sexta-feira, 15 de agosto de 2014

TRIBUNAL (IN)CONSTITUCIONAL II


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Mais uma vez o Governo de Portugal mostrou toda a sua incompetência por não ter procedido à profunda reforma do Estado, nela se incluindo o sistema de Segurança Social. Mas os caminhos percorridos pelo Tribunal Constitucional são muito subjectivos e ditariam tantos acordãos diferentes quão diferente fosse a sua composição: onde é que existe igualdade entre a protecção do emprego, remuneração e pensão públicas e a vulnerabilização do emprego, remuneração e pensão privados, acentuada pela sobredesvalorização do Mercado Interno, pela brutal carga fiscal que se abateu sobre Portugal?

A análise que o Tribunal faz dos indicadores económicos é superficial e não pode sustentar qualquer decisão («O cenário económico de melhoria da situação económico-financeira, refletida em vários indicadores e, sobretudo, nas previsões do Governo contidas no DEO, compõe um quadro de algum alívio, que não deixará de se repercutir na situação dos trabalhadores pagos por verbas públicas, podendo entender-se que deva abranger algo mais do que um mecanismo de reversão que deixa em aberto a possibilidade do nível de redução de redução remuneratória se manter incólume entre 2016 e 2018.».
A sua perspectiva sobre «regresso à normalidade ou, pelo menos, de regresso a um patamar liberto do mesmo nível de constrangimentos das escolhas orçamentais que marcaram os anos de 2011 a 2014» é desfasada da dura realidade de Portugal com uma Dívida Pública brutal e cheio dde toxicidades, como a situação do BES veio demonstrar mais uma vez!

ACÓRDÃO N.º 574/2014 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140574.html
«(...) 8. Os parâmetros constitucionais convocados pelo Presidente da República – num pedido cujo fundamento se limita ao confronto sumário com a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013, e n.º 413/2014) – assentam no princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, e no princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, constante do artigo 2.º, ambos da CRP.
Começando por este último, a aplicação do princípio da confiança tem de partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a uma ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração – em concreto, do peso relativo dos bens em confronto –, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional (Acórdão n.º 396/2011).
Assim, como se disse no Acórdão n.º 128/2009, expressando entendimento reiterado em muitos outros arestos:

«Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança” é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; depois, devem tais expetativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do “comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.»

No caso em apreço, pode encontrar-se na reiteração da aplicação de medidas de redução remuneratória conformadas como transitórias a instilação normativa de um quadro de expectativa na melhoria, a prazo, da situação remuneratória dos trabalhadores pagos por verbas públicas (destinatários da norma), consubstanciada na reversão das reduções salariais a que vêm sendo sujeitos desde 2011.
Legitimam esta expectativa o cumprimento pelo Estado Português do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e o consequente termo do seu quadro de vigência, assim como as melhorias da situação económico-financeira, refletidas em vários indicadores e, sobretudo, nas previsões do Governo contidas no Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 (DEO): crescimento do produto interno bruto (PIB), redução da taxa de desemprego, previsão de aumento da procura externa, nomeadamente (cfr. pp. 9 a 11). Poderia ainda acrescentar-se a já consumada redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para as grandes empresas, evidenciadora de disponibilidade orçamental.
Admitir como legítimas as expectativas de uma melhoria da situação remuneratória não implica necessariamente que essas expetativas, para poderem ser satisfeitas, incorporem um regresso aos níveis salariais de 2010, logo em 1 de janeiro de 2015. De todo o modo, ainda que tais expetativas existissem, a intensidade da repercussão, nesse ano, dos compromissos internacionais do Estado português, leva-nos a questionar se elas não teriam de ceder perante os constrangimentos inerentes a tais compromissos, nomeadamente dos decorrentes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Moneria (conhecido em língua portuguesa como “Tratado Orçamental”, designação que se passa a adotar) leva-nos a vislumbrar a intenção de refrear as expetativas criadas que, se supõem a reversão das reduções remuneratórias num horizonte não muito distante, já não abrangerão a circunstância desse prazo vir a ser necessariamente atingido em 1 de janeiro de 2015.
Sublinhe-se que, no ano de 2015, não só perduram ainda os efeitos do PAEF – por via da fixação da meta do défice orçamental em 2,5% do PIB e do imperativo de fixação de medidas que suportem a estratégia de consolidação para a atingir (cfr. artigo 3.º, n.º 8, alíneas g) e h), da Decisão de Execução do Conselho 2011/344/UE, na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234/UE) –, como ainda se faz sentir o efeito do procedimento de défice excessivo. A consequência lógica destas circunstâncias, que acentuam a relevância do interesse público subjacente, é que as reduções remuneratórias previstas para 2015 ainda se contêm nos limites da confiança protegida.

9. O triénio 2016 / 2018 convoca outras ponderações, até pelo seu alcance de médio prazo.

O cenário económico de melhoria da situação económico-financeira, refletida em vários indicadores e, sobretudo, nas previsões do Governo contidas no DEO, compõe um quadro de algum alívio, que não deixará de se repercutir na situação dos trabalhadores pagos por verbas públicas, podendo entender-se que deva abranger algo mais do que um mecanismo de reversão que deixa em aberto a possibilidade do nível de redução de redução remuneratória se manter incólume entre 2016 e 2018. (...)

«10. Uma conclusão fica clara da leitura destes passos da jurisprudência do Tribunal: foram inicialmente razões de “absoluta excecionalidade” tidas por muito relevantes, que conduziram o Tribunal ao entendimento de que as reduções salariais então apreciadas não ofendiam o princípio da proteção da confiança. Tais razões radicaram posteriormente na necessidade de respeitar os compromissos internacionais assumidos pelo Estado português, ao subscrever o PAEF.
O PAEF vigorou entre maio de 2011 e maio de 2014, projetando ainda os seus efeitos, como se disse, no ano de 2015.
Atingido o ano de 2016, encerrado que foi o PAEF e finalizado, como se perspetiva, o procedimento de défice excessivo em curso, a formulação de idêntico juízo, por via da identificação de razões de interesse público muito relevantes e com peso prevalecente sobre as expetativas de regresso a um quadro de estabilidade da ordem jurídica, em termos de justificar a medida no médio prazo, à luz do princípio da proteção da confiança, carece de outro fundamento. (...)

12. Independentemente de dúvidas quanto à vinculatividade destas recomendações – adotadas no âmbito do procedimento por défice excessivo –, a verdade é que elas não impõem a Portugal medidas concretas e determinadas para controlo da despesa pública e para redução do défice, antes se limitando a enunciar os objetivos ou metas, que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos, por força das normas indubitavelmente vinculativas da União Europeia, quais sejam as de direito originário e de direito derivado acima citadas (no entanto, algumas medidas concretas podem resultar das decisões de execução do Conselho no quadro do PAEF). Dito por outras palavras, a vinculatividade do Direito da União Europeia neste domínio não abrange os meios que os Estados-membros utilizam para atingir os objetivos ou metas que lhes são impostos.
Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legislador nacional com vista a prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com as prescrições da União Europeia não tem consequências do ponto de vista da aplicação das normas constitucionais. Pelo contrário, num sistema constitucional multinível, no qual interagem várias ordens jurídicas, as normas legislativas internas devem necessariamente conformar-se com a Constituição [competindo ao Tribunal Constitucional, de acordo com a CRP, administrar a justiça em matérias jurídico-constitucionais (cfr. artigo 221.º da CRP)]. Aliás, o próprio direito da União Europeia estabelece que a União respeita a identidade nacional dos seus Estados-membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do TUE).
Sublinhe-se, por último, que neste domínio não há sequer divergência entre o Direito da União Europeia e o Direito Constitucional Português. Efetivamente, os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança, que têm servido de parâmetro ao Tribunal Constitucional para aferir da constitucionalidade das normas nacionais relativas a matérias conexas com as que se apreciam nos presentes autos, fazem parte do núcleo duro do Estado de direito, integrando o património jurídico comum europeu, a que a União também está vinculada.

13. Aqui chegados e retomando as ponderações pertinentes à apreciação do programa normativo face ao princípio da confiança, cabe reconhecer que, no ano de 2015, o cumprimento dos compromissos a que vimos aludindo pesa, de forma muito relevante, sobre as opções orçamentais (o que não significa, evidentemente, que o peso desses compromissos não se faça ainda sentir nos anos subsequentes).
Nas circunstâncias atuais e perante a indeterminação do quadro normativo, não parece possível encontrar elementos suficientemente claros para suportar um juízo de inadmissibilidade constitucional, à luz do princípio da proteção de confiança, de medidas de redução remuneratória, ainda que contrariando expetativas de um grupo de pessoas repetidamente atingido no passado.
E, mesmo que tal fosse possível, o interesse público inerente ao cumprimento dos compromissos internacionais do Estado português ainda implica, neste período, erosão daquele princípio.
Esta última consideração conduz-nos à apreciação das normas em causa, agora à luz do princípio da igualdade, igualmente invocado pelo requerente.

14. Também no que respeita ao princípio da igualdade, importa recordar brevemente as posições assumidas pelo Tribunal relativamente às medidas legislativas que, sucessivamente, foram atingindo os trabalhadores pagos por verbas públicas.

14.1. A urgência das reduções do défice orçamental explica uma atuação do lado da despesa, mais eficaz do que uma atuação do lado da receita, pela rapidez dos efeitos produzidos. (...)

14.2. Aquela circunstância legitima alguma medida de “sacrifício adicional” dos trabalhadores que recebem por verbas públicas, sacrifício que não consuma, por isso, um tratamento desigual arbitrário; na verdade, estes são pagos por verbas públicas, pelo que apenas a sua remuneração reduz, imediata e automaticamente, a despesa pública. (...)

14.3. O sacrifício adicional, porém, tem de conter-se dentro de limites estabelecidos à luz do critério da “igualdade proporcional”, não podendo ser excessivo quando confrontado com as razões que o justificam. Ou seja: o Tribunal, por um lado, indaga a razão de ser da diferenciação; por outro, avalia a medida em que a diferenciação é concretizada. (...)

14.4. A justificação deste sacrifício adicional encontra-se ainda sujeita a duas outras condições: (a) a consideração de outras alternativas possíveis de contenção de custos; e (b) o caráter transitório da imposição do sacrifício. Escreveu-se no Acórdão n.º 187/2013:

«Não só porque o tratamento diferenciado dos trabalhadores do setor público não pode continuar a justificar-se através do caráter mais eficaz das medidas de redução salarial, em detrimento de outras alternativas possíveis de contenção de custos, como também porque a sua vinculação ao interesse público não pode servir de fundamento para a imposição continuada de sacrifícios a esses trabalhadores mediante a redução unilateral de salários, nem como parâmetro valorativo do princípio da igualdade por comparação com os trabalhadores do setor privado ou outros titulares de rendimento.» (...)

O ano de 2015, comporta - já o dissemos - valorações de sinal contrário. Se, por um lado, culmina uma trajetória de regresso à normalidade ou, pelo menos, de regresso a um patamar liberto do mesmo nível de constrangimentos das escolhas orçamentais que marcaram os anos de 2011 a 2014, não é menos certo que a pendência de um procedimento por défice excessivo, que se segue a um período de assistência económica e financeira, ainda configura quadro especialmente exigente, de excecionalidade, capaz de subtrair a imposição de reduções remuneratórias nesse ano à censura do princípio da igualdade. Releva, nesse juízo, os termos mais mitigados do sacrifício imposto, por efeito da estatuição de reduções remuneratórias inferiores em 20% às que são previstas para o ano de 2014.

17. Já o triénio seguinte – 2016/2018 – determina outra apreciação.
Desde logo, ao contrário do que ainda se poderá entender relativamente aos anos de 2014 e 2015, não estamos já perante intervenção legislativa de índole conjuntural e de resposta a situação de emergência. Como decorre do DEO, o ano de 2017 é aquele em que se prevê que seja atingido o objetivo de médio prazo, o que remete as razões em que se alicerça o programa normativo em apreço, nessa dimensão, para a condição de opção estratégica, que encontra inscrição num quadro regular de atuação do Estado, ainda que dominado por exigências de disciplina orçamental e de racionalidade económica. (...)»


ACÓRDÃO N.º 575/2014

«(...) E não há dúvidas quanto à relevância constitucional que assume a imperatividade de realização de políticas públicas que assegurem a disciplina orçamental, tal como esta última é imposta à República, desde logo, pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, bem como pelas demais normas de direito externo ao Estado português e de direito interno que concretizam as obrigações implícitas à referida disciplina. Está em causa, neste domínio, não apenas o cumprimento leal do dever, constitucionalmente assumido, de “empenhamento” de Portugal “no reforço da identidade europeia” (artigo 7.º, n.º 5, da CRP), mas ainda o cumprimento leal do dever que as gerações presentes assumem perante as gerações futuras, dever esse que se traduz em impedir a existência de uma dívida pública que, onerando e pré-determinando as suas escolhas, diminua a capacidade que não podem deixar de ter essas mesmas gerações de se conduzir nos termos prescritos, desde logo, pelos artigos 1.º e 2.º da Constituição.
As exigências decorrentes deste último ponto, que diz respeito ao cumprimento leal do contrato entre gerações que a subsistência da ordem constitucional portuguesa (como a de qualquer outra) pressupõe, fazem-se sentir de forma ainda mais premente na necessidade, também invocada na exposição de motivos da proposta apresentada à Assembleia, de encontrar soluções para o problema da sustentabilidade do sistema de segurança social, sobretudo na sua vertente de sistema previdencial.
Na verdade, um modelo jurídico que rigidamente mantenha, neste domínio, as soluções pensadas pelo Direito definido no passado, pode traduzir-se num trato injusto entre as gerações atuais de beneficiários do sistema previdencial e as gerações que compõem, no presente, a população ativa portuguesa, e que, através das suas “quotizações” e “contribuições”, garantem na atualidade o financiamento do modelo previdencial tal como ele existe. Numa circunstância histórica em que constrangimentos de ordem económica (a perda de receitas desse mesmo sistema, causada pelo aumento do desemprego e pelos fluxos migratórios) e constrangimentos de ordem demográfica (o aumento de esperança média de vida e a diminuição da natalidade) determinam o desequilíbrio financeiro de um sistema que foi concebido, enquanto sistema harmonioso e justo, num diferente contexto, há que ter em linha de conta que a proteção da confiança daqueles que modelaram os seus planos de vida em função de um Direito em certo momento vigente se não pode fazer a qualquer preço. Sobretudo, não pode deixar de ser contrabalançada com as incertas “expectativas” que, pela natureza das coisas, detêm as gerações presentes de trabalhadores e contribuintes em virem mais tarde a beneficiar do mesmo sistema. Tanto bastaria para que, prima facie, se justificasse que, através da consideração da sustentabilidade, se exigisse aos atuais pensionistas um acréscimo de esforço para a manutenção do modelo de solidariedade social do qual beneficiam, modelo esse que não pode deixar de conter equilíbrios justos no trato entre as diferentes gerações.
A este argumento, que revela só por si o peso dos “direitos e interesses constitucionalmente protegidos” que são contrapostos aos direitos lesados, justificando portanto, na ótica do autor da norma, a sua afetação, acresce um outro.
Como vimos, não se encontra na disponibilidade do legislador ordinário determinar se existe ou não existe um “sistema de segurança social” que proteja os cidadãos na velhice e em outras situações de “falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”. Como lhe não cabe determinar se incumbe ou não ao Estado organizar e coordenar esse sistema, enquanto primeiro responsável pelo, e garante último do, seu funcionamento. Estas decisões não se encontram à disposição do legislador ordinário porque foram já tomadas pela Constituição no seu artigo 63.º.
Daqui decorre que, perante os desequilíbrios tão manifestos de um sistema de segurança social que, a manter-se tal como está, poderá obrigar a República a incumprir as obrigações de disciplina orçamental que assumiu face aos seus parceiros na União Europeia – o que, por seu turno, poderá implicar que os interesses e os direitos constitucionalmente protegidos das gerações futuras sejam sacrificados à satisfação dos direitos e interesses (também constitucionalmente protegidos) das gerações presentes –, o legislador ordinário tem, face à Constituição, o poder de modificar o sistema, adequando-o às presentes exigências históricas. É o que resulta do artigo 63.º da CRP, na medida em que aí se determina que não poderá deixar de existir entre nós uma qualquer forma sistémica e pública de organização da segurança e solidariedade social. (...)»

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