sábado, 18 de agosto de 2012

OLIGARQUIA - OLIGARCHIA - OLIGARCHY


 Representada por um Xadrez circular para três pessoas de «3 Man Chess - http://www.3manchess.com»

Significante que vem do Grego ὀλίγος (olígos), que significa poucos («a few»),  e ἄρχω (archo), que significa governar («to rule»): o governo exercido por poucos, o poder concentrado em poucas pessoas/grupos. 


O Grande Pedagogo e Historiador Augusto Reis Machado, nascido em Lisboa em 1887, Professor e Metodólogo do Liceu Pedro Nunes, de entre a sua vasta Obra sobre a Nação Portuguesa, publicada e não publicada, apresenta-nos no seu elucidativo e excelente texto «Dê-se Consciência à Nação» (1923) o «Problema» do «regime oligárquico-parasitário», que domina Portugal há cerca de V séculos, bem como a resposta cultural para a tendente solução desse problema: «Dar-se consciência à Nação»! 


AUGUSTO REIS MACHADO

«DÊ-SE CONSCIÊNCIA À NAÇÃO»[1]

Passou a época da torrente do ouro das conquistas, e só ficaram os hábitos de luxo da capital, e preguiça dos povos senhores, e indolência e miséria; mas o que tinha até agora o triste remédio no suor dos escravos, só pode achar remédio no trabalho dos senhores.

                                              Mousinho da Silveira


O liberalismo pouco mais tem sido, em Portugal, que um sistema de exploração a favor duma dúzia de políticos conluiados com outra dúzia de banqueiros… oligarquia de políticos, banqueiros e jornalistas que pôde enxertar-se, numa vegetação parasitária, à crosta dum país escanzelado.

                                  Silva Cordeiro


Entre nós há um facto que convém estudar: a existência dum povo, por cuja educação os governos… quase nada fizeram até hoje, e que todavia tem boas qualidades, que contrastam por vezes singularmente com as dos chamados dirigentes.

                                  Adolfo Coelho


As formas de governo são boas ou más consoante o valor dos homens que as põem ao seu serviço.

A. Croiset.
                                                          
                                                          
                                                           As verdadeiras riquezas dum Estado são os homens.
                                              
                                                                                              Bossuet.


  
         «Em Portugal há um importantíssimo problema a resolver, problema que lhe é muito próprio, que domina toda a sua vida e se faz sentir em todas as suas manifestações.
         É o problema da existência duma organização político-social caracterizada pelo predomínio de vários grupos de indivíduos, que exclusivamente tratam dos seus interesses em detrimento dos interesses gerais. Esta organização é bem conhecida em história: é o chamado regime oligárquico-parasitário.
         Tem dado cabo de várias sociedades: a ateniense, a cartaginesa, a romana… Tomou conta de Portugal há cerca de quatro séculos; desde então domina-o, apesar de todas as revoluções, e se Portugal não fosse tão robusto, não tivesse tantas e tão boas qualidades, já teria desaparecido. Tem feito com que, há muitos e muitos anos, a vida seja mais cara e pior do que na maior parte dos outros países, com que o ouro brasileiro e os empréstimos do Estado (e tão numerosos e avultados têm sido!), em vez de largamente beneficiarem a nação, tenham desaparecido numa formidável voragem, mal deixando umas escolas, uns caminhos de ferro, umas pontes, umas estradas…
         Vejamos como.
         Pela exploração erigida em exemplo. A exploração rendosa, fortemente rendosa sem grande trabalho, sem grande risco, realizada por um reduzido número de indivíduos que, através os tempos e sob designações diferentes, têm conseguido, mais ou menos, amontoar fortunas: a exploração do Estado, a exploração do povo, a exploração do preto, a exploração do emigrante… E assim, (em face do exemplo vindo de alto), o ideal da maioria dos portugueses passa a ser também explorar: explorar o emprego público, explorar o patrão, explorar o caixeiro, explorar o freguês, explorar o rendeiro, explorar o inquilino, explorar o proprietário, explorar o aluno, explorar o professor… explorar, explorar, explorar. Triste hierarquia de exploradores!
         Aqueles indivíduos, a quem se pode dar o nome comum de capitalistas, têm tido nos países verdadeiramente civilizados uma função utilíssima. Pelos seus vastos empreendimentos, pelas suas rasgadas iniciativas têm contribuído para a abertura de canais, túneis, aproveitamento de quedas de água, de minas, arroteamento de terrenos, etc. etc., e, não contentes com isso, como querendo dar ao país a que pertencem satisfação pelas fabulosas quantias assim obtidas, fundam hospitais, asilos, bibliotecas, universidades… Mais ainda, contribuem também, embora indirectamente, para que colabore em tamanha obra, sinta o poder criador e transformador do homem, uma enorme massa de gente (o proletariado) que, mercê da desproporção entre os lucros recíprocos, tem travado uma incessante luta em que se vai educando na conquista sucessiva de maiores regalias e de maior justiça.
         E porque não sucede o mesmo em Portugal?
         Porque Portugal perdeu há cerca de quatro séculos, após os descobrimentos e conquistas ultramarinas, as condições normais da vida social. E os novos moldes e o novo espírito que a civilização foi elaborando não puderam ser assimilados devidamente pelo viciado organismo português. Nele não existe, portanto, fortemente vividos, a noção dos direitos e deveres inerentes a uma sociedade moderna normal, o sagrado respeito pela personalidade humana. E por consequência domina o espírito explorador, antítese de tal atitude.
         Vindos, aliás de longe, aquela noção e aquele respeito, definiram-se, precisaram-se, completaram-se sobretudo nos séculos em que Portugal, alheado do mundo europeu, parasitava…
         Consequentemente não existem em Portugal elites directivas (os que as deviam, por natureza, constituir, encontram-se, na generalidade, ao serviço das oligarquias), não existe uma opinião pública consciente, uma atmosfera moral que a todos imponha uma atitude caracteristicamente humana, que eleve os portugueses na pura e plena espiritualização duma superior obra a realizar. Não existem as reacções morais conscientes, enérgicas, persistentes, debeladoras das crises que, por vezes, impelem as sociedades para a corrupção, para a desvergonha. Não existe, em suma, uma vida verdadeiramente espiritual, como nos Estados-Unidos, na Inglaterra, na França, na Alemanha, na Itália, na Bélgica, na Holanda… que num mesmo sentido colectivo superior, faça convergir todas as actividades da nação, submeta, domine os prevaricadores.
         Qual o remédio?
         Dar consciência à nação. Afastá-la da triste crença em elixires salvadores, que pretendentes ao poder, bem ou mal intencionados, lhe inculcam, e levá-la a intervir enérgica e inteligentemente na vida política, a impor-se aos governantes de forma que o Estado deixe de ser um instrumento de interesses particulares, mas o genuíno representante do interesse colectivo, impor-se não por meio de bombas, canhões ou baionetas, mas por meio do jornal, do livro, do folheto, da conferência, do comício (armas quase só manobradas até hoje, em Portugal, pelos oligarcas e seus serventuários), impor-se em suma, por meio dum movimento nacional dos espíritos, forte, consciente, profundo, superior a todos os partidos, seitas, bancos ou companhias, que parta do que há de melhor na sociedade portuguesa, dos que são explorados e não exploram, dos que honestamente vivem do seu trabalho, dos que sentem o que há de espiritual na vida. Só um movimento com este carácter pode fazer desaparecer a organização oligárquico-parasitária que esmaga Portugal e transformá-lo numa sã, próspera, verdadeira democracia, considerada como o regime em que os membros duma colectividade intervêm conscientemente no governo dessa colectividade.
         Nefelibatismo? Utopia?
         É assim que nos países civilizados, sobretudo nos tempos modernos, têm sido resolvidos, os mais graves problemas. Tudo o mais?
         Panaceias vãs. Os princípios, as doutrinas não passam de letra morta quando os homens que os representam não são verdadeiramente Homens.»




[1] Publicado pela primeira vez na «Alma Nova» de Setembro de 1923. 
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