem
outros a seu cargo e com eles convive. Ora, se, como se decidiu no Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 57/95, “o princípio da igualdade é desrespeitado quando
pessoas em condições iguais pagam impostos desiguais”, o mesmo princípio também
não é respeitado na situação simétrica: quando pessoas em condições
desiguais pagam impostos iguais.
Pedro
Machete
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Vencida quanto à decisão de não inconstitucionalidade
das normas do Orçamento de Estado para 2013 que estabelecem, para o ano de
2013, a redução salarial dos trabalhadores do setor público e o efeito
equivalente a essa redução em certos contratos que visem a docência ou a
investigação e nas pensões, ou seja as normas contidas no artigo 27.º, no
artigo 31.º, quanto à aplicação do artigo 27.º aos contratos em causa, e no n.º
1 do artigo 78.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprova o
Orçamento de Estado para 2013 (LOE).
2. É nas
situações de emergência ou crise financeira que mais importa tomar em
consideração o bem comum tutelado constitucionalmente, de tal modo que a
repartição dos sacrifícios seja feita sem afetação dos princípios da
solidariedade, da igualdade e da proteção das famílias.
O programa político de redução do défice não pode ser
feito sem o respeito pela Constituição da República Portuguesa (CRP) e os seus
princípios, desde logo o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
3. As normas
em referência, tendo em conta o seu âmbito de aplicação, conduzem à
identificação de grupos distintos de pessoas, sujeitos a regimes legais
diferenciados. Na qualificação de situações como iguais ou desiguais, para
efeitos da posterior aplicação do teste do princípio da igualdade, é
determinante a razão de ser do tratamento jurídico que se lhes pretende dar.
Ora, a aprovação das normas em causa tem como objetivo a redução do défice
orçamental do Estado. Na medida em que visam solucionar um problema do Estado,
enquanto coletividade, o interesse público por elas prosseguido diz respeito à
generalidade dos cidadãos e não, unicamente, aos trabalhadores do setor público
e/ou pensionistas.
4. Acresce
que através das referidas normas são afetados direitos fundamentais, designadamente
o direito à retribuição do trabalho consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a),
da CRP e o direito à pensão como manifestação do direito à segurança social
consagrado no artigo 63.º, n.º 1, da CRP. De facto, o valor ou o montante das
remunerações dos trabalhadores ou das pensões não pode deixar de estar
abrangido pela esfera de proteção dos direitos fundamentais referidos pois
representa um elemento essencial desses direitos. Se assim não fosse, a esfera
de proteção ficaria comprimida a um conteúdo mínimo, de forma incompreensível e
injustificável. A redução das remunerações ou das pensões representa uma
restrição àqueles direitos que é constitucionalmente admissível mas que deve
obedecer a parâmetros constitucionais, como o da proporcionalidade e o da
igualdade.
5. Estando
em causa o tratamento diferenciado de grupos de pessoas, o controlo do respeito
pelo princípio da igualdade por parte do Tribunal Constitucional não deve
cingir-se a um controlo de evidência ou de mera ausência de arbítrio, antes se
impondo uma análise mais densa e exigente. Tanto mais quando, como nos casos em
presença, como referi, são afetados direitos fundamentais.
E não se diga que, por a situação presente não se
encontrar expressamente contemplado pela proibição do n.º 2 do artigo 13.º da
CRP, a diferenciação de tratamento de grupos de pessoas deverá ficar reduzida a
um controlo de mera proibição de arbítrio. É precisamente quando se identificam
situações de diferença de tratamento de grupos de pessoas não previamente
assinaladas como intoleráveis que se impõe densificar o teste de controlo das
opções do legislador para evitar discriminações inaceitáveis por violação do
princípio da igualdade previsto no n.º 1 do artigo 13.º da CRP.
6. A este
respeito e na linha da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal
alemão, ultrapassando o teste do arbítrio, incidente sobre a razão do
tratamento diferenciado, importa lançar mão de um teste mais exigente de
controlo do princípio da igualdade (designado por aquele Tribunal como nova fórmula)
que, prosseguindo uma igualdade proporcional ou ponderada, se
preocupa com as diferenças existentes entre os grupos e a sua correspondência
com as diferenças dos regimes aplicáveis. No caso da proibição do arbítrio
inquire-se pela justificação constitucional de um tratamento diferenciado
partindo de fora, na medida em que se pergunta por razões externas que o
justifiquem, sem entrar em consideração com as características específicas de
cada grupo; diferentemente, a nova fórmula visa determinar se nos
atributos de cada grupo visado existe justificação para o tratamento
diferenciado. Em primeiro lugar, identificando as diferenças entre os grupos e,
estabelecidas estas, indagando da correspondência entre elas e a diferença de
tratamento adotada pelo legislador.
Decisivo é, portanto, que cada diferença de tratamento
tenha uma razão justificativa assente em diferenças objetivas entre os grupos,
sendo que as diferenças devem ser tanto de maior natureza e de maior relevância
quanto mais grave for a diferença de tratamento.
A maior densidade de controlo assim obtida, apelando
embora a uma ideia de ponderação (igualdade ponderada), não deve ser
confundida com o teste clássico da proporcionalidade dos direitos de liberdade.
Este assenta no juízo de um fim que deve ser perseguido por um determinado
meio, verificando, de seguida, a relação meio-fim, enquanto o teste da
igualdade configura uma comparação entre grupos de destinatários de normas e
regimes aplicáveis.
7. O
Tribunal Constitucional tem vindo a justificar, em arestos anteriores, a
diferença entre os grupos de trabalhadores em presença pelo facto de uns
vencerem por verbas públicas (ou recursos públicos) e os outros
não. Este argumento é relacionado com a eficácia da medida – que assim
terá um impacto certo, imediato e quantitativamente relevante nas despesas do
Estado.
Não posso acompanhar este argumento como fundamento da
não inconstitucionalidade do artigo 27.º da LOE. A fórmula mais exigente de
controlo do princípio da igualdade (igualdade ponderada), a que acima
aludi, ao exigir a verificação de uma relação interna entre as diferenças
detetáveis nos grupos de pessoas em causa e a diferença de tratamento dada pelo
legislador, evidencia que as razões de eficácia não podem servir
de justificação face ao princípio da igualdade, neste caso. A eficácia,
não é uma característica de qualquer dos grupos destinatários da norma. Antes
uma valoração externa da justificação da medida, em razão do resultado e não em
razão das diferenças detetadas nos grupos de pessoas em confronto.
Por outro lado, a diferença anotada – da perceção por
um grupo de remuneração através de verbas públicas – não revela natureza
e relevância suficientes para justificar o grau de tratamento mais oneroso a
que os trabalhadores do setor público estão sujeitos por via do artigo 27.º da
LOE. A circunstância de a entidade empregadora ser um ente público ou privado –
a diferença existente, de facto – não justifica a discriminação na redução dos
vencimentos. A solução legal proposta assenta numa ideia de poder dispositivo
unilateral do Estado sobre as remunerações de todos os trabalhadores do setor
público e pressupõe que a garantia do direito fundamental à retribuição não tem
igual expressão para todos os trabalhadores, o que não pode ser aceite. A Constituição
não distingue o grau de garantia que merece a remuneração dos trabalhadores do
setor público, privado ou do terceiro setor (artigo 59.º, n.º 3, da CRP).
Estas considerações são relevantes especialmente tendo
em conta que, como acima se começou por salientar, todos devem contribuir para
um objetivo que a todos aproveita: a diminuição do défice do Estado.
Não existe, pois, correspondência entre a
característica identificadora do grupo de pessoas formado pelos trabalhadores
do setor público e o tratamento diferenciado que lhes é proporcionado
relativamente aos demais cidadãos portugueses.
8. Os
motivos que me levam a considerar o artigo 27.º da LOE inconstitucional, à luz
do princípio da igualdade, implicam a mesma conclusão quanto ao artigo 31.º da
LOE, quando faz aplicar o artigo 27.º aos contratos por si abrangidos.
9. O
raciocínio desenvolvido quanto ao princípio da igualdade também tem
consequências relativamente ao meu juízo sobre a inconstitucionalidade parcial
do artigo 78.º da LOE.
Visando as medidas contidas no n.º 1 do artigo 78.º da
LOE equivaler à redução remuneratória imposta aos trabalhadores do setor
público, que considero inconstitucional nos termos do ponto anterior,
inevitável será concluir que também a suspensão e a redução das pensões ali
previstas enfermam de inconstitucionalidade por violação do princípio da
igualdade.
Também neste caso não se descortina diferença relativa
ao grupo de pessoas em causa que justifique a diferença de tratamento. O
estatuto de beneficiários ativos das prestações de que gozam os destinatários
da contribuição extraordinária, não justifica a imposição aos pensionistas de
um sacrifício adicional, relativamente aos outros cidadãos no equilíbrio das
contas do Estado. Aceitá-lo, tendo em vista compensar a transferência
extraordinária que houve necessidade de fazer do OE para o orçamento da
segurança social (v. Relatório do OE 2013, p. 121), seria onerar
especificamente um grupo de pessoas no financiamento das contas públicas.
10.
Diferente se afigura a análise da medida prevista no n.º 2 do artigo 78.º,
medida distinta da prevista no n.º 1, não só no que respeita aos objetivos
visados, como pelo âmbito de incidência definido.
Dirigida que é apenas a uma parte do montante da
pensão auferida, concretamente a parte que excede o montante máximo permitido
para as novas pensões (v. artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de
maio), a análise da medida orçamental contida no n.º 2 do artigo 78.º convoca a
ponderação de razões de justiça proporcional e solidariedade intrageracional
não neutralizadas pelo teste da igualdade empreendido no ponto anterior. Se
este teste conduziu à inconstitucionalidade da redução, por via orçamental, de
qualquer pensão (mesmo as mais elevadas), tendo em vista os fins prosseguidos
de atenuação do défice do Estado, nada impede, porém, que apesar de invalidadas
as reduções das pensões que visavam equivaler às reduções salariais dos
trabalhadores do setor público, se introduza uma medida que, numa situação
extraordinária de dificuldades financeiras do próprio sistema de segurança
social, imponha um sacrifício mais intenso àqueles que vêm beneficiando (e hão
de continuar a beneficiar) de condições privilegiadas que justificaram a
atribuição daqueles valores de pensões. Condições de que os atuais
contribuintes e futuros pensionistas não poderão beneficiar em razão das novas
regras adotadas na reforma do sistema, tendo em vista dotá-lo de
sustentabilidade financeira (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
188/2009, disponível em www.tribconstitucional.pt).
E sendo assim, a medida prevista no n.º 2 do artigo
78.º, vista de forma autónoma face à redução prevista no n.º 1, além de não se apresentar
como desigualitária, não se revela desproporcionada, num contexto de crise a
convocar medidas excecionais no prosseguimento do interesse público de
sustentabilidade da Segurança Social e consequente atenuação das necessidades
de financiamento através do OE.
11. Tendo em
conta o que foi dito, por maioria de razão, acompanho o acórdão no que diz
respeito à inconstitucionalidade dos artigos 29.º, 31.º, quanto à aplicação do
artigo 29.º aos contratos aí referidos, e 77.º da LOE.
Maria de Fátima Mata-Mouros
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido, para além do juízo de constitucionalidade
formulado quanto às normas constantes da declaração de voto conjunto, também
quanto ao juízo de não constitucionalidade relativamente à norma do artigo
78.º, pelas razões que, sucintamente, se passam a expor.
Haver-se-á, desde logo, de reconhecer que,
relativamente ao previsto em anteriores leis, a medida prevista na mencionada
norma introduz, agora, uma profunda reestruturação quanto ao seu âmbito
quantitativo como qualificativo. Efetivamente, passam a estar abrangidas pela
CES pensões de montante significativamente inferior ao que vinha acontecendo (a
partir de € 1.350), sendo agora visadas, paralelamente às pensões pagas por
entidades públicas, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a
qualquer título a aposentados, reformados, pré-aposentados ou equiparados que
não estejam expressamente excluídos pela lei.
Apesar de, no relatório do Orçamento de Estado para
2013, o Ministério das Finanças voltar a incluir a CES na lista de “Medidas
do Lado da Redução da Despesa”, visando com ela alcançar “um efeito
equivalente à medida de redução salarial aplicada aos trabalhadores do setor
público em 2011 e 2012”, certo é que tal qualificação é desmentida pela
configuração assumida pela figura. Com efeito, não é pelo facto de a medida em
causa incidir sobre todas as prestações pecuniárias vitalícias pagas a título
de pensões - sejam elas devidas por entidades públicas ou não – que há que
atribuir à CES uma “natureza híbrida”. Trata-se, pois,
indiscutivelmente, de um instrumento que opera pelo lado da receita e
que, não constituindo uma receita patrimonial, só pode reconduzir-se à
família das receitas tributárias, rectius, das prestações
pecuniárias coativas.
Ora, independentemente de saber se este tributo é um
verdadeiro imposto ou uma contribuição financeira, maxime, um tributo parafiscal,
sempre haverá que reconhecer que o mesmo viola um dos mais elementares
princípios do Estado de Direito, a saber, o princípio da segurança jurídica e
da proteção da confiança dos cidadãos (artigo 2.º da CRP).
Cumpre explicar porquê.
Não há dúvidas que a norma em crise não consubstancia
uma situação de retroatividade expressamente proibida pela Constituição. No
entanto, estando em causa um tributo, o princípio da proteção da
confiança não deixa aí de assumir particular relevo, se e na medida em que se
achem verificados os seus pressupostos operativos. Assim, à semelhança do que
vem a jurisprudência constitucional reconhecendo em numerosos e relevantes
arestos (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 556/2003, 128/2009 e 399/2010,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt),
a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida à luz do princípio da proteção
da confiança depende, em primeiro lugar, de um juízo sobre a consistência e
legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, e, em segundo lugar,
de um juízo quanto à prevalência do interesse público subjacente à
medida sobre o interesse individual sacrificado pela mesma, a efetuar
nos termos do princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da
proibição do excesso.
Ao contrário do que me parece decorrer do Acórdão,
estes requisitos cumulativos encontram-se preenchidos na hipótese vertente. De
facto, sendo certo que a CES não representa uma inovação do Orçamento de
Estado para 2013, integrando já os orçamentos de 2011 e 2012, julgo que,
escrutinadas as suas finalidades (v.g., garantir a sustentabilidade
financeira dos sistemas de proteção social, adaptar o montante de algumas
pensões ao esforço contributivo efetivamente verificado), a configuração que
veio a assumir não era previsível nem expectável por parte dos
contribuintes outrora não abrangidos.
Não se ignora, como aliás alertou o Acórdão n.º
399/2010 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
que o contexto de crise económico-financeira coloca, de per se, os
cidadãos de sobreaviso, mitigando nessa medida a possível imprevisibilidade
da atuação estadual nos domínios orçamental e tributário. Afigura-se-nos, ainda
assim, que aqueles contribuintes detinham expectativas consistentes quanto
à conservação do regime jurídico da CES, porquanto esta teria como desiderato,
paralelamente à obtenção de receita, a correção de anomalias verificadas
em algumas pensões a cargo do Estado (para além de que, como se afirma
no Acórdão, se está perante pessoas «…na situação de reforma ou aposentação, portanto,
chegadas ao termo da sua vida activa e obtido o direito ao pagamento de uma
pensão calculada de acordo com as quotizações que deduziram para o sistema de
segurança social, têm expectativas legítimas na continuidade do quadro
legislativo e na manutenção da posição jurídica de que são titulares, não lhes
sendo sequer exigível que tivessem feito planos de vida alternativos em relação
a um possível desenvolvimento da actuação dos poderes públicos susceptível de
se repercutir na sua esfera jurídica.»).
Depois, tais expectativas devem ter-se por legítimas.
Ou seja, não obstante existirem pensões cujos montantes se afiguram
manifestamente excessivos face às contribuições efetuadas, tal excesso é
produto de uma intervenção do legislador democraticamente legitimado, não sendo
reconduzível a uma situação de fraude, ilegalidade ou omissão (Jorge Reis
Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa,
Coimbra Editora, 2011, p. 267).
Finalmente, conclui-se que, atenta a configuração concretamente
assumida pela CES – isto é, tendo em consideração as taxas praticadas e o seu
âmbito de incidência objetivo e subjetivo – esta não respeita os ditames do
princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, revelando-se desnecessária
e certamente desproporcionada em face dos fins públicos visados. Por um
lado, a figura em crise sofre de um deficit claro de racionalidade: o
seu âmbito subjetivo de aplicação é mais amplo do que aquilo que seria
consonante com o escopo que lhe é inerente, circunstância, aliás, igualmente
reveladora da sua inexigibilidade. Por outro, a ablação infligida a
certos sujeitos passivos é muitíssimo severa, sobretudo se se tiver em
conta não só a progressividade das taxas aplicadas, como a circunstância
de ao esforço implicado pela CES acrescerem ainda as demais medidas do OE 2013 também
incidentes sobre os rendimentos provenientes de pensões (concretamente, o
agravamento das taxas gerais de IRS, a taxa adicional de solidariedade e a
sobretaxa em sede de IRS).
Da imprevisibilidade e irracionalidade da
alteração introduzida, conjugadas com a gravidade da penalização em que
a mesma se traduz, decorre, em meu entender, a não prevalência do
interesse público sobre os interesses particulares em presença, havendo que
concluir, atento o iter percorrido, pela violação do princípio da
proteção da confiança, dedutível do artigo 2.º da CRP, e, consequentemente,
pela inconstitucionalidade da norma visada.
J. Cunha Barbosa
DECLARAÇÃO DE VOTO
I.
Acompanhei a presente decisão na parte em que declarou
a inconstitucionalidade:
- da norma do artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012 (alínea
a) da decisão);
- da norma do artigo 77.º da Lei n.º 66-B/2012 (alínea
c) da decisão);
- da norma do artigo 117.º, n.º 1, da Lei n.º
66-B/2012 (alínea d) da decisão).
II.
Fiquei parcialmente vencida:
- quanto à norma do artigo 31.º, da Lei n.º 66-B/2012
(alínea b) da decisão), que manda aplicar o disposto nos artigos 27.º e
29.º aos contratos de docência e de investigação (ver VI.);
- quanto à norma do artigo 186.º, da Lei n.º
66-B/2012, na parte em que altera os artigos 78.º e 85.º do CIRS, abolindo por
completo as deduções à coleta relativas à satisfação de necessidades básicas
como as de saúde, de educação ou habitação (alínea e) da decisão) (ver VII.).
III.
Relativamente às restantes normas impugnadas, a meu
ver, o Tribunal deveria, ainda, ter formulado um juízo de
inconstitucionalidade:
- quanto à norma do artigo 27.º, da Lei n.º 66-B/2012,
que mantém, pelo terceiro ano consecutivo, a redução salarial da função pública
(ver IV.);
- bem como quanto à norma do artigo 78.º, da Lei n.º
66-B/2012, que prevê a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) (ver V.).
Fiquei, consequentemente, parcialmente vencida relativamente
à alínea e) da decisão.
As razões pelas quais, nestes pontos, dissenti da
maioria são, no essencial, as seguintes:
IV.
Quanto à norma do artigo 27.º, da Lei n.º 66-B/2012,
que prevê a redução das remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que
se refere o n.º 9, de valor superior a € 1500:
Revisitando a decisão deste Tribunal respeitante às
reduções remuneratórias impostas a quem recebe por verbas públicas (Acórdão n.º
396/2011), verifica-se que o fundamento essencial que, então, conduziu a que se
salvasse tal medida de um juízo de inconstitucionalidade não pode, atualmente,
merecer acolhimento. Na verdade, em 2011, o Tribunal, ao admitir tal redução
remuneratória como não violadora da Lei Fundamental, fundou o seu entendimento
na, à época, indiscutível urgência e imperatividade da solução: em face da
invocada absoluta necessidade da obtenção, de forma rápida e certa, de um
elevado valor precisamente quantificado, para, reduzindo o peso da despesa,
coadjuvar a realização de objetivos orçamentais essenciais ao reequilíbrio das
contas públicas, a solução passaria necessariamente pela diminuição,
excecional, das remunerações dos trabalhadores do ativo que auferem por verbas
públicas, solução apresentada como indispensável em razão da sua eficácia
imediata e certeza. E, nessa medida, aceitando não haver razões que, de modo
evidente, demonstrassem a existência de outras soluções de igual eficácia,
certeza e celeridade, o Tribunal, não afastando a indispensabilidade de tal
medida, admitiu que a diferenciação então estabelecida se encontrava ainda
dentro do limite do sacrifício, em virtude da sua transitoriedade e montantes,
não decidiu pela sua desconformidade constitucional.
Volvidos três sucessivos exercícios orçamentais, o
corte de remunerações, três vezes reiterado, não encontra já respaldo na
Constituição: o argumento, fundamental, do resultado imediato perdeu-se, e
torna-se incompreensível a invocação da imperatividade ou natureza
insubstituível da solução para a preservação da capacidade financeira do
Estado, por não haver soluções alternativas, de outra natureza, através das
quais se chegasse a igual valor certo. Aliás, esta razão, utilizada no acórdão
para fundamentar a inconstitucionalidade do artigo 29.º, a que aderi, não pode
deixar de estender-se, a meu ver, ao artigo 27.º.
Acresce que o caráter cego da desigualdade mantida
pelas reduções remuneratórias só pôde ser constitucionalmente suportável num
contexto de efetiva provisoriedade, enquanto solução meramente conjuntural e
imediata, justificada pela sua infungibilidade quando se procura atingir um
objetivo legítimo e premente.
Refira-se que o facto de a medida, reconhecidamente
anual, ter surgido inserida num plano plurianual, logo no primeiro exercício
orçamental, não pode ser determinante para a sua aceitação automática por todo
o período que a tal plano corresponda. E será ainda mais inaceitável que se
possa assumir, por antecipação, a conformidade constitucional da medida por
todo esse período, adotando-se a solução como justificada, à partida,
independentemente da posterior evolução das condições em futuros exercícios
orçamentais a exigirem, ou não.
Significativamente, o legislador, contrariamente à
solução legal estabelecida para a suspensão dos subsídios, não consagrou
expressamente, no caso das reduções remuneratórias, uma vigência plurianual.
Note-se que já anteriormente, pretendendo o Tribunal,
no Acórdão n.º 396/2011, de modo veemente, vincar a transitoriedade da redução
remuneratória, não deixou de sublinhar que a norma revestia cariz
orçamental/anual. O Acórdão de 2011 referiu que mesmo uma vocação plurianual
não dispensaria a renovação da solução nas leis orçamentais subsequentes,
durante a vigência do (então) PEC, já que a norma caducaria no termo do ano a
que se refere o orçamento.
Razões mais do que suficientes para reafirmar que,
quando requerido, o Tribunal Constitucional pudesse reavaliar a solução
reiterada, para apurar se o sacrifício adicional que é exigido a uma especial categoria
de pessoas é, ainda, de modo evidente, a única forma de, atuando pelo lado da
despesa, e com eficácia certa e imediata, atingir os objetivos pretendidos,
sendo, tal solução, nessa medida, absolutamente indispensável.
A meu ver não o é. E a decisão agora prolatada parece
corroborar isto mesmo (ponto 41 do Acórdão). Todavia, limitou-se a extrair
consequências relativamente à suspensão dos subsídios, avaliando o agravamento
relativamente ao ano de 2012, não estendendo tal juízo, a meu ver incompreensivelmente,
às reduções remuneratórias. E também não deixa de sustentar que não serve hoje
de justificação para a supressão de um dos subsídios que integram a retribuição
dos trabalhadores da Administração Pública, a par da diminuição da remuneração
mensal, que essa seja ainda a medida que apresenta efeitos seguros e imediatos
na redução do défice e a única opção. Ora, valendo tal raciocínio relativamente
à suspensão de subsídios, deveria valer também para as reduções salariais,
considerando-se que a redução da remuneração dos trabalhadores que recebem por
verbas públicas, globalmente considerada, não pode hoje ter-se como a única
opção cujos efeitos seriam seguros e imediatos na redução do défice. Assim,
mesmo não se considerando ultrapassada a difícil situação económica, e
aceitando-se que se mantém o mesmo interesse público legítimo ligado a
objetivos orçamentais essenciais ao reequilíbrio das contas públicas, com o
decurso do tempo, não pode já justificar-se a imposição de uma redução
remuneratória desigualitária com a sua imprescindibilidade (no sentido de opção
única) para arrecadar um valor determinado de forma imediata.
Não tendo o Tribunal formulado um juízo de
inconstitucionalidade relativamente à norma que procedeu à redução
remuneratória prevista no artigo 27.º, mantendo a redução, são ainda mais
fortes as razões para concordar com a decisão de inconstitucionalidade no que
respeita à suspensão do subsídio de férias prevista no artigo 29.º, aceitando,
no essencial, os fundamentos avançados na decisão, já que esta outra forma de
redução remuneratória, em conjunto com outras medidas de alcance geral,
aprofundou o agravamento dos sacrifícios acumulados e continuados que levaram a
que se considerasse violado o princípio da igualdade na repartição dos encargos
públicos e o princípio da igualdade proporcional.
Mas, ainda que este acrescido sacrifício houvesse sido
afastado por inconstitucionalidade, sempre, a meu ver, se deveria manter
idêntica solução.
Por um lado, ainda em razão dos sacrifícios
acumulados: os trabalhadores que recebem por verbas públicas, a par de medidas
mais gerais que a todos afetam (como o aumento da carga fiscal, a diminuição
dos escalões, o aumento das taxas e diminuição das deduções, a sobretaxa de
3,5% do IRS; mas também, de outras medidas que podem refletir-se no orçamento
das famílias, como o aumento do IVA e do IMI), sofreram já sacrifícios
acumulados e reiterados que os tocaram especialmente, entre os quais: a redução
de remunerações iniciada em 2011 e mantida em 2012 (e, por força desta decisão,
ainda em 2013), o congelamento de salários (com desvalorização agravada com a
inflação), a proibição de valorizações remuneratórias decorrentes de
progressões ou promoções, a alteração das regras das ajudas de custo nas
deslocações em serviço, a redução adicional na compensação sobre o valor do
trabalho extraordinário e, na prática, a suspensão dos subsídios de férias e de
Natal de 2012, situações que agravaram o seu dia a dia, obrigaram à utilização
de poupanças, diminuíram a sua capacidade de endividamento.
O que conduz à iniquidade da redução remuneratória não
é já a ausência de esforço dos titulares de outros rendimentos, agora
igualmente visados, ou do esforço de titulares de rendimento de trabalhadores
do setor privado, também penalizados por medidas universais de agravamento
fiscal, mas sim a inexistência de justificação suficiente para manter a
assimetria, com tal efeito continuado de sacrifícios. E a assimetria é tanto
mais pronunciada quanto menor é o rendimento disponível, já que o rendimento
vale tanto mais quanto menor ele é.
Por outro lado, como salientei, fundamental é notar
que, repetida em três exercícios orçamentais consecutivos, à redução salarial -
seja ela resultante da redução remuneratória imposta pelo artigo 27.º, ou relativa
aos subsídios (artigo 29.º) - não pode continuar a servir de justificação a
invocação de que esta seria, ainda, a única opção que apresenta efeitos seguros
e imediatos na redução do défice, em detrimento de outras soluções alternativas
de redução da despesa pública.
Por todo o exposto, teria declarado a
inconstitucionalidade do artigo 27.º, da Lei n.º 66-B/2012, que prevê a redução
das remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas que recebem por verbas
públicas, de valor superior a € 1500.
V.
Relativamente à norma do artigo 78.º, da Lei n.º
66-B/2012, que prevê a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES):
Contrariamente à maioria, considero que a CES é um
tributo sujeito à Constituição fiscal, convocando o disposto no artigo 104.º,
n.º 1, da CRP. Assim sendo, a CES viola, a meu ver, princípios basilares como o
da universalidade do imposto, da igualdade perante os encargos públicos, da
capacidade contributiva, e da proibição do excesso.
A CES foi concebida como uma medida puramente conjuntural,
de obtenção de receita, que de forma unilateral e coativa incide sobre pensões
do sistema público de segurança social (sistema previdencial da segurança
social e sistema de proteção social da função pública, correspondentes ao 1.º
pilar do sistema de segurança social) e sobre as prestações geradas pelos
regimes complementares de segurança social (2.º pilar do sistema de segurança
social), destinada a reforçar o financiamento da segurança social. Apesar de no
relatório sobre o OE para 2013 a CES estar incluída na lista das medidas do
lado da redução da despesa (qualificação que, aliás, não mereceu a concordância
do Parecer Técnico da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da
República), a verdade é que tal qualificação não pode aceitar-se, já que a CES
não abrange apenas pensões que oneram o sistema público de segurança social,
aplicando-se também às prestações do sistema complementar (e substitutivo) que
nada pesam sobre aquele. E, por isso, também não pode colher a ideia de que com
esta medida se busca a introdução de reduções da despesa com efeito equivalente
à redução salarial dos trabalhadores do setor público.
A CES reveste, essencialmente, características de
imposto de natureza parafiscal, sobre o rendimento de pensionistas e reformados,
distinto do IRS, com escalões e progressividade diferentes deste, com
distinta base de incidência (veja-se, nomeadamente, que é sobre o rendimento
bruto, ao contrário do IRS, que incide sobre o rendimento após as deduções
específicas).
Divirjo da maioria já que vejo na CES um caráter
absolutamente unilateral, não sinalagmático, nem associado a um benefício
individualizado ou a uma contraprestação específica a quem a ela fica sujeito.
Isto assume particular evidência no caso das pensões pagas por pessoas coletivas
de direito privado ou cooperativo, como as instituições de crédito, através dos
fundos de pensões, das companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de
pensões, ou de pessoas coletivas de direito público como a Caixa de Previdência
da Ordem dos Advogados ou dos Solicitadores, já que estas, em si mesmas, em
nada oneram o orçamento da Segurança Social. Mas também resulta claro do facto
de, em geral, as contribuições para a segurança social virem sendo consideradas
como prestação do trabalhador no ativo e do empregador para o pagamento de
pensões, numa lógica de repartição, e não numa lógica de contraprestação a
cargo do interessado (sistema PAYG). (ver p. 192-193)
Ao contrário da maioria, não tenho como suficiente
para afastar a unilateralidade de tal prestação um qualquer difuso benefício
que do sistema de segurança social retirem, de modo longínquo, os beneficiários
das pensões dos regimes substitutivos ou, mesmo, os dos regimes complementares,
no que ao complemento de pensão respeita.
O procedimento de arrecadação de receita (artigo 78.º,
n.º 8), que se assemelha ao modo de arrecadação de receitas fiscais, também
contribui para a qualificação da medida como imposto de natureza para fiscal.
Não se argumente, para furtar a CES à qualificação como
imposto, que a CES é uma receita consignada a satisfazer as necessidades do
subsistema contributivo da segurança social, o que afastaria a sua qualificação
como imposto: na verdade, este tipo de contribuições destinadas à segurança
social estão afetas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do
sistema previdencial, mas também de outras, como as políticas ativas de emprego
e de formação profissional (ver, v.g, Nazaré Costa Cabral, «Contribuições para
a segurança social: um imposto que não ousa dizer o seu nome?», Estudos em
homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol. IV, FDUL, 2010, p. 295).
Mas, mesmo que, em face da sua bizarria, admitisse que
a CES é um tertium genus, não inteiramente enquadrável na categoria de
imposto, sempre andaria próximo de jurisprudência do Tribunal Constitucional
que sustentou a aplicação dos princípios constitucionais recortados para os
impostos aos tributos intermédios (Acórdãos n.os 183/96 e 1203/96),
salvo no que diz respeito ao princípio da reserva de lei formal. (Na doutrina,
entre nós, Casalta Nabais também considera que a sua sede é a Constituição
fiscal, Direito fiscal, 7.ª Edição, Coimbra, 2013, p. 586-587).
Em minha opinião, a indispensabilidade da aplicação do
regime da Constituição fiscal a tributos sui generis como este, pretende
obstar à criação deliberada, pelo legislador, de medidas de obtenção de receita
intencionalmente equívocas que, por revestirem características de ambos os
mundos, se furtariam à aplicação dos princípios e regras em matéria de
impostos.
E, no caso em apreço, é particularmente visível que se
justificam as razões de tutela.
Assim encarada a CES, defendo, por razões que aqui
exponho sumariamente, que esta, recaindo apenas sobre uma só categoria de
contribuintes, que corresponde a um universo específico de pessoas, delimitado
em função da sua condição de inatividade laboral, se configura como um imposto
de classe, uma medida seletiva, que não encontra fundamento racional bastante,
sendo, consequentemente, violadora do princípio da universalidade e da
igualdade tributária.
A CES também desrespeita a capacidade contributiva,
pondo em causa a pessoalidade do imposto, ao não atentar nas necessidades e
rendimentos reais do agregado familiar, isto é, não ponderando o real
rendimento disponível, já que, contrariamente ao IRS, não leva em linha de
conta deduções à coleta em matéria de saúde, educação, pessoas a cargo, por
exemplo.
Saliente-se, igualmente, que considerar-se a CES como
uma medida conjuntural de correção de pensões de elevado montante que não
encontram correspondência nos descontos realizados, destinada a recuperar
receitas, seria desrazoável: a adoção de tal mecanismo corretivo, onerando
indistintamente todos os que recebem prestações sociais vitalícias, mesmo
aqueles que tiveram uma efetiva carreira contributiva, havendo procedido a
descontos suficientemente elevados ao longo da vida, assim tendo por base uma
adequada sustentação contributiva constituída na vida ativa por si e pelas
entidades empregadoras, violaria o princípio da proibição do excesso. Por outro
lado, tal correção nunca poderia ter lugar através de uma medida episódica e,
como acabamos de ver, cega.
Por fim, mas não menos importante, é de sublinhar que não
acolho o argumento de que a CES se justificaria também por um dever de
solidariedade intergeracional: um tal objetivo jamais pode ser prosseguido por
uma medida meramente conjuntural e avulsa. Ora a CES, como foi concebida,
enquanto receita extraordinária, não é uma medida estrutural, pensada para a
solvabilidade do sistema, não podendo, por isso, ser encarada como uma medida
com o propósito de reduzir encargos lançados sobre as gerações futuras.
Razões pelas quais, em meu entender, o Tribunal
deveria ter declarado a inconstitucionalidade da Contribuição Extraordinária de
Solidariedade.
Não havendo o Tribunal considerado a CES violadora da
Constituição - o que a conservará - não posso, por maioria de razão, deixar de
aderir, no essencial, aos argumentos utilizados no acórdão para fundamentar a
inconstitucionalidade da suspensão do subsídio de férias dos aposentados,
reformados e pensionistas, na medida em que a CES, juntamente com outras
medidas de incidência geral, contribuiu para o agravamento dos sacrifícios
acumulados que justificam a violação do princípio da igualdade proporcional.
No entanto, sempre se dirá que mesmo que a CES
houvesse sido afastada por um juízo de inconstitucionalidade, ficando menos
pesados os sacrifícios, a meu ver, seria sempre de manter idêntico juízo
relativamente à suspensão dos subsídios de férias dos aposentados, reformados e
pensionistas, por violação do princípio da proteção da confiança. A posição
deste segmento da população, relativamente à dos trabalhadores do ativo, por
exemplo, é digna de especial ponderação no que à proteção da confiança diz
respeito (para tal muito contribuindo o direito à segurança económica das
pessoas idosas, previsto no artigo 72.º, n.º 1, da CRP), já que é um grupo de
pessoas muito mais sensível ao impacto das medidas de contração das prestações
a que tem direito. Referimo-nos, afinal, a um segmento da população que, na sua
maioria, se encontra em especial situação de vulnerabilidade e dependência e
que, por naturais razões atinentes à sua idade (e, muitas vezes, à saúde) se
mostra incapaz de reorientar a sua vida em caso de alteração inesperada das
circunstâncias. Entendo, por estas razões, que não podem ser afetadas neste
grau, as suas expectativas relativamente às prestações fixadas – e refiro-me,
sobretudo, a certas faixas de pensões que realizaram efetivos descontos durante
uma carreira contributiva – nem neste grau prejudicada a tutela do investimento
na confiança que o acórdão também refere. Reconhecendo que o interesse público
prosseguido com esta medida é, igualmente, digno de tutela, não pode, no
entanto, em minha opinião, deixar de se considerar que é excessiva a medida da
afetação da confiança infligida a uma faixa da população que depende desta
prestação social para garantir a sua independência económica e a sua autonomia
pessoal (tanto mais que foram já afetados por outras medidas gerais de
austeridade, e que, nalguns casos, deles voltou, de novo, até, a depender a
família).
Por último, faço notar que entendo que a CES partilha
com a contribuição incidente sobre os subsídios de doença e desemprego a
característica de medida de obtenção de receita, o que, não sendo consensual,
não impede ter eu aderido ao fundamento do acórdão para declarar a
inconstitucionalidade do artigo 117.º, independentemente da sua caracterização.
VI.
Estou parcialmente vencida quanto à norma do artigo
31.º, da Lei n.º 66-B/2012 (alínea b) da decisão), que manda aplicar o
disposto nos artigos 27.º e 29.º aos contratos de docência e de investigação, já
que o efeito da inconstitucionalidade do regime destes artigos se projeta sobre
a validade constitucional do artigo 31.º. Atendendo ao sentido do meu voto, o
artigo 31.º seria consequencialmente inconstitucional, não apenas na medida em
que torna aplicável a docentes e investigadores o regime do artigo 29.º
(suspensão de subsídios), mas também pela remissão que opera para o artigo 27.º
da Lei n.º 66-B/2012 (redução remuneratória).
VII.
Fiquei, ainda, parcialmente vencida quanto à decisão
relativa à norma do artigo 186.º, da Lei n.º 66-B/2012, na parte em que alterou
os artigos 78.º e 85.º do CIRS, abolindo completamente as deduções à coleta
relativas à satisfação de necessidades básicas como as de saúde, de educação ou
habitação (pontos 102 a 107 do acórdão).
A maioria decidiu que não apenas a redução, mas também
a total exclusão das deduções à coleta era, ainda, constitucionalmente
tolerável. Ora, mesmo que seja possível sustentar-se que a Constituição não
fixa um limite mínimo de deduções subjetivas, o que dificultaria um juízo de
inconstitucionalidade ainda que estas assumam valores meramente simbólicos,
dúvidas não pode haver quanto à necessidade, constitucionalmente firmada, de
consideração das despesas relativas à satisfação de necessidades básicas, que
sempre resulta contrariada quando a solução legislativa consista numa
eliminação total das deduções que lhe respeitem.
Sublinhe-se que este tipo de deduções subjetivas
pretende atender à diminuição da capacidade contributiva resultante de despesas
imprescindíveis à existência, não se referindo a situações de benefícios
fiscais encorajadores de comportamentos (de poupança, de aquisição de
equipamentos, de cobertura de riscos, etc), que ficam numa zona de muito
maior disponibilidade por parte do legislador.
Muito embora se aceite que o princípio da capacidade
contributiva confere ao legislador fiscal margem de liberdade de conformação,
não definindo com exatidão o quantum do limite mínimo admissível das
deduções à coleta, sempre se dirá que a observância desse mesmo princípio não
pode conviver com a total ablação destas em qualquer dos escalões. Se pode
haver dúvida de concretização quanto ao grau da consideração dos descontos ao
imposto derivados de necessidades básicas, dúvidas não pode haver de que o «grau
0» de deduções é incompatível com a exigência constitucional.
As deduções subjetivas
relativas à satisfação de necessidades básicas, sendo essenciais para que se
recorte o rendimento líquido disponível, permitem que cada contribuinte pague
na medida da sua capacidade, desta forma se assegurando a igualdade através da
personalização do imposto.
A exigência de um sistema de tributação que atenda à
capacidade contributiva, considerando não apenas os rendimentos, mas também as
necessidades do agregado familiar, tem suporte constitucional no artigo 104.º,
que determina que o imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das
desigualdades, devendo ter em conta as necessidades e os rendimentos do
agregado familiar. Ao impor ao legislador que assim molde o sistema fiscal, a
Constituição procura garantir uma repartição justa dos rendimentos e da
riqueza, e a diminuição das desigualdades (artigo 103.º da Constituição).
Não aceito como válido o argumento de que a total
exclusão das deduções à coleta seria admissível por penalizar titulares de
rendimentos mais elevados que estariam em condições de suportar as suas
necessidades básicas: independentemente das potenciais condições indiciadas
pelo rendimento bruto (subjetivo) destes contribuintes, ao banir as deduções
pessoais, o legislador infraconstitucional desconsiderou a real capacidade de
cada contribuinte para pagar impostos, já que, sem elas, se perde um elemento
diferenciador essencial na determinação de um rendimento disponível
personalizado, o que conduz a um tratamento horizontalmente desigual.
A total insensibilidade às despesas básicas que
reduzem a capacidade contributiva, mesmo que num só escalão, e ainda que seja o
mais alto, sempre contrariaria a exigência de justiça horizontal, dentro do
escalão, a que também deve obedecer a tributação.
E não se esqueça que a enorme redução nas deduções
operada a partir do escalão de mais de €40 000, e a sua total abolição acima
dos €80 000, foram instituídas em simultâneo com a redução do número de
escalões e com a criação de uma sobretaxa extraordinária que, em conjunto,
contribuíram fortemente para a diminuição da progressividade do imposto, o que
agrava o impacto da desigualdade horizontal resultante da desconsideração das
reais faculdades contributivas de cada um. Relembre-se, também, que o atual 5.º
e último escalão (rendimento coletável superior a €80 000) corresponde, hoje, a
parte do anterior 7.º escalão (que abrangia rendimentos coletáveis entre €66
045 e €153 300) e ao 8.º escalão (acima de €153 300), nele se contendo
realidades muitíssimo diversas (o limite mínimo do rendimento coletável é
praticamente metade do seu limite máximo).
Por outro lado, se o sistema agora gizado mantém a
majoração das deduções à coleta por cada dependente ou afilhado civil, quando a
elas haja lugar (em respeito pela obrigação de considerar fiscalmente o
agregado familiar), passou a desconsiderar outras obrigações para com a
família, abolindo totalmente, no escalão mais elevado, os abatimentos relativos
a pensões de alimentos, bem como, no que respeita às obrigações para com a
família mais alargada, excluindo os encargos com os lares de ascendentes (com a
insensibilidade em que isso se traduz numa faixa etária especialmente
vulnerável e particularmente carregada de despesas de saúde).
Sendo a capacidade contributiva o critério que o
legislador deve eleger para medida do imposto de cada um - e independentemente
das dificuldades de encontrar uma suficiente densificação do limite mínimo
ainda constitucionalmente admissível (problema que logo se identifica no
simbólico limite do 4.º escalão) - sempre se deveria concluir, sem dúvidas, que
a total desconsideração das deduções à coleta desrespeita uma regra essencial
da Constituição fiscal.
Assim sendo, considerei que a norma do artigo 186.º,
da Lei n.º 66-B/2012, na parte em que alterou os artigos 78.º e 85.º do CIRS,
abolindo completamente as deduções à coleta, não está em conformidade com a Lei
Fundamental, por violação do princípio da capacidade contributiva enquanto
critério da tributação.
VIII.
Acompanhei a declaração de inconstitucionalidade da
norma prevista no artigo 117.º, da Lei n.º 66-B/2012, subscrevendo os
argumentos do acórdão. Contudo, entendo que o limite mínimo sustentado na
decisão (e legalmente fixado, com o que isso tem de volatilidade) pode ainda
tornar a medida demasiado penosa para alguns destinatários, sobretudo se
pensarmos que, relativamente aos pensionistas e trabalhadores no ativo que
recebem por verbas públicas, o legislador teve o cuidado de definir um patamar
mais elevado, abaixo do qual as remunerações e pensões não seriam atingidas
pelos cortes.
No caso destas contribuições sobre o subsídio de
desemprego e de doença, não o tendo feito, o legislador deixou desprotegida uma
categoria de cidadãos que recebem prestações de muito baixo valor, solução que
está em desconformidade com o princípio da proporcionalidade (artigo 2.º da
CRP). A solução adotada pelo Tribunal garante já alguma proteção que, a meu ver
seria garantida de forma mais justa se o legislador tivesse fixado, ele mesmo,
um patamar mínimo, segundo critérios de razoabilidade e paridade com outras
categorias de cidadãos.
IX.
Se é verdade que, à partida, todas as normas gozam de
presunção de constitucionalidade, não sendo exceção as normas orçamentais ou
fiscais, a confiança creditada ao legislador não aumenta nos ciclos de crise.
As leis orçamentais e fiscais, potencialmente ameaçadoras de direitos
fundamentais, vivem sempre, como as demais, num tempo que é sempre o da
Constituição. O prolongamento, ou mesmo o agravamento, dos momentos difíceis
não deve trazer consigo um inelutável aligeirar do controlo da
constitucionalidade das normas. Pelo contrário, bem se compreende que, nos
momentos de tensão e de dificuldades várias, a Lei fundamental assuma papel destacado,
enquanto bitola delimitadora da margem de liberdade de que dispõe o legislador.
E se a energia vinculativa de uma norma constitucional pode, em certos aspetos
e com apertados critérios, esmorecer no confronto com um interesse público de
relevância absolutamente indiscutível, ainda e sempre a criatividade do
legislador terá de funcionar no quadro da Constituição.
Com base nos fundamentos sumariamente enunciados,
afastei-me do juízo maioritário quanto às normas acima mencionadas em IV.
(redução remuneratória dos trabalhadores que recebem por verbas públicas), V.
(CES), VI. (extensão do artigo 27.º aos contratos de docência e
investigação) e VII. (no que respeita à total ablação de deduções à
coleta), considerando que também estas padecem de inconstitucionalidade.
Catarina Sarmento e
Castro
DECLARAÇÃO DE VOTO
A) Divergi das decisões expressas na alínea a)
e na alínea c) da Decisão do presente Acórdão no que respeita às normas do artigo
29.º e do artigo 77.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, exceto no que
respeita à norma do n.º 2 do artigo 29.º e à norma do n.º 4 do artigo 77.º,
pelas razões essenciais que de seguida se explicitam.
Os artigos 29.º e 77.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro, consagram medidas de suspensão do subsídio de férias ou equivalente
dos trabalhadores do setor público e dos aposentados e reformados pagos por
verbas públicas.
O presente Acórdão parte, na apreciação da questão de
constitucionalidade, do critério de apreciação que enunciou e aplicou nos
Acórdãos n.º 396/2011 e n.º 353/2012, reconhecendo que o mesmo conserva plena
validade. Tal critério, respeita, por um lado, à existência de um fundamento
para a diferenciação – daqueles que recebem remunerações e pensões pagas por
verbas públicas – e, por outro lado, à medida dessa diferença.
Para tal convoca o princípio da igualdade proporcional
que «implica a consideração do grau de diferenciação imposto, quer na sua
relação com as finalidades prosseguidas – o que pressupõe que as medidas
diferenciadoras sejam impostas em grau necessário, adequado e não excessivo do
ponto de vista do interesse que se pretende acautelar (…) -, quer no âmbito da
comparação entre os sujeitos afetados pela medida e os sujeitos que o não são
e, do ponto de vista daquela finalidade, entre uns e outros e o Estado (…)»,
estando em causa os limites do sacrifício adicional imposto aos primeiros.
Entende-se que, no contexto de aprovação do Orçamento
de Estado para 2013, de excecionalidade económico-financeira, subsistem as
razões de interesse público, inerentes à «Estratégia de consolidação
orçamental» determinada pelas obrigações específicas assumidas pelo Estado
português ao nível internacional (Fundo Monetário Internacional) e da União
Europeia, na sequência do pedido de ajuda financeira externa, que podem ainda
justificar a diferença de tratamento daqueles que auferem rendimentos pagos por
verbas públicas que, por essa razão, podem ser chamados a suportar um esforço
adicional face ao imperativo de adoção de medidas de redução de despesa que
concorram para o cumprimento daquelas obrigações.
O controlo constitucional agora convocado para as
normas constantes dos artigos 29.º e 77.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro, que aprova o orçamento de Estado para o ano de 2013, não pode contudo
deixar de ponderar a atenuação da medida da diferença entre os encargos
impostos aos que auferem remunerações por verbas públicas e os que auferem
remunerações por verbas privadas, cujos limites se tiveram por ultrapassados no
Acórdão n.º 353/2012 pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 na ablação,
relativamente apenas aos primeiros, dos subsídios de férias e de Natal, por
violação do princípio da igualdade proporcional. Com efeito, diversamente do
então apreciado, o Orçamento de Estado para 2013, mantendo embora medidas de
suspensão do pagamento subsídio em causa que oneram especialmente os
trabalhadores e os pensionistas pagos por verbas públicas, atribui-lhes alcance
mais reduzido (por apenas incidirem, no todo ou em parte, sobre o subsídio de
férias ou equivalente) e previu igualmente, entre outras, medidas de natureza
fiscal com alcance universal repartindo de modo diverso os encargos públicos.
Por isso se entende que não se verifica de forma evidente a desigualdade de
tratamento na repartição dos encargos públicos que justificou o juízo de
inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 353/2012 por se encontrarem
ultrapassados os limites do sacrifício. Assim, e sendo certo que, mesmo com a suspensão
de apenas um dos subsídios devidos, no todo ou em parte, e não já dos dois, os
trabalhadores e pensionistas do setor público se mostram, com o atual
Orçamento, mais onerados na distribuição dos encargos públicos, por comparação
com os trabalhadores e pensionistas do setor privado, a diferença de
tratamento, fundamentada na diferença de posições dos abrangidos e dos
excluídos da medida em causa, não se afigura excessiva e desproporcionada,
enquanto expressão de uma medida excecional e transitória, não definitiva,
justificada em face do interesse público de contenção da despesa pública e de
redução do défice para tanto invocado.
Não obstante subsiste, em nosso entender, uma questão
que deve ser apreciada não na perspetiva da medida da diferença entre os
destinatários das medidas em causa e os demais cidadãos, mas na perspetiva dos
efeitos da medida dentro do universo dos seus destinatários.
Com efeito, na sua formulação – e como se revela
evidente por aplicação do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012, e do n.º 4
do artigo 77.º da mesma Lei – a medida de «suspensão do pagamento do subsídio
de férias ou equivalente» prevista naqueles artigos abrange trabalhadores do
setor público e pensionistas pagos por verbas públicas que auferem menores
rendimentos, abrangendo a faixa entre os 600 e os 1100 euros mensais, estando o
primeiro destes limites próximo do mínimo de existência em termos de rendimento
líquido de imposto previsto no n.º 1 do artigo 70.º do Código do Imposto sobre
o Rendimento das Pessoas Singulares.
Secundando-se a fundamentação do acórdão na parte que
respeita à não atribuição de estatuto jusfundamental ao direito à
irredutibilidade do montante da retribuição (cfr. n.º 26), extensivo, por
identidade de razão, à prestação pecuniária correspondente ao subsídio de
férias ou a quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês, merecerá especial
tutela a situação daqueles que, auferindo retribuições ou pensões mais baixas,
ainda são abrangidos pelas medidas em análise. Estas medidas devem ser apreciadas
tendo em conta a remuneração anual no seu todo considerada e o impacto sobre a
capacidade de fazer face à subsistência, a práticas vivenciais em razão do
agregado familiar compatíveis com uma existência condigna e autónoma e a
encargos e compromissos assumidos. Não se afigura desrazoável supor que no
segmento de rendimentos em causa o rendimento disponível para fazer face a
onerações de rendimento justificadas por motivos de interesse público, seja
muito diminuto ou mesmo inexistente, por todo o rendimento ser alocado à
satisfação de necessidades essenciais inerentes à existência e a compromissos
básicos que concorram para essa existência, como o custo da habitação, da
alimentação, da saúde e dos transporte – e outros custos, designadamente os
derivados de outros direitos fundamentais como o direito à educação ou o acesso
à cultura.
Por essa razão, as medidas de suspensão do subsídio de
férias ou equivalente, ainda que em parte, no que respeita ao segmento em
causa, de rendimentos menos elevados representam face aos fins de interesse
público por elas visados, um sacrifício que ultrapassará os limites de
exigibilidade requeridos pelo princípio da proporcionalidade. Neste sentido
mostrar-se-á desrespeitada uma das dimensões do princípio da igualdade proporcional,
decorrente dos artigos 2.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, na
comparação entre os fins de interesse público e os meios em causa para os
prosseguir por o sacrifício exigido ao segmento em causa assumir uma
intensidade acrescida face aos demais abrangidos pela medida.
Pelo exposto nos pronunciámos no sentido da
inconstitucionalidade das normas do n.º 2 do artigo 29.º e do n.º 4 do artigo
77.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
B) Divergi quanto à decisão expressa na alínea e) da
Decisão do presente Acórdão no que respeita às normas do artigo 78.º da Lei n.º
66-B/2012, de 31 de dezembro, pelas razões essenciais que de seguida se
explicitam.
1. O
artigo 78.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, institui uma medida
denominada «Contribuição extraordinária de solidariedade» que, no essencial –
independentemente da sua perspetivação, na prática, como medida de redução de
despesa ou de aumento de receita – se traduz numa ablação, com caráter
progressivo, das prestações devidas em razão da qualidade de aposentado,
reformado, pré-aposentado e equiparado.
O juízo de não inconstitucionalidade formulado pela
maioria parece residir, no essencial, na inexistência de qualquer ofensa ao
princípio da proteção da confiança e ao princípio da proporcionalidade.
Divergimos todavia da conclusão alcançada.
2. No percurso que nos leva a diferente conclusão,
afiguram-se relevantes os seguintes aspetos.
Em primeiro lugar, a configuração abrangente e unitária
da medida. Configurada de modo abrangente – quer quanto ao âmbito objetivo de
incidência no que respeita às prestações abrangidas, quer quanto ao âmbito
subjetivo no que respeita aos beneficiários e entidades processadoras das
prestações abrangidas (cfr. n.º 3 do artigo 78.º) – a medida em causa incide
sobre as prestações devidas no quadro de diferentes sistemas (e dos
correspondentes regimes) que, nos termos da lei, integram o Sistema de
Segurança Social previsto no artigo 63.º da Constituição da República
Portuguesa e cuja organização, coordenação e subsídio aquele preceito comete ao
Estado: o sistema de proteção social dos trabalhadores que exercem funções
públicas (cfr. art. 6.º do Decreto-Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro), o sistema
previdencial e o sistema complementar (cfr. art.ºs 23.º, 50.º e ss. e 81.º e
ss. da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema
de segurança social). A medida em causa, configurada de modo unitário, afeta de
igual modo as prestações devidas no quadro de cada um dos regimes que integram
aqueles sistemas, a saber, em especial, respetivamente: o regime de proteção
social convergente; o regime geral de segurança social dos trabalhadores por
conta de outrem e dos trabalhadores independentes e os regimes especiais; o
regime público de capitalização e os regimes complementares de iniciativa
coletiva – não sendo evidente, face à formulação da parte final do n.º 3 do
artigo 77.º, a exclusão das prestações devidas no quadro dos regimes
complementares de iniciativa individual.
Em segundo lugar, tendo em conta o caráter abrangente
e unitário da medida, o objetivo, mencionado no Relatório sobre o Orçamento de
Estado para 2013, de «alcançar um efeito equivalente à medida de redução
salarial aplicada aos trabalhadores do setor público» (cfr. II, 3.1.1., p. 51)
é em muito ultrapassado. Isto, tendo em conta quer o referido âmbito de
aplicação (não se confinando aos pensionistas pagos por verbas públicas, seja
no sistema previdencial, seja no sistema de proteção dos trabalhadores que
exercem funções públicas), quer o caráter fortemente progressivo das
percentagens aplicáveis, quer ainda o estabelecimento de uma percentagem máxima
de redução das pensões muito superior à percentagem máxima de redução da
retribuição dos trabalhadores do setor público no ativo. Assim, o pretendido
paralelismo cessa na medida em que o âmbito da aplicação da contribuição em
causa (ou âmbito de incidência) e respetivas taxas respeitam, unitariamente, a
um universo muito mais abrangente e as percentagens e limites da dita
contribuição excedem as aplicáveis à redução das remunerações dos trabalhadores
do setor público.
Em terceiro lugar, o esforço imposto por via da medida
em causa é exigido em razão da qualidade, particular e distinta face à
generalidade dos cidadãos, de beneficiário de prestações de aposentação
ou reforma ou equiparadas, devidas ao abrigo de diferentes regimes dos vários
sistemas integrados no sistema de segurança social – mas sem atender todavia à
diversa configuração das várias situações abrangidas por esses regimes, em
especial a situação daqueles que, qualquer que seja o regime em que se
integram, registam carreiras contributivas longas ou mesmo completas nos termos
da lei aplicável no momento da aquisição do direito à prestação e, ainda, a
origem no aforro privado das contribuições pagas para alguns dos regimes
abrangidos, como sucederá em relação a componentes do denominado regime
complementar. Assim configurada, a medida em causa afigura-se revestir a
natureza de tributo por onerar, objetivamente, o rendimento percebido mediante
prestações devidas em razão da qualidade particular de aposentado ou reformado
(ou equiparado), independentemente de a entidade devedora assumir natureza
pública ou privada e, assim, de as verbas envolvidas no pagamento das
prestações devidas terem origem pública ou privada. O tributo em causa,
admite-se, apresenta, pela sua configuração e traços de regime, uma natureza
híbrida que a aproxima, por um lado, de um tributo fiscal – designadamente por
se afigurar como uma prestação pecuniária sem caráter de sanção exigida
unilateralmente pelo Estado com vista à realização de fins públicos, por se
prever em termos de modus operandi um mecanismo de dedução e entrega e
por se preverem taxas progressivas – e, por outro, de um tributo parafiscal,
sob a forma de contribuição financeira a favor de entidades públicas –
designadamente pela previsão de que o valor da contribuição reverte apenas a
favor do IGFSS, IP ou da CGA, IP, ou pela possibilidade, prima facie, de
enquadrar os valores pagos nas «contribuições obrigatórias para regimes de
proteção social» que podem, nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Singulares, ser objeto de dedução ao rendimento da categoria H
(cfr. art.º 53.º, n.º 4, b) para efeitos de cálculo daquele imposto. Tal
natureza não se revela contudo determinante para a sua apreciação à luz do
princípio da proteção da confiança.
Em quarto lugar, do ponto de vista da conformidade das
normas que preveem a medida com a Constituição da República Portuguesa, cumpre
apreciá-la à luz da proteção constitucional conferida, em abstrato, à posição
jurídico-subjetiva dos que têm a referida qualidade de pensionista (ou
equiparado) e, assim, de beneficiário do sistema, numa ou em várias das
suas vertentes e que por força do seu enquadramento na previsão legal, veem tal
posição afetada – sendo a dimensão do universo em concreto abrangido
irrelevante para a apreciação da referida conformidade – e à luz do interesse
público que a instituição da medida, conjuntural e não definitiva, visa
prosseguir num contexto de excecionalidade.
Dessa apreciação resulta que, mesmo admitindo-se que a
proteção dos cidadãos pelo sistema de segurança social, incluindo na
eventualidade de velhice ou invalidez, que a Constituição consagra no seu
artigo 63.º, n.º 2, não implica a existência de um direito fundamental à
irredutibilidade das prestações devidas, ou seja, que a Lei Fundamental não
garante aos pensionistas o direito fundamental a um quantum prestacional
imutável, fixado no momento da passagem à situação de aposentação ou reforma de
acordo com a lei vigente nesse momento, deve sublinhar-se que à proteção
conferida pela Constituição a todas as pessoas por via do enunciado do direito
à segurança social, acompanhada pela incumbência cometida ao Estado de
organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social e pelo
enunciado das eventualidades que determinam a proteção pelo sistema (cfr. n.ºs
1 a 3 do artigo 63.º da CRP), acresce a particular relevância constitucional
conferida pelo artigo 72.º aos idosos que, na eventualidade de velhice,
adquirem o direito prestacional à pensão, nos termos fixados por lei, e ao seu
direito à segurança económica – relevância hoje igualmente expressa no artigo
25.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia na parte em prevê o
direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente. Não pode
perder-se de vista a especial necessidade de proteção dos que têm a qualidade
de idoso que, em situações regra, coincidirá com a qualidade de aposentado,
reformado ou equiparado que determinou o direito ao recebimento das prestações
sociais sujeitas ao pagamento de uma «contribuição extraordinária de
solidariedade», na medida em que a perda de rendimento por parte dos
beneficiários das prestações em causa, por força dessa mesma qualidade, mais
dificilmente pode ser compensada pelo exercício de uma atividade profissional,
podendo implicar a afetação das práticas vivenciais e dos compromissos
assumidos que assegurem a sua segurança económica e a sua existência condigna e
independente em razão das suas necessidades específicas.
Por último, a medida em causa e as normas que a
instituem inserem-se num contexto de excecionalidade económico-financeira e, em
especial, na «Estratégia de consolidação orçamental» determinada pelas
obrigações específicas assumidas pelo Estado português ao nível internacional
(Fundo Monetário Internacional) e da União Europeia, na sequência do pedido de
ajuda financeira externa.
Subjacentes à medida em causa invocam-se, por isso,
interesses públicos a salvaguardar: em termos imediatos, um interesse público
inerente ao imperativo de consolidação orçamental e ao cumprimento das
obrigações a que o Estado português se encontra vinculado ao nível transnacional,
internacional e europeu, que encontram fundamento nos artigos 7.º, n.º 6, e 8.º
da CRP, incluindo a obrigação de cumprimento dos limites quantitativos
estabelecidos, no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, para o défice
orçamental nos anos de 2013 e 2014, com vista, em última análise, à sua
contenção dentro dos valores de referência, a observar pelos Estados membros, a
que se refere o n.º 2 do artigo 126.º do Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia e fixados no Protocolo (N.º 12) sobre o procedimento relativo aos
défices excessivos; em termos mais mediatos, um interesse público inerente à
própria garantia de realização das tarefas cometidas ao Estado pela Lei
Fundamental e à sustentabilidade do Estado social – tal como se afirma no
Relatório que acompanha o Orçamento de Estado para 2013 (cfr. II, II.1, p. 40).
3. Ora, na falta de parâmetro constitucional
expresso que proteja o quantum devido a título de pensão aos já
aposentados, reformados e a estes equiparados para o efeito – quer se entenda a
contribuição extraordinária de solidariedade como redução ou como oneração de
rendimentos, como se parece propor no artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado
para 2013, e ainda que de modo não definitivo – entende-se, na linha argumentativa
do presente Acórdão, que a ponderação entre a proteção do direito à pensão ou
prestação a esta equiparada, por um lado, e a prossecução do interesse público
subjacente à medida em causa, por outro – ou, como se afirma no Acórdão n.º
396/2011, entre «os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela
alteração do quadro normativo que o regula e o interesse público que justifica
essa alteração» (cfr. II, n.º 8) –, se insere no quadro de análise do princípio
da confiança, configurado como corolário e exigência do princípio do Estado de
Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), e do
princípio da proporcionalidade (idem). Na análise e aplicação destes princípios
na situação vertente chegamos, todavia, a uma conclusão inversa à do presente
acórdão pois, segundo cremos, ambos se mostram ofendidos pelas normas legais em
presença.
3.1 Quanto aos requisitos da tutela
jurídico-constitucional da confiança segundo os quais é necessário que o Estado
(mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos
privados «expectativas» de continuidade, que tais expectativas sejam legítimas,
justificadas e fundadas em boas razões, terem os privados feito planos de vida
tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento estadual» e, por
último, que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em
ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de
expectativa (cfr. Acórdãos n.º 128/2009 e, posteriormente, n.º 188/2009 e n.º
3/2010), deve desde logo considerar-se que a previsão pelo legislador de uma
contribuição extraordinária que abrange, de modo universal, o conjunto das
pessoas que já adquiriram a qualidade de beneficiários de um direito social a
uma prestação a título de pensão de aposentação ou reforma ou equiparada,
qualquer que seja o regime ou regimes por que se encontram abrangidos e
independentemente da natureza, pública ou privada, das verbas devidas e da
consideração da duração das carreiras contributivas, não cai na zona de
previsibilidade de comportamento dos poderes públicos.
Por um lado, não obstante a evolução legislativa
verificada mencionada no presente Acórdão, em especial desde a década de
noventa, no sentido, designadamente, da alteração da fórmula de cálculo das
pensões e do estabelecimento de uma limitação do montante da pensão no regime
geral da segurança social e da convergência entre o sistema de proteção social
dos trabalhadores da função pública e aquele regime geral, certo é que o
financiamento do sistema, na sua vertente previdencial, caracterizado como um
sistema de repartição, tem assentado, no essencial, em prestações obrigatórias
devidas pelos empregadores, públicos ou privados, e pelos que exercem uma
atividade laboral (denominadas pela lei «contribuições» e «quotizações») – sem
prejuízo de contribuições facultativas, resultantes de uma opção individual,
para o regime complementar. Por outro lado, a expectativa de continuidade no
que toca à não contribuição de todos os que já são beneficiários (tendo já
contribuído) para o financiamento do sistema de segurança social também não se
pode ter por invertida pela previsão de uma medida com idêntico nome na Lei n.º
55-A/2010, de 31 de dezembro (art.º 162.º, n.º 1) e na Lei n.º 64-B/2011, de 30
de dezembro (art.º 20.º, n.º 1 e n.º 15) – tendo em conta, em especial, o
âmbito confinado de incidência desta medida e o limiar quantitativo da sua
aplicação, sem paralelo na medida em análise.
Entende-se que a medida controvertida também frustra expectativas
legítimas, justificadas e fundadas em boas razões dos respetivos destinatários,
por a qualidade de beneficiário de um direito a uma prestação social com
fundamento constitucional e legal já ter sido adquirida por força do
preenchimento dos pressupostos de que depende a sua atribuição e que o
legislador, no âmbito da sua livre margem de apreciação, fixou; expectativas
fundadas, em especial, no caso de as pessoas afetadas pela medida registarem
carreiras contributivas longas e, ainda, no caso de pensões na eventualidade de
velhice (ou invalidez na medida em que sejam abrangidas), determinadas pela
dificuldade ou mesmo impossibilidade de exercício de uma atividade profissional
remunerada que possa compensar a ablação decorrente da medida em causa.
Quanto ao requisito da tutela jurídico-constitucional
da confiança que impõe que os privados tenham feito planos de vida tendo em
conta a perspetiva de continuidade do «comportamento estadual» entende-se que o
mesmo também se verifica por a prestação percebida a título de pensão ou
reforma ou situação equiparada ser aquela que permitirá, em regra, custear a
subsistência, manter práticas vivenciais, garantir a autonomia e fazer face a
compromissos assumidos e, inclusive, a gastos inerentes à qualidade de idoso –
qualidade que terá a generalidade dos pensionistas com carreiras contributivas
longas ou completas – ou de inválido.
Por fim, quanto à ocorrência de razões de interesses
público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que
gerou a situação de expectativa – e, assim, a prevalência das mesmas sobre a
tutela da posição jurídico-subjetiva dos pensionistas abrangidos pela medida –
e dada a sua invocação, nos termos atrás indicados, consideramos ocorrer uma
afetação desproporcionada da posição de confiança que o grupo de beneficiários
afetado nos parece merecer. O que melhor se verifica à luz do princípio da
proporcionalidade.
3.2 Pode dar-se por adquirido que a medida em causa,
por implicar, consoante a perspetiva em que se encare e a natureza da entidade
processadora, uma redução de despesa ou um aumento de receita e cujo impacto
financeiro foi estimado pelo Relatório do Orçamento de Estado para 2013 (cfr.
II, 3.1.1, p. 51), contribui para fazer face à situação de défice orçamental
(para o qual tem pesado o crescimento das prestações em caso de desemprego e o
decréscimo das contribuições para a segurança social), pelo que, em termos
orçamentais, pode consubstanciar uma medida adequada ou idónea para tal fim
imediato. O mesmo não se revela evidente quanto à invocada sustentabilidade do
Estado social, designadamente para as gerações futuras, dado tratar-se de uma
solução conjuntural (para um problema também entendido como conjuntural).
Depois, ainda que se admita que a medida possa estar
nos limites da necessidade, sendo porventura necessária em face da maior
amplitude do universo de destinatários de eventuais medidas de financiamento
alternativas relativamente aos atuais beneficiários da segurança social,
entende-se que a mesma se afigura excessiva e desproporcionada – valoração
justificada em razão da abrangência da medida em termos de âmbito de
incidência, da desconsideração da diversidade de situações subjacentes à
qualidade de beneficiário das prestações afetadas e, ainda, dos elevados
limites das taxas aplicáveis.
Quanto ao âmbito de incidência, a medida em
causa, configurada de modo unitário, abrange prestações que se integram no
sistema complementar e nos regimes, nele integrados, de capitalização pública
ou de iniciativa coletiva, incidindo por isso a taxa aplicável, consoante a
entidade pagadora, sobre contribuições, facultativas, efetuadas a partir de
aforro privado e/ou, inclusive, sobre o respetivo rendimento – pondo em causa,
por alteração de pressupostos, os efeitos esperados de decisões individuais
passadas de afetação de rendimento disponível tomadas face às regras jurídicas
aplicáveis (a solvabilidade global do sistema, a beneficiar aqueles que se
enquadram no sistema complementar, não parece corresponder sequer à justificação
da própria medida, com fins imediatos muito determinados).
Quanto à não tomada em consideração da diversidade de
situações subjacentes à qualidade de beneficiário das prestações afetadas pela
medida assume particular relevo a desconsideração das situações de carreiras
contributivas longas e mesmo completas relativamente às quais um argumento de
redução conjuntural de pensões, ainda que mais elevadas, por insuficiência de
contribuições em termos temporais, não se revelará procedente. De facto, o sacrifício
imposto é tanto mais desmedido quanto o montante da prestação tenha maior
correspondência com as contribuições efetivamente pagas ao longo da carreira
contributiva.
Por último, as taxas aplicáveis apresentam-se como
gravosas quer em termos de valor da taxa máxima, quer em termos da sua
aplicação que se efetua a partir de um patamar de rendimento que –
contrariamente às medidas com idêntica denominação previstas em leis do
Orçamento de Estados anteriores – não funcionam apenas por aplicação em excesso
de um patamar de rendimento elevado, mas a partir de um patamar de rendimento
muito inferior.
Atendendo ao que ficou exposto a nossa pronúncia foi
no sentido da inconstitucionalidade das normas do artigo 78.º da Lei n.º
66-B/2012, de 31 de dezembro.
C) Divergi quanto à decisão expressa na alínea e) da
Decisão do presente Acórdão no que respeita à norma do artigo 186º da Lei n.º
66-B/2012, de 31 de dezembro, na parte em que altera o n.º 7 do artigo 78.º do
Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pelas razões
essenciais que de seguida se explicitam.
A norma do n.º 7 do artigo 78.º do CIRS consagra os
limites globais, progressivos em razão do escalão de rendimento coletável, para
as deduções à coleta relativas a um conjunto de despesas suportadas pelos
sujeitos passivos do imposto, entre as quais as despesas de saúde e as despesas
de educação e formação.
Acompanha-se a fundamentação do acórdão e o juízo de
não inconstitucionalidade formulado salvo no que respeita à impossibilidade de
dedução de qualquer despesa no último escalão de rendimento coletável (escalão
de rendimento coletável superior a 80 000).
Tal impossibilidade, segundo cremos, não respeita o
comando contido no n.º 1 do artigo 104.º da Constituição, ainda que de modo
amplo e como critério ordenador, segundo o qual as necessidades dos agregados
familiares devem ser levadas em conta no quadro do imposto único sobre o
rendimento pessoal. Tal corresponde a uma concretização do princípio da
igualdade no domínio da tributação do rendimento pelo que a medida em causa, na
parte em análise, desconsidera por completo a aplicação deste princípio dentro
do segmento de contribuintes abrangido.
A exigência constitucional de diferenciação da
situação dos contribuintes, por força do princípio da igualdade, afigura-se
clara na obrigação imposta ao legislador fiscal de considerar quer os
rendimentos, quer as necessidades do agregado familiar dos cidadãos,
constituindo este último fator um elemento determinante para a diferenciação da
situação dos contribuintes.
Deste modo, a norma, na parte em que não prevê
deduções, desrespeita a vinculação derivada do princípio da igualdade, por
tratar de forma igual o que é, ou pode ser, diferente. Isto, tendo em conta as
diferentes necessidades dos agregados familiares dentro de cada escalão de
rendimento coletável – a igualdade (e as diferenciações que a mesma imponha)
deve ser aferida não apenas verticalmente mas também na sua dimensão
horizontal. Com efeito, a exigência de previsão de deduções subjetivas à coleta,
como forma de personalização do imposto sobre o rendimento pessoal decorrerá da
situação concreta dos agregados familiares e das respetivas necessidades em
matéria de, em especial, saúde, educação e formação, o que deve ser levado em
consideração independentemente do nível de rendimento coletável.
Maria José Rangel de
Mesquita
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Divirjo do entendimento que fez vencimento quanto
ao juízo constante da alínea e) da decisão, na vertente em que se
decidiu não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 27.º (corte
nos vencimentos de quem recebe com verbas públicas) e 78.º (contribuição
extraordinária de solidariedade sobre pensões pagas a aposentados, reformados,
pré-aposentados e equiparadas), ambos da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro
de 2013 (Lei do Orçamento do Estado para 2013), pelas razões que passo,
sumariamente, a indicar.
2. Sem postergar a margem ampla de conformação do
legislador democrático no domínio das políticas públicas e na escolha das
orientações estratégicas que melhor permitam atingir o objetivo de consolidação
orçamental, com reflexos na densidade do controlo da legitimidade
constitucional da intervenção restritiva operada pela redução salarial
estabelecida no artigo 27.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013, importa
ter em atenção que a estabilidade e continuidade da retribuição integram o
núcleo essencial da construção de um projeto de vida pessoal e familiar
economicamente sustentável.
Ora, atingido o terceiro ano de ablação de parcela significativa
do rendimento salarial de servidores públicos – e apenas deles – soma-se-lhe o
forte agravamento da tributação, dissipando de forma acrescida o rendimento
disponível, em muitas situações para níveis aquém do indispensável à satisfação
de possíveis e naturais obrigações confiadamente assumidas em função do
quantitativo remuneratório anterior, é bom sublinhar, estimuladas por políticas
públicas e de supervisão no acesso ao crédito.
A valoração que fez vencimento quanto à apreciação da
conformidade constitucional do artigo 27.º da Lei do Orçamento de Estado de
2013 louva-se, neste ponto, e com reafirmação do decidido no Acórdão n.º
396/2011, na excecionalidade da redução salarial de servidores públicos,
sublinhando o seu caráter temporário e a instrumentalidade na satisfação –
certa e segura – das obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado
Português, indispensáveis para assegurar – e manter – o fluxo de crédito
soberano em termos financeiramente suportáveis.
É certo que a Lei do Orçamento de Estado de 2013 sofre
as limitações e constrangimentos decorrentes das fortíssimas dificuldades
financeiras por todos reconhecidas e obedece à vinculação assumida no Plano de
Assistência Económica e Financeira (PAEF) celebrado com o Fundo Monetário Internacional,
o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, no âmbito do qual são acordadas
metas orçamentais bastante exigentes e com calendarização até 2014.
Mas não é menos certo que as vinculações e a
incidência de limites sobre o défice orçamental e a dívida pública no plano
europeu não se esgotam nesse plano de assistência económica e financeira
balizado temporalmente. Essas condicionantes vinculativas decorrentes de fontes
normativas a que Portugal se encontra adstrito, nos termos do artigo 8.º da Constituição,
encontravam-se presentes há largos anos (artigo 104.º do TCE e 126.º do TFUE),
antes do momento de assunção do quadro normativo decorrente do PAEF em que se
esteia a reiteração da medida de corte de vencimentos. E, permanecendo os
fatores que determinam as necessidades de financiamento, mostra-se fundado
antecipar que irão exigir esforços e sacrifícios para além do horizonte
temporal do PAEF, com intensidade não inferior ao que nele se estipula.
Como, igualmente, no plano prospetivo, a partir do
elevado montante atingido pela dívida pública, encontra cabimento ter em
consideração a possibilidade de recurso a mecanismos de assistência
recentemente erigidos no âmbito europeu, em especial, ao Mecanismo Europeu de
Estabilidade (MEE). Nesse quadro, eventual, mantém-se a exigência de celebração
de memorando de entendimento e formulação de plano de ajustamento (cfr. artigos
13.º a 16.º do Tratado que instituiu o MEE, assinado em 2 de fevereiro de
2012).
Perante tal panorama, esperava-se que o legislador integrasse
a medida numa estratégia de consolidação orçamental que conduzisse à sua
reversão, finalizado o PAEF, com o mesmo grau de segurança e certeza em que se
apoia a sua instituição. De acordo, aliás, com a natureza excecional e
temporária (mesmo que plurianual) com que fora considerada no Acórdão n.º
396/2011, ou seja, como medida de consolidação orçamental one-off.
Porém, o relatório do Orçamento de Estado de 2013, não
sinaliza qualquer programação de reversão do corte salarial, concretizadora da
sua temporalidade (assim também aconteceu com o documento de estratégia
orçamental 2012-2016, apresentado em Abril de 2012). Na verdade, e em
formulação que se aproxima da estipulação unilateral de cláusula cum
potuerit, condiciona a duração da medida (entenda-se, a sua reiteração em
sucessivos orçamentos) à “verificação de um equilíbrio efetivo das contas
públicas”, ao mesmo tempo que remete a sua abordagem para o domínio da
“política de rendimentos” e de “racionalização dos custos com pessoal”. Ou
seja, remete para o plano duradouro, como patamar remuneratório, perspetiva que
não se altera com a possibilidade, até pelo efeito da erosão monetária, de se
virem no futuro a atingir os níveis salariais nominais anteriores à ablação
operada em 2011 e mantida no orçamento de 2012.
Assim sendo, mostra-se legítimo questionar a
legitimidade constitucional de medida restritiva, que onera especialmente em
tempo de crise económica quem desempenha funções que implicam a perceção de
remuneração através de verbas públicas - sem esquecer que no universo de
afetados encontram-se sujeitos que desempenham atividade no sector empresarial
do Estado em concorrência direta com empresas privadas - e se cumula já por
três anos consecutivos, apoiado primacialmente na praticabilidade derivada da
suscetibilidade direta e imediata da retenção da prestação pecuniária por parte
do ente Estado, optando pela veste de Estado-empregador.
Independentemente do juízo formulado no Acórdão n.º
396/2011, nos parâmetros valorativos em que se moveu a Lei do Orçamento de
Estado de 2011, quanto à introdução da medida do corte salarial dirigida apenas
aos servidores públicos – categoria de pessoas cuja vinculação especial à
prossecução do interesse público não pode significar a limitação da vida
privada e familiar e habilitação a posição de desfavor na perceção de direitos
de natureza patrimonial por referência a outros credores de prestações públicas
-, não creio que se possa mais configurar esse sacrifício discriminatório, no
terceiro ano de aplicação, e com funcionalização genérica e ambígua ao
“equilíbrio efetivo das contas públicas”, como materialmente justificado. Não
basta a sua apresentação como medida de política financeira basicamente
conjuntural, de combate a uma situação de emergência, por definição passageira
e de curto prazo. Como criteriosamente apontou o Conselheiro Vítor Gomes em
declaração de voto aposta no Acórdão n.º 353/2012 “o decurso do tempo implica
um acréscimo de exigência para o legislador no sentido de encontrar
alternativas que evitem, com o prolongamento, que o tratamento diferenciado se
torne claramente excessivo para quem o suporta”.
Não significa o que se vem de referir a defesa da
desconformidade constitucional de qualquer redução salarial dos servidores
públicos. Significa que a intervenção racionalizadora da despesa pública,
enquanto tarefa dirigida à correção duradoura de desequilíbrios fortemente
penalizadores da prossecução das finalidades do Estado, e que se afirma como
plenamente fundada no quadro económico e financeiro em curso, não credencia
constitucionalmente a medida restritiva em apreço, de repetida e cumulativa
intervenção discriminatória na chamada à participação (acrescida) de um
conjunto de sujeitos no esforço de financiamento dos encargos públicos,
contraídos para a satisfação de interesses que a todos pertencem,
diferenciando-os negativamente face a outros com a mesma capacidade
contributiva.
Por tais razões, entendo que o juízo de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade na repartição dos
encargos públicos (artigo 13.º da Constituição), deveria incidir também sobre a
norma do artigo 27.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013.
3. Entendo que o mesmo juízo de inconstitucionalidade,
por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos,
deve ser formulado quanto à norma constante do artigo 78.º da Lei do Orçamento
de Estado para 2013, em que se institui medida designada como “contribuição
extraordinária de solidariedade” (CES), incidente sobre pensões de reforma e de
aposentação.
Em primeiro lugar, não oferece dúvida que a CES opera
sacrifício acrescido sobre pensionistas e reformados, também onerados, como os
demais contribuintes, com o aumento generalizado de impostos. Ora, não se vê
que essa condição, em si mesma, justifique uma obrigação especial na satisfação
dos encargos públicos e participação suplementar na correção de desequilíbrios
orçamentais, tanto mais quando incidente sobre quem se encontra numa fase de
vida que não permite procurar outras fontes de rendimento.
Não colhe, a meu ver, a justificação de que se trata
de sacrifício equivalente às reduções salariais por parte de quem se encontra a
beneficiar de verbas públicas e destinado a compensar o maior esforço
orçamental com o sistema de segurança social na atual situação económica e
financeira, desde logo porque a CES estende o seu âmbito de incidência a
contribuintes cujas pensões não representam qualquer encargo para o orçamento
da segurança social, como acontece com rendimentos proporcionados por planos de
pensões criados por regimes previdenciais de iniciativa empresarial ou
coletiva, geridos por entidades de direito privado ou cooperativo e até por
entidades de direito público (caso da Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores - CPAS). A medida abarca, assim, as pensões enquadráveis no
primeiro e segundo pilares do sistema da segurança social, o que a diferencia
profundamente da medida com a mesma designação consagrada nos orçamentos de
estado de 2011 e 2012.
Também não colhe outra fonte de legitimação, avançada
no relatório do OGE, no sentido de que se procura atingir a correção de
disfunções na perceção de pensões formadas sem a devida correspondência
contributiva, vistas como indispensáveis para assegurar a sustentabilidade do
sistema de segurança social, de acordo com princípios de auto-sustentabilidade,
justiça e solidariedade intergeracional. Não se vê como poderá a CES, enquanto
medida anual e de emergência, atingir esse objetivo duradouro, desde logo
porque não diferencia, como esperado, entre quem aufere pensão consolidada na
sequência de mais de 30 ou 40 anos de contribuições e com ponderação da
integralidade da carreira contributiva e outros beneficiários, cujas pensões
não encontram apropriado lastro contributivo e sofrem de questionável justiça
social, ao menos numa perspetiva diacrónica.
Igualmente, não se encontra fundamento comutativo
bastante na intervenção ablativa em apreço, por efeito do princípio da
equivalência na segurança jurídica ou do princípio de solidariedade de grupo. O
aproveitamento da vantagem advinda da solidez do balanço da segurança social
derivada do maior influxo de rendimentos durante o ano de 2013 não incide sobre
os titulares de pensões em pagamento com intensidade significativamente
acrescida relativamente aos demais sujeitos, beneficiários futuros, em
particular se tivermos como referência aqueles que se encontram prestes a
adquirir o direito a prestações do sistema previdencial.
A isto não se opõe a contribuição para a realização
global de fim público de proteção social, pois trata-se de assegurar um direito
de cidadania – direito à segurança social - que abrange inclusivamente quem
para ela não pode contribuir e a todos pertence. Mesmo que o sistema assente
numa lógica de repartição, e não de capitalização, a configuração atual da Lei
de Bases da Segurança Social (lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) procura
assegurar que o esforço solidário incida de forma diversa sobre as várias
categorias de pessoas através do princípio da adequação seletiva das fontes de
financiamento (artigo 90.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e Decreto-Lei
n.º 367/2007, de 2 de novembro), de acordo com a natureza e objetivos a que
obedece cada um dos sistemas e subsistemas instituídos, conjugado com a regra
da contributividade. Ora, e como sublinha Sérgio Vasques, “[o] que o principio
da adequação seletiva das fontes de financiamento e a regra da contributividade
significam, em suma, é que constituindo embora a segurança social um direito
que é de todos, não são as contribuições a cargo dos trabalhadores que
financiam as prestações a que todos têm direito” (Principio da
Equivalência como Critério da Igualdade Tributária, 2008, p. 185). Afastada
que está a alteração da pensão – já formada - por parte quem efetue a prestação
suplementar solidária representada pela CES – sem prejuízo da reconfiguração
financeira global do sistema previdencial, garantindo a sua sustentabilidade -
afigura-se-me claro que estamos perante financiamento que se afasta
decisivamente do pressuposto e da finalidade do sistema de segurança social e
que radica tão somente no alívio – anual - de parte de sistema que deverá ser
suportada pelos impostos, ou seja, suportada por todos. Note-se que a
consignação estipulada pela CES significa que haverá pensionistas chamados a
participar no financiamento de subsistema ao qual nunca pertenceram nem podiam
pertencer (CGA).
Neste quadro, falece a evidência de relação comutativa
que permita considerar a CES, unitariamente considerada, como contribuição
especial parafiscal incidente sobre pensionistas e reformados, em especial
sobre pensionistas e reformados pertencentes tanto ao sistema previdencial como
ao sistema complementar, incluindo os regimes complementares administrados por
entidades não públicas. Mesmo que se possa descortinar relação sinalagmática
indireta - o que tenho como muito duvidoso relativamente ao âmbito subjetivo do
n.º 3 do artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013 - afigura-se-me
que esse nexo difuso aproxima a CES das contribuições para a segurança social
por parte das entidades patronais, pelo seu acentuado caráter unilateral,
relativamente às quais é reconhecida a sua equiparação aos impostos (cfr.
Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7ª edição, 2012, p. 586 e 587 e
Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social: Um imposto
que não ousa dizer o seu nome, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo
Correria, IV, 2010, p. 291 a 297, estendendo essa equiparação às várias
espécies de contribuições para a segurança social).
Ficamos, assim, perante intervenção situada no plano
da receita, encarando o valor da pensão (ou da sua soma, em caso de pluralidade
de prestações, nos termos do n.º 5 do artigo 78.º Lei n.º 66-B/2012, de 31 de
dezembro de 2013) como índice da capacidade contributiva e sujeita às
exigências jurídico-constitucionais incidentes sobre os impostos. Aliás, na
nota enviada ao Tribunal Constitucional, o proponente da medida admite
raciocinar nesses termos, pugnando pela sua consideração como “adicional ao
imposto sobre o seu rendimento, instituído em benefício da Segurança Social”
(cfr. p. 50).
Ora, enquanto intervenção tributária com natureza
equivalente de imposto, a CES não respeita a igualdade horizontal, fazendo
sujeitos com iguais recursos participar de forma bem diferente no reequilíbrio
do sistema de segurança social, consoante se encontrem a beneficiar de pensões
ou aufiram rendimentos de outras categorias. Não se vê o que legitima
materialmente tributar os rendimentos de aposentados e reformados em termos
largamente majorados relativamente a outros rendimentos, como por exemplo os
acréscimos patrimoniais injustificados inferiores a €100.00, sujeitos às taxas
normais de IRS (artigo 72.º, n.º 11, do CIRS).
Em suma, considero que a norma do artigo 78.º da Lei
do Orçamento de Estado para 2013, na medida em que configura oneração
discriminatória dos pensionistas, reformados, pré-aposentados e equiparados na
satisfação dos encargos com a diminuição do défice público sem fundamento
legitimador, viola o princípio da igualdade, na vertente da igualdade
tributária (artigo 104.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 13.º, ambos da
Constituição), pelo que me pronunciei pela declaração da sua
inconstitucionalidade, com esse fundamento.
Fernando Vaz Ventura
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencidos quanto às alíneas a), b) e c) da
decisão pelas seguintes razões essenciais:
1. A questão
que o Tribunal tem agora que resolver não é a mesma questão que se lhe
colocou em 2012. Por um lado, o contexto externo que condicionou a elaboração
do orçamento no ano de 2013 apresenta, face a anos anteriores, especificidades
que não podem ser negligenciadas na construção de juízos de conformidade ou de
desconformidade constitucional; por outro, a solução que o legislador encontrou
para fazer face a essas especificidades – e para assim prosseguir, de acordo
com a sua própria representação do interesse público, o imperativo da
consolidação orçamental – é também substancialmente diversa da dos anos
anteriores. Isto mesmo o reconhece o Acórdão de que dissentimos. Ao enquadrar
previamente o caminho argumentativo que seguiu, o Tribunal não deixou de
salientar as novas exigências (nomeadamente quando ao deficit) que se
deparavam ao legislador orçamental em 2013, e de referir a diversidade de
medidas do lado da receita (que incluem receitas outras que as não provenientes
apenas dos rendimentos do trabalho) que o mesmo legislador estabeleceu em ordem
a satisfazer aquelas exigências. A maioria, ao formular o juízo de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, das normas
constantes dos artigos 29.º e 77.º da Lei nº 66/B/2012, não deixou portanto de
reconhecer a diferença específica que caracteriza a questão agora
colocada ao Tribunal; no entanto, não retirou desse reconhecimento as
consequências que, em nosso entender, seriam devidas. Por isso – e não obstante
termos partido de premissas semelhantes à que foram adotadas pela argumentação
maioritariamente seguida – não pudemos subscrever a conclusão final a que, com
tal argumentação, se chegou.
2. Duas
ideias essenciais parecem sustentar o juízo de inconstitucionalidade que,
quanto a estas normas (e por violação do princípio da igualdade) o
Tribunal formula.
A primeira é a de que, não obstante o acréscimo, no Orçamento
do Estado para 2013, das medidas do lado da receita (que, aumentando a
intensidade da carga fiscal incidente sobre todos e cada um dos contribuintes,
aumentou também o grau de universalidade dos sacrifícios exigidos),
sobre os funcionários e pensionistas que percebem por verbas públicas continua
a impender um encargo especial, na medida em que, somando o encargo geral que
também sobre eles recai (nomeadamente o decorrente do aumento da carga fiscal),
com o sacrifício total ou parcial do pagamento do subsídio referente ao 14.º
mês, esta categoria de cidadãos continua a ser chamada a contribuir para
o esforço coletivo de consolidação orçamental em grau comparativamente maior
ao de todos os outros.
A segunda ideia essencial é a de que esse grau
maior de esforço, que o legislador persiste em exigir desta precisa
categoria de cidadãos, comporta ainda (como se entendeu que comportava em 2012)
uma violação do princípio da igualdade proporcional, princípio esse que
terá a sua sedes materiae no artigo 13.º da CRP.
3. Não
discutimos a premissa segundo a qual o Tribunal, ao efetuar o juízo de
igualdade que lhe pede o artigo 13.º, está habilitado tanto a escrutinar a racionalidade
do fundamento, invocado pelo legislador, para conferir a diferentes grupos
de cidadãos tratamentos jurídicos diversos, quanto a, mais intensamente,
escrutinar ainda a medida da diferença que é imposta, e a sua adequação
ou razoabilidade face ao fundamento invocado. Concordamos que a Constituição,
ao dispor que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais
perante a lei, pede ao Tribunal este duplo escrutínio, e que tal exige que
a jurisdição constitucional efetue um controlo mais intenso das escolhas do
legislador do que aquele que seria efetuado, caso o “objeto de exame” se
restringisse à racionalidade ou inteligibilidade do fundamento invocado para
justificar a diferença. Além disso, concordamos ainda que o “acréscimo de
intensidade de controlo” que, por esta via, é exigido à jurisdição
constitucional, deve fazer-se (e só pode fazer-se) por intermédio da aplicação
do princípio da proporcionalidade. O juízo quanto à razoabilidade da medida
da diferença – a acrescer quanto ao juízo relativo á racionalidade ou
inteligibilidade da sua própria razão de ser – é um juízo que só pode
fazer-se utilizando os instrumentos que os “testes” da proporcionalidade
conferem ao Tribunal. Nisto consiste, segundo entendemos, o princípio da igualdade
proporcional.
No entanto, a intensidade do escrutínio que a
aplicação deste princípio confere ao Tribunal não é fixa, antes variando de
acordo com as matérias legisladas. Matérias há em que a intensidade do
escrutínio é, e não pode deixar de ser, de grau particularmente elevado. E tal
ocorrerá sempre que o legislador estabelecer diferenças entre as pessoas com
base em razões, ou critérios, que, à partida, a Constituição exclui que
possam servir para fundamentar tratamentos diversos, quaisquer que eles sejam.
Nestas circunstâncias, o escrutínio do tribunal será seguramente severo,
cabendo ao legislador a demonstração da “bondade” da sua escolha. Fora destas matérias,
porém, o juízo de igualdade proporcional manter-se-á (como sempre o tem
dito o Tribunal) como um juízo de controlo externo das ações do legislador,
que pode conduzir à invalidação de escolhas legislativa que sejam à evidências
desrazoáveis – quer no seu fundamento quer na sua medida -, mas que não leva,
nem pode levar, a que o Tribunal se coloque na situação do legislador,
escolhendo em vez dele a melhor solução.
4. A
Constituição não veda, à partida, que se estabeleçam diferenças entre os
cidadãos que percebem por verbas públicas e os outros, sempre que estão em
causa (como o estão agora) razões de diferenciação dotadas do peso
constitucional que detêm aquelas que se relacionam com os imperativos de
consolidação orçamental. Isso mesmo o reconheceu o Tribunal no Acórdão nº
396/2011. Assim sendo, a matéria sobre a qual, no caso, incide o juízo
do Tribunal não pertence seguramente ao grupo daquelas que requerem a adoção do
mais severo ou intenso escrutínio jurisdicional. Dizendo de outro modo: a matéria
sobre a qual, no caso, incide o juízo do Tribunal não pertence ao grupo
daquelas em que, por exigência da Constituição, se devolve ao legislador o
ónus da demonstração da “bondade” das suas escolhas.
É tendo em conta este dado, para nós impostergável,
que se deve recordar o modo pelo qual o Tribunal - nas circunstâncias
anteriores em que foi chamado a sindicar a constitucionalidade de normas do
orçamento do Estado – aferiu o critério de aplicação do princípio da igualdade
proporcional.
5. Tanto no
Acórdão nº 396/2011 quanto no Acórdão nº 353/2012 foi o princípio densificado
através de um duplo teste, que incidiu em especial sobre o modo de aferição da
“medida da diferença”. Com coerência argumentativa, o Tribunal começou por
averiguar da razão ou do fundamento da diferença estabelecida pelo legislador
entre os cidadãos que eram alvo das medidas de redução remuneratória e os
outros, que do âmbito de aplicação dessas medidas estavam excluídos. Depois,
averiguou da medida da diferença, e da sua proporcionalidade. Para
tanto, usou um duplo teste: (i) o de saber se, à evidência, podiam as
medidas escolhidas pelo legislador (as reduções remuneratórias) ser tidas como dispensáveis;
(ii) o de saber se elas se continham ainda dentro dos limites do sacrifício (imposto
a quem era chamado a contribuir para os encargos públicos). Poderemos designar
este standard de julgamento como contendo o teste negativo da não evidência
da dispensabilidade e o teste positivo da contenção dentro dos limites do
sacrifício. Na verdade, através dele o Tribunal fixou o seu próprio standard:
os encargos especiais impostos pelo legislador seriam ainda conformes à
Constituição conquanto, cumulativamente, não fosse evidente a sua
dispensabilidade (teste negativo); e se contivessem ainda tais encargos no
âmbito da “justa medida da diferença” ou dos “limites do sacrifício” (teste
positivo).
Foi por, em 2011, se terem confirmado ambos os testes
– na medida em que a primeira questão recebeu resposta negativa e a segunda
resposta positiva – que se chegou a um juízo de não inconstitucionalidade. Mas
já em 2012 o Tribunal respondeu afirmativamente à segunda questão. Tendo em
conta a natureza logicamente cumulativa que os estalões dos dois testes
apresentam, tal conduziu, inevitavelmente, ao juízo de inconstitucionalidade.
É este juízo que agora se repete, e é dele que
dissentimos.
6. Na
verdade, e ao contrário da maioria, não cremos, nem que possa dar-se resposta
positiva à questão de saber se as medidas legislativas são, à evidência,
dispensáveis, nem que possa dar-se resposta negativa à questão de saber se os
encargos se incluem ainda nos “limites do sacrifício”. Face às circunstâncias
específicas que rodeiam o problema colocado ao Tribunal em 2013, estamos
convictos de que tais respostas não podem assertivamente ser dadas.
Dois argumentos essenciais parecem fundar a posição
contrária assumida pela maioria. De acordo com o primeiro, ao aumentar a carga
fiscal, e logo, a universabilidade dos encargos (que passam assim a ser
repartidos de forma mais generalizada por todos os contribuintes) mas ao
persistir em sobrecarregar adicionalmente os que recebem por verbas
públicas, o legislador estará a desconsiderar a igualdade “externa” que
une tanto uns como outros cidadãos, excedendo com isso a justa medida em
que se deveria comportar o sacrifício sofrido pelos trabalhadores públicos e
pensionistas. De acordo com o segundo argumento, a persistência da medida no
tempo, por mais do que um só exercício orçamental, teria retirado força
persuasora à ideia segundo a qual só essa medida seria eficaz para
responder às urgências da consolidação.
A nosso ver, nenhum destes argumentos pode ser
demonstrado.
Através do primeiro – que serve para que se responda
negativamente à questão de saber se a medida legislativa se inclui ainda nos
“limites do sacrifício” – o Tribunal atribuiu-se uma competência (de aferir a “justa
medida” da diferença a partir de uma situação de igualdade a priorística que
considera como um dado vinculante) que, segundo cremos, deveria caber ao
legislador. É que, como já vimos, não é este um domínio em que a Constituição
proíba a priori o estabelecimento de diferenças entre as pessoas, seja
tendo em linha de conta o seu critério (pagos ou não pagos por verbas
públicas), seja tendo em linha de conta o seu fim (redução da despesa
pública por razões de equilíbrio orçamental). Por seu turno, através do segundo
argumento – que serve para responder positivamente à questão da evidência da
dispensabilidade da medida – o Tribunal, a nosso ver, fundou-se num dado
que é jurisdicionalmente indemonstrável.
Ainda que, em tese, se pudesse sustentar que a perdurabilidade,
no tempo, das medidas de suspensão do pagamento de subsídios a quem recebe por
verbas públicas faria acrescer as responsabilidades do legislador no encontrar
de soluções alternativas (menos gravosas para aquela categoria de cidadãos) nem
por isso se pode concluir, no presente contexto orçamental, que o
legislador incumpriu à evidência aquela responsabilidade.
Vítor Gomes,
Pedro Machete, Maria João Antunes, José Cunha Barbosa e Maria
Lúcia Amaral.»
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